segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Cabinda e Angola: Compreendendo as FLEC

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Analisando o caso dos jogadores Togoleses vítimas de tiros e de uma tentativa de massacre na região de Cabinda - pertencente à Angola - por guerrilheiros das FLEC a resposta da mídia e da blogosfera é uníssona: Injustificável.

Bem, por mais que eu concorde, não deixo de tentar entender o outro lado.
Cabinda é uma esquisitice geográfica própria da África. Um pontinho de terra pouco maior do que o nosso Distrito Federal, separado fisicamente de Angola. Fica encravado, na verdade, entre dois países chamados Congo. A própria Cabinda já foi chamada de Congo português, e foi uma colônia separada de Portugal. Em 1975, quando os angolanos se declararam independentes, a pequena região foi anexada ao novo país. Nenhuma consulta foi feita a seus habitantes, muitos dos quais consideram que passaram sem escalas de um colonialismo para outro. Daí o ressentimento.
As FLEC lutam desde os anos 70 pela independência de Cabinda do Estado de Angola. Lutaram contra os Portugueses com a mesma ferocidade e como resultado apenas foram engolfados por outro Estado, que também consideram colonizador. Some a isto 30 anos de luta, de massacres, de repressão - cerca de 1/3 dos Cabindenses vivem no exílio - e você terá por resultado um ódio à flor da pele e uma resposta armada violenta.

Não nos esqueçamos que a questão não é meramente territorial e de orgulho - o que por si só é razão para guerras inúmeras -, mas também pelo fato de Cabinda ser responsável por até 80% do petróleo Angolano.

Vale também lembrar que, diferentemente do resto de Angola e até mesmo da maior parte da África, Cabinda possui uma notável homogeneