Nem me falem em salvar o jornalismo
24 horas não passam sem que chegue notícia de alguma iniciativa dos oligopólios da mídia, do lobby pró-copyright e de associações como a RIAA no sentido de engessar a revolução desencadeada pela internet. É, meus leitores, a coisa anda feia. Um dos sofismas com os quais se travestem essas iniciativas é o de “salvar o jornalismo”, como se este, em seu sentido amplo, não pudesse sobreviver sem os ditos oligopólios.
Na semana passada, o Washington Post mobilizou dois advogados para iniciar um lobby por leis cuja aprovação representaria um pesadelo na internet. Se conheço a dinâmica desses movimentos, essas “ideias” não tardarão em chegar ao Brasil. Por isso, não avisem o Tio Civita nem o Tio Marinho sobre este post. Mas preparemo-nos. Depois não adianta chorar.
O texto escrito pelos advogados do Post chega a um ponto jurídico a que eu jamais vi nenhum lobby de mídia chegar. Ele já foi desmontado pelo Buzz Machine, mas eu quero acrescentar aqui meus dois centavos para o contexto brasileiro. Vejamos o que propõem esses dois senhores. Para benefício dos que não leem inglês, eu traduzo:
Os produtos (e lucros) do Google teriam uma cara diferente se, por exemplo, a lei dissesse que ele deve obter permissões de copyright para copiar e indexar as páginas da internet. Ao invés disso, os motores de busca exigem que os donos do copyright “optem por sair” da sua rede, e até agora o seu poder de mercado tem permitido que eles escapem ilesos.
Imaginem um mundo em que o Google tivesse que pedir permissão, sob a lei de copyright, para indexar as páginas da internet. Acredito serem desnecessárias maiores considerações. Seria melhor fechar a net e voltar à época em que datilografávamos cartas e lambíamos envelopes para levá-los aos correios.
Uma das coisas que ensina o mais perfeito jogo de baralho inventado pela espécie humana – o truco – é que você não blefa quando não tem condições de blefar. Se já blefou cinco vezes, perdeu todas elas e agora saiu com dois valetes e uma dama, não truque, porque ouvirá um “seis!” gigantesco na orelha. Evidentemente, essa proposta é um blefe. Caso ela prospere, eu faria o seguinte, se fosse executivo do Google. Convocaria uma conferência de imprensa e diria: aqueles grupos de mídia que acreditem que a indexação do Google é uma violação da lei de copyright, por favor se manifestem e nós retiraremos todas as referências a eles no motor de busca. Nem o mais demente funcionário do Washington Post sustentaria o blefe.
As sandices propostas pelos advogados do Post não param aí. A camisa-de-força jurídica vai além. Eles propõem:
1. Federalização da doutrina do “hot news”. Isso significaria que, durante um certo período em que a notícia está "quente", você não poderia sequer repetir seu conteúdo (atenção: o conteúdo, não o texto em si), já que os capangas do Washington Post acham que isso é pilhagem. Felizmente, disso já estamos protegidos no Brasil. O que é mais irônico é que a verdadeira pilhagem é feita pela fábrica de linguiça dos oligopólios de mídia, que sistematicamente tomam textos de jornais locais e os reproduzem sem dar crédito nem link aos jornalistas responsáveis por eles.
2. Usar a política fiscal para “promover a imprensa”. Sem comentários. Se essa sandice chega por aqui, veríamos o seu, o meu, o nosso dinheirinho sendo usado para salvar da insolvência e da irrelevância os oligopólios dos Marinho e dos Civita – não que isso já não esteja sendo feito, é claro.
3. Criar isenções nas leis anti-truste para os grupos de mídia, já que, segundo os advogados do Post, a “insolvência da mídia é hoje uma ameaça maior que a sua concentração”. Sobre isso, teríamos que retrucar: ameaça para quem, cara-pálida? Quem está se sentindo ameaçado? Será que a população realmente está preocupada com o desespero dos grandes oligopólios de mídia?
Por isso, a proposta do Biscoito é radical: acelerar a putrefação da mídia. Multiplicar as fontes de jornalismo independente. Disseminar a linkania. Apostar na circulação de informações na internet. E, sobretudo, ficar atento, porque eles estão desesperados e vão recorrer a qualquer coisa.
PS: Bem a propósito, o Biscoito reuniu numa só página seus 4 anos de posts de conteúdo jurídico. STF, TSE, plágio, copyright, censura a blogs, aborto, maconha, está tudo aqui: Direito e Justiça.
PS 2: Na PUC-SP, hoje, às 19 horas, acontece um interessante debate sobre jornalismo e mídia.
PS 3: As charges que ilustram o post foram colhidas lá no Dialógico.
PS 4: Guiado por um super especialista, comecei a estudar Direito Penal. Uma série de batalhas chave acontecerão nesse terreno nos próximos anos.
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Meu comentário ao post do Idelber (meus dois centavos):
No mais, concordo plenamente, blefe.
O que não quer dizer, porém, que atitudes como as da RIAA, de punir com pesadas multas meia dúzia de gatos pingados pelo mundo, não possam se repetir, agora com os jornais e afins.
Difícil, claro, mas nunca duvido das tentativas dos oligopólios de se movimentar.
Cada vez mais concordo com as teses do Cesidio Tallini, a Internet tem que ser totalmente livre, 100%. Regulamentações podem barrar abusos mas normalmente são usadas com propósitos pouco ou nada nobres. Ficamos em uma encruzilhada, libera tudo, absolutamente tudo, ou se aceita o controle até que existam ferramentas justas (sim, inocente o comentário mas...) de controle do que é e somente do que é abuso, ilegal (vago mas ainda assim...) e etc...