terça-feira, 10 de agosto de 2010

Estaria o Brasil se alinhando às Ditaduras (?) ou a Diplomacia do Séc. XXI

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Pouco ou nada se comentou sobre a proposta do Brasil de que ONU evite censura a países que violam direitos humanos.

À primeira vista, a proposta parece absurda, grotesca, mas não deixa de fazer sentido. Obviamente é necessário contextualizá-la e criar parâmetros.
O governo brasileiro quer mudar a maneira como as Nações Unidas tratam as violações de direitos humanos no mundo. Em uma carta enviada a todos os Estados-membros da ONU, o Itamaraty propôs que a organização evite censurar publicamente regimes autoritários. A denúncia pública é considerada a principal forma de pressiona um país acusado de atentar contra os direitos humanos a mudar sua conduta. 
Fica claro desde o começo que o governo brasileiro acredita ser interessante evitar censuras públicas logo de cara aos regimes ditos autoritários. "Ditos" porque ninguém vê problema na China ou na Arábia Saudita, regimes opressores, mas acreditam que o Irã seja parte do Eixo do Mal. A Espanha e suas centenas de presos políticos ou os EUa e Guantánamo são considerados exemplos de democracia.

A denúncia pública, de fato, nem sempre é o melhor instrumento. Governo ditatoriais raramente se constrangem quando acusados de crimes e desmascarados. A denúncia pública melhor funciona em países considerados democráticos, que tem a obrigação de esconder a verdade da opinião pública (interna e externa).
A estratégia é abster-se em votações sobre alguns casos e manter o diálogo, mesmo com governos que reconhecidamente cometeram atrocidades.
Em diversas ocasiões, o Brasil manteve-se distante dos países que criticaram abertamente Coreia do Norte, Irã, Sri Lanka, Sudão, entre outros governos, por desrespeitar direitos fundamentais. Para o Itamaraty, durante anos, a ONU virou palco de condenações e ataques que nunca resolveram as violações de direitos humanos. Nessas ocasiões, entidades como Anistia Internacional e Human Rights Watch criticaram a opção brasileira pelo silêncio. Brasília rejeita a avaliação e insiste que o atual sistema também não funciona.
É uma situação deveras complicada. De um lado, se abster de condenar regimes que efetivamente violam os direitos humanos coloca o país numa posição desconfortável, por outro, a leitura de que estas condenações não dão resultado é verdadeira. Cabe também acrescentar que o próprio instrumento de condenação é político. As sanções contra o Irã, por exemplo, são mero reflexo da política dos EUA de encontrar um novo inimigo a cada certo número de anos. A aplicação de sanções e as condenações contra o país não tem qualquer relação com seu regime ser ou não democrático, o que demonstra o caráter político da ONU em diversas ocasiões.

Um exemplo de que as condenações, seja via ONU ou mesmo via TPI pouco fazem de diferença está no fato de Israel ser constantemente condenado na Assembléia Geral e nada mudar, é o ditador do Sudão ser condenado pelo TPI e não se importar e nada acontecer com ele mesmo em visitas à países que são signatárias do TPI (Chade, por exemplo, onde esteve no mês passado). A Coréia do Norte jamais se importou com qualquer condenação contra si.

A posição do Brasil acaba por, efetivamente, denunciar o uso político das Nações Unidas na condenação de diversos Estados e regimes que, no fim, servem apenas para agradar aos interesses de um ou outro Estado e não tem o objetivo final de causar uma mudança efetiva nos alvos.
Ineficácia. "Hoje, o Conselho de Direitos Humanos da ONU vai diretamente para um contencioso", diz a carta brasileira. Quando há uma crise ou violação generalizada de direitos humanos, os países podem propor uma reunião de emergência e a aprovação de uma resolução pedindo o fim da violência e condenando um governo pelas violações. O Brasil acredita que essa prática não é eficaz. "Elas servem aos interesses daqueles que estão fechados ao diálogo, já que lhes dá uma espécie de argumento de que há seletividade e politização", afirma o Brasil.
Por outro lado, a atitude do Brasil, individualmente, de se recusar a condenar atrocidades nos deixa em uma posição delicada, pois nem sempre existe uma real vontade de dialogar - ou mesmo de haver diálogo.

