domingo, 31 de maio de 2009

Só mesmo no Rio: "Patriotismo" à força [Update]

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O "header" da notícia parece inocente.... Mas desde o início já se vê o absurdo de obrigar a tocar o hino nacional nas escolas... Já temos pouco tempo para as aulas, imagina ainda tocando o hino!

"Hino Nacional volta a ser obrigatório nas escolas municipais do Rio"

Mas fica pior. Se por um lado o sindicato dos professores reclama - com razão - por outro uma pedagoga afirma que a iniciativa "resgata o patriotismo". Desculpe mas... resgatar?

"Resolução foi publicada nesta quarta (27) no Diário Oficial.
Sindicato critica medida. Já para pedagoga, iniciativa resgata patriotismo"
Que patriotismo pode ser resgatado de um aluno que mora em uma favela, num barraco, na mais completa pobreza e abandono, só conhecendo uma rotina de violência, medo e exclusão?

O canto do Hino Nacional Brasileiro voltou a ser obrigatório nas escolas municipais do Rio. A resolução, assinada pela secretária de Educação Claudia Costin, foi publicada nesta quarta-feira (27) no Diário Oficial do município. O texto, que cita a “necessidade de resgatar e despertar no aluno valores cívicos”, estabelece que as escolas da rede pública devem incluir o execução do hino às segundas-feiras, no horário de entrada dos alunos.
Algumas escolas mal tem carteiras, quadros negros, giz, sequer professores! Mas terão que hastear bandeira! A bandeira nacional, do estado e do município! Com que verba? O Estado vai desviar verbas da merenda (em São Paulo é comum) para comprar as bandeiras, postes e etc?

Será que não existe nada um pouco mais relevante do que enfiar goela abaixo uma pseudo-civilidade, um pseudo-patriotismo?
A resolução prevê ainda que, durante a solenidade, deverão ser hasteadas as bandeiras nacional, do estado e do município. Caberá às equipes de direção das escolas definir critérios de formação de grupos de alunos que, com os professores, ficarão responsáveis por arriar as bandeiras ao final das aulas. A decisão, no entanto, pode não ser bem recebida por todo o corpo docente.
Na hora do hino, os alunos enfileirados, cantando (dos poucos que talvez conheçam toda a letra e dos raros que sabem o que significa a letra), fingindo patriotismo. Pior, fingindo que vivem em um país que realmente pode exigir patriotismo ou qualquer sentimento além do de revolta à alguém!

Patriotismo nasce naturalmente, vem naturalmente, não pode ser imposto sob pena de se criar fascistas e robôs. Patriotismo, aliás, só precisa ser imposto e "ensinado" em um país que não dá as mínimas condições para este sentimento surgir.

Qual o patriotismo de alguém que vive na miséria, excluído da sociedade?

Só pode ser brincadeira, e de muito mal gosto.

O resto da notícia:

“Não é o fato de cantar ou não o hino que lhe faz patriota. Ter aulas de todas as disciplinas daria mais sentido de pátria aos alunos. É mais uma decisão supérflua”, diz Maria Beatriz Lugão, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), que acredita que a medida vai sobrecarregar os funcionários. “Na maioria das escolas está faltando funcionários”.

Procurada pelo G1, a Secretaria municipal de Educação informou que o objetivo da medida é promover um novo tipo de educação cívica para reforçar nos alunos as ideias de cidadania, responsabilidade social, e inclusão na sociedade.

Domínio da letra

Já para a pedagoga Bertha do Valle, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a medida é importante para resgatar o patriotismo entre as crianças.

“Eu fico espantada de ter que haver uma determinação de cima para que isso ocorra nas escolas. Deveria ser uma rotina”, diz Bertha. “Acho muito triste um cidadão não saber cantar o Hino Nacional. Tenho netos adolescentes que não dominam a letra, por exemplo”.

Projeto na Câmara também prevê execução obrigatória

Em algumas escolas particulares do Rio, o Hino Nacional cantado às segundas-feiras já é rotina. Projeto do deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), que tramita na Câmara dos Deputados, torna obrigatória a execução diária do hino no início das atividades escolares.

A regra seria válida para escolas dos níveis fundamental e médio. O projeto de Lei 4.627/09 define ainda outras ocasiões em que o hino deverá ser executado, como na abertura de sessões cívicas e no início e encerramento de transmissões diárias das emissoras de rádio e televisão.

