Anders Behring Breivik é jovem, loiro, alto, de olhos azuis, nórdico e
cristão. Ainda, um fundamentalista de extrema-direita. E com profundo
ódio por muçulmanos e pelo multiculturalismo...
Nem de longe o conjunto
de características preferidas pela mídia para designar o típico
terrorista.
Apesar das primeiras notícias e teorias envolvendo os atentados quase
simultâneos na Noruega – a explosão em frente ao edifício do
primeiro-ministro que levou à morte de pelo menos sete pessoas e o
tiroteio no acampamento de jovens do Partido Trabalhista na ilha de
Utoya, que deixou mais de 80 mortos – de que o terrorista seria
muçulmano, a verdade logo se mostrou o mais absoluto oposto.
Na ilha de Utoya, centenas de jovens haviam feito, no dia anterior, um
ato em defesa da Palestina, pedindo ao primeiro-ministro do país que
reconhecesse o novo Estado Palestino que logo será declarado. Em Oslo,
uma bomba no parlamento com a intenção de atacar a principal instituição
do país, o centro de poder, e a figura central da política local, o
primeiro-ministro Jens Stoltenberg.
Sensacionalismo melodramático
O terrorista, Anders Breivik, que foi bem-sucedido em seu ataque aos
estudantes mas não ao primeiro-ministro, deixou abaladas as estruturas
norueguesas. No entanto, o terrorista recebeu uma ajuda inesperada, da
mídia internacional e da brasileira, para tornar memoráveis seus atos ao
mesmo tempo em que suas motivações e seu fanatismo eram escondidos. A
mídia internacional se apressou em apontar os culpados, os “terroristas
islâmicos”. A mesma pressa de sempre em apontar culpados fáceis e, por
que não, convenientes. A brasileira, por sua vez, se contentou em
esconder as verdadeiras motivações de Breivik. Ele odiava o
multiculturalismo, mas pouco se falou sobre seu fanatizado cristianismo.
No dia seguinte aos atentados, morreu a famosa cantora Amy Winehouse,
possivelmente de overdose, e a mídia encontrou o tema principal do fim
de semana. Muito mais cômodo e sensacionalista tratar da morte de uma
grande cantora do que se aventurar no espinhoso terreno do terrorismo...
cristão.
Manchetes de jornal por todo o país, online e offline,
lembravam do atentado cometido pelo norueguês alto e loiro, mas
escondiam e relegavam às letras miúdas e rodapés suas motivações: ódio
visceral ao islamismo e fundamentalismo cristão militante. O termo
“terrorista cristão” não foi empregado em momento algum, muito menos
virou uma única expressão, como acontece com o termo “terrorismo
islâmico”. Ora, para a mídia, a palavra “terrorismo” precisa de um
qualificado e não faz sentido se este não for “islâmico”. O termo,
então, foi pouco usado.
No Jornal Nacional do sábado (23/7), o primeiro bloco, de 10
minutos, foi inteiramente dedicado à morte de Amy Winehouse, enquanto
seis minutos do segundo bloco foram dedicados aos atentados/massacres na
Noruega. No terceiro bloco, mais 12 longos minutos de Amy Winehouse.
Vinte e dois minutos de jornal para Amy Winehoyse, seis minutos para a
crise na Noruega. No Fantástico do domingo, também da Rede
Globo, menos de quatro minutos dedicados aos atentados na Noruega – mas
com o mesmo melodrama típico dos domingos à noite, em que a notícia dá
lugar ao sensacionalismo melodramático de novelas mexicanas.
Suaviza-se a realidade
O entretenimento venceu o jornalismo. Ou talvez as tradicionais
concepções de jornalismo estejam ultrapassadas. Fosse islâmico,
baixinho, barbudo e com semblante do Oriente Médio, qual seria a reação
do jornalismo mundial? Como se daria a cobertura de mais um atentado de
um discípulo de Bin Laden (que, mesmo morto, parece continuar a comandar
uma rede internacional mais poderosa que muitos Estados, na visão
sempre sensacionalista da mídia)?
O jornalismo foi substituído por um
misto de hipocrisia e melodrama. Um terrorista cristão não serve aos
propósitos midiáticos. Não é um inimigo fácil e se parece demais com
muitos articulistas de grande revista semanal ou de diários
conceituados.
A extrema-direita fundamentalista se parece, não importa o país, e o
Brasil vem sendo vítima de uma onda fundamentalista cristã que busca
perseguir a comunidade LGBT tanto através da via política (bancada
evangélica, tentativas de deslegitimar o Judiciário e de vetar qualquer
lei contra a homofobia), quanto através da violência nas ruas mesmo
contra um pai que abraça seu filho e são “confundidos” com um casal gay,
como se a possibilidade de que fossem efetivamente gays pudesse mudar o
sentido ou o significado da violência.
Extrema-direita cristã, fundamentalista, se vê na Fox News, canal de
grande audiência dos EUA. A mesma ideologia se nota nos programas
evangélicos das madrugadas (e até dos horários nobres) de muitas redes
de TV brasileiras ou em revistas e jornais de grande circulação. Ou
seja, é incômodo classificar os atos terroristas de Andres Breivik como
“terrorismo cristão”.
Para escapar do “problema”, foca-se em outros assuntos e suaviza-se a
realidade. Maior foco na reação do primeiro-ministro norueguês, maior
foco no salvamento das vítimas de Utoya e mesmo na morte de Amy
Winehouse, a melhor desculpa que poderia ter caído no colo dos tubarões
da mídia neste momento.
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Artigo publicado originalmente na edição 652 do Observatório da Imprensa (que deu destaque ao artigo, com direito até a cartum na capa!)
Blog de comentários sobre política, relações internacionais, direitos humanos, nacionalismo basco e divagações em geral... Nome descaradamente baseado no The Angry Arab
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Atentados na Noruega - Uma questão de preferência ou Amy Winehouse, a pauta cômoda
2011-07-27T10:30:00-03:00
Raphael Tsavkko Garcia
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