terça-feira, 8 de março de 2011

O Machismo nosso de cada dia? Minha homenagem ao dia das Mulheres

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O Machismo nosso de cada dia?

É comum em muitas rodas de conversa em meio aos protestos (ou revoluções?) por todo o mundo árabe, especialmente se houver uma cerveja, é o tema "Islamismo". Retrógrado, machista, atrasado, anti-iluminista e outros termos derrogatórios estão sempre presentes e as análises são costumeiramente superficiais.

Para muitos, a Arábia Saudita, de suas mulheres cobertas de preto, proibidas sequer de dirigir carros ou mesmo andar desacompanhadas na rua, ou o Afeganistão das burqas é o modelo ideal e mais bem acabo do que é o islamismo.

Se esquecem - ou não sabem e nunca perguntaram - de que estamos diante de interpretações ultra-radicais de um livro com quase dois mil anos, escrito em um período completamente diferente e que necessita sempre de extensiva interpretação. Sim, ainda estou falando do islamismo, mas poderia ser também de muitas correntes mais conservadoras do cristianismo.

Quando algum desavisado vê na TV as imagens das famosas celebrações xiitas da Ashura, onde homens e crianças se batem com a ponta cega a de facas até suas cabeças sangrarem, se esquece do cilício usado por membros da catolicíssima Opus Dei para se martirizar, ou mesmo do ritual de auto-flagelação que ainda existe em muitas comunidades cristãs - até mesmo no nordeste brasileiro.

Mas o "outro" é sempre estranho.

Voltando às burqas, é sempre bom lembrar ao leitor desavisado que as mulheres que hoje são forçadas a se cobrir da cabeça aos pés chegaram até a dirigir caminhões e pilotar aviões no Afeganistão dos anos 50 e 60, antes da invasão da União Soviética e da resposta do Talibã.

Os Talibãs que, aliás, que são em parte cria dos EUA (cristãos) e em parte da Arábia Saudita, de onde importaram boa parte de sua ideologia conservadora, conhecida como Wahhabismo que, acreditem, é bastante moderna, e vem de um pensador islâmico do século XVIII e não do Corão de mais de 1500 anos.

Falando em pensador, ou quase isso, temos Jim Jones, um pastor americano - logo cristão - que em 1978 se suicidou na Guinana Francesa junto a 917 membros de sua seita, Templo dos Povos. Estranho? Não é incomum entre seitas cristãs o suicídio ritual de membros. Mas, ainda assim, estranhamos o islamismo e seus costumes. Da mesma forma que a franca maioria dos cristãos considera Jim Jones uma aberração, o Wahhabismo também é rejeitado pela maioria dos muçulmanos.

Mas nem precisamos ir tão longe para encontrarmos referências bizarras da nossa sociedade (ou civilização) quando temos o genuíno Cristo, Inri Cristo, entre nós, não é mesmo?

Olhar o outro como estranho, até como inferior, como bárbaro, acaba por obscurecer sua história, e especialmente a nossa história. Um exemplo? De grande importância para o pensamento ocidental está Avicena, famoso médio e cientista... Muçulmano. Diversos filósofos, matemáticos e médicos que ajudaram a construir as bases da ciência moderna e que muitos de nós pensam ser "ocidentais", ou cristãos, eram muçulmanos. E num tempo em que o "ocidente" é que era referência de atraso.

Cruzadas, Inquisição, Peste, nenhum sistema de esgoto, cidades poluídas  e quase absoluta ignorância eram sinônimo da Europa, enquanto os estranhos muçulmanos criavam o que viria a ser nosso alfabeto, nossos numerais e a base de nosso pensamento.

Sociedades que aparentemente são totalmente distintas compartilham semelhanças em um grau assustador.Acreditamos piamente que a mulher na Arábia Saudita é vítima da maior e pior opressão possível, pois sequer podem andar sós, mas nos esquecemos que, no Brasil, bem no nosso quintal, 10 mulheres são mortas por dia e a cada 15 segundos uma sofre algum tipo de agressão.

Mulheres são queimadas por ácido no Afeganistão por se recusarem a casar ou simplesmente por maridos abusivos, no Brasil mulheres são espancadas pelos seus maridos e familiares por motivos igualmente banais. Diferem os métodos, mas não a opressão. Se por um lado as mulheres andam livremente nas ruas no "ocidente", são vítimas dentro de casa. E, claro, existem aquelas, nos países Árabes, com a mais plena liberdade, mas estes casos são tidos como exceção, ainda que sejam em países de grandes proporções, como Turquia, Rússia (com imensa população islâmica) ou mesmo Marrocos, Tunísia e Argélia.

Mesmo no Irã, onde a propaganda que corre o mundo é a de um regime opressor e sanguinário, as mulheres tem mais liberdade do que na prática em muitos recantos do interior do Brasil.

A objetificação da mulher e sua situação de submissão não é islâmica, mas permeia também o cristianismo - alguém conhece uma mulher católica padre ou no topo da hierarquia católica? - e a sociedade "ocidental" em si. As mulheres no Brasil, nos EUA u na Europa podem trabalhar, mas ganham em geram menos que os homens. Nestes mesmos lugares a maioria dos postos de comando estão nas mãos de homens, poucas são as mulheres que realmente mandam. Na política as mulheres raramente são 30% dos parlamentos.

Enfim,  nos preocupamos demais em olhar com reprovação para aquilo que não conhecemos e vemos apenas através da TV, carregado e propaganda e intencionalidade, e internalizamos nossos próprios problemas e conflitos, os tomamos como natural quando, na verdade, nenhum dos casos é normal, ou deveria ser assim encarado.

Mas, não se enganem, o problema não está nas religiões em si, elas são apenas reflexo da cultura, dos costumes, reproduzem os anseios e o pensamento da sociedade e fica ainda pior quando interpretada de maneira ainda mais conservadora ou ao pé da letra, como se estivéssemos 2 mil anos no passado.


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