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[Update]

Excelente post do blog "Rio Acima" do Jornal do Brasil,diz exatamente tudo que precisa ser dito, sem retoques:

"Patriotismo não se aprende na escola
A secretária de Educação, Claudia Costin, anunciou que todas as escolas da rede municipal do Rio vão tocar o Hino Nacional às segundas-feiras, na hora em que os alunos entram. A molecada, além de cantar, assistirá ao hasteamento da Bandeira. Segundo Claudia, o objetivo é “resgatar e despertar no aluno valores cívicos que, certamente, contribuirão na formação de sua cidadania”. Ok, como ato simbólico, acho ótimo. Para quem só ouve funk o dia inteiro, cinco minutos de patriotismo não vão fazer mal. Mas não é tão simples cultivar no íntimo da criança o orgulho de ser brasileira.

Fiz a segunda e a terceira séries do antigo curso primário na Escola Municipal Minas Gerais. Na época, 1972 e 1973, também era obrigatória a execução do Hino uma vez por semana. Nem assim consegui decorar a segunda parte da letra composta por Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927). Hoje, quando vejo os jogadores da Seleção Brasileira cantando tudo de ponta a ponta, fico com inveja.

Minha infância se deu num tempo de ditadura militar, e acho que isso influenciou no bloqueio que me impede até hoje de ir além do “deitado eternamente em berço esplêndido”. No início dos anos 70, havia mensagens ufanistas por toda parte – “Pra frente Brasil”, “Ninguém segura este país”, “Ame-o ou deixe-o” – e aquela solenidade no colégio soava como as músicas da dupla Dom e Ravel, que estava todo domingo no Programa Silvio Santos cantando Eu te amo, meu Brasil. Não que eu fosse um moleque politizado aos 9 anos, mas havia sempre um exemplar de O Pasquim na minha casa, felizmente. Mal ou bem, eu sabia que vivíamos sob um governo totalitário. Curiosamente, foi um tempo de patriotismo em baixa. Ouso dizer que só em época de Copa do Mundo as pessoas se lembravam do verde-e-amarelo.

Com a redemocratização, o Hino foi ganhando outra conotação, apesar de ainda ter sido vilipendiado uma vez mais naquelas cerimônias breguérrimas em que o ex-presidente Fernando Collor descia com sua corte a rampa do Palácio do Planalto. Hoje, confesso que me arrepio quando ouço. Aliás, o que me sensibiliza mesmo é ver justamente pessoas a quem a pátria sonega os mais básicos direitos ainda alimentarem um sentimento sincero de orgulho do país.
Quanto aos alunos da rede pública, acho que merecem mais atenção dos educadores. Não em sala, mas fora dela. A sexualização dessa geração é um negócio esquizofrênico. A infância está cada vez mais curta. Abandonados pelos pais diante da TV aberta, eles foram forjados no apelo sexista da mídia. Garotinhas de pernas finas e ainda sem seios usam quilos de maquiagem e se portam como predadoras. Volta e meia, duas pirralhas saem no tapa na calçada por causa de algum fedelho. Não é de se espantar que a pedofilia e a gravidez adolescente sejam os fantasmas do momento. Uma parcela de culpa nisso é dos pais que vestem suas filhinhas como dançarinas do É o Tchan. A outra é da escola, que para a maioria da garotada é mais que desinteressante, é inútil. Pudera, segundo o Censo Educacional de 2007, apenas 42% dos professores do 1º ao 5º ano do ensino fundamental no Rio têm diploma de licenciatura. Ou seja, o futuro está entregue a amadores. Vai ver que é por isso que outro dia eu vi, às sete da manhã, debaixo de chuva, três colegiais esperando, ávidos, a abertura de uma lan house.

Os garotos, quando não estão atracados com uma colega – anunciando que em breve mais um brasileirinho precisará aprender o Hino – ocupam-se em medir forças com meninos da facção rival. Há colégios em que crianças que moram em favelas comandadas por quadrilhas antagonistas precisam estudar em salas diferentes. Que espécie de civismo pode vicejar assim?

Como eu ainda menino sentia no ar o cheiro da truculência do regime militar, a garotada de hoje sabe da impunidade que faz com que 95% dos presidiários brasileiros sejam negros e 99%, pobres (como constatei, alguns anos atrás, ao fazer uma reportagem dentro do presídio Hélio Gomes). Colarinho branco não fica preso, e os jovens não vêem nenhum político falando em mudar nosso maleável Código Penal.

Patriotismo hoje, tanto quanto nos anos de chumbo, é um sentimento que não nasce de graça. Não basta uma sessão semanal de Hino para sensibilizar filhos de pais atormentados pelo desemprego e netos de avós merecedores de aposentadorias ridículas. É difícil para quem mora onde o esgoto corre a céu aberto e maus policiais humilham trabalhadores emocionar-se com a nossa bela Bandeira no alto de um mastro ou nas mãos de um campeão mundial."
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