Não resta dúvida de que os objetivos de tal proposta são políticos. Visam interesses à longo prazo. Que ninguém se engane acreditando que qualquer país tenha a todo tempo reais intenções de resolver conflitos, muitos lhes servem como armas, como barganha. Existe um forte interesse por parte de diversos países de manter seus vizinhos afundados em conflitos ou sob ditaduras sanguinárias. Ninguém sabe tão bem disto quanto os EUA, responsável direto por boa parte das ditaduras e conflitos sangrentos da segunda metade do séc XX e começo do XXI.

Se uma resolução contra uma ditadura pouco afeta este país em particular, afeta os regimes "democráticos" que mantém ou querem manter relações com o condenado. Tomando o Brasil como exemplo,o governo buscou a amizade de ditaduras como as do Gabão e da Guiné Equatorial, seria um peso que condenações pairassem sobre tais países, iria dificultar os acordos. Melhor evitar que se condene e melhor que se busquem outras alternativas - por mais que tudo não passe de jogo de cena.

Mas a proposta brasileira, indo além dos interesses, demonstra lucidez. Por mais que as razões possam não ser exatamente justas, acaba sendo uma denúncia da ineficácia da condenação política por parte da ONU e de seus órgãos subordinados e, acima de tudo, uma demonstração do uso político de tais instrumentos.

Se houvesse realmente a vontade de condenar toda e qualquer ditadura ou regime autoritário uma boa parte dos melhores amigos do Império estariam automaticamente condenados. A toda poderosa China, mesmo membro-permanente do Conselho de Segurança, deveria ser um dos primeiro países condenados.
Uma alternativa apresentada pela diplomacia brasileira é a realização de reuniões técnicas, sem a aprovação ou a proposição de resoluções. O encontro ocorreria na ONU, entre as agências internacionais e o governo em questão. Outra proposta é promover viagens de delegações de governos ao local da crise, algo que já ocorre em outros órgãos da ONU. No entanto, governos europeus querem saber se essas viagens substituiriam a presença de relatores independentes. O temor é que uma delegação formada apenas por governos acabe, mais uma vez, poupando o país envolvido na crise de críticas mais duras. A delegação, segundo a proposta brasileira, teria de ser formada por representantes de várias regiões.
Como se vê, a questão é polêmica e carregada de paixões. Melhor seria o casamento entre o modelo atual e o novo proposto pelo Brasil, mas isto em uma perspectiva distante da atual. Condenações são necessárias, mas o alcance é limitado, e a negociação obedece à interesses diversos. Em se tratando de política internacional, qualquer modelo é deficitário e mesmo a união de ambos acarretaria em distorções gigantescas.

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Comentários
3 Comentários

3 comentários:

Caio Cezar disse...

Gostei da análise: bastante precisa.
Ganhou mais um leitor Raphael!

Cesar Mário disse...

A política externa brasileira só é corajosa frente à "poderosa" Honduras. De resto flerta com ditaduras e governos genocidas.
Este governo envergonha os brasileiros e é motivo de escárnio no exterior, ao contrário do que é divulgado por estas bandas.
Que vergonha!

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Caio: Valeu!=)

Cesar: Meu caro, Honduras é um país pequeno, mas de significância simbólica. O golpe teve total apoio dos EUA - como TODOS os demais na AL - e veio na esteira do golpe contra Chávez em 2002 e na crise das bases da Colômbia. Um golpe em meio ao fortalecimento da aliança continental da AL em torno da ALBA e da UNASUL era um perigo à segurança regional.

De resto, é amigo dos MESMOS países que os EUA, como a Arábia Saudita. A diferença é que não cai ness epapo tosco de "Eixo do Mal" e se colocou como um player internacional ao se posicionar a favor do Irã, uma atitude certeira, visando evitar uma catástrofe na região.

E, quanto ao escárnio... de quem? Lula é considerado "O Cara" pelo Obama, é elogiado por todos os jornais e revistas especializados, é respeitado no mundo inteiro... Por favor, me passe alguma fonte onde Lula, na Europa, EUA e etc, é ridicularizado por sua política.

E, envergonha os brasileiros? Seus quase 80% de aprovação demonstram que você vive em outro planeta.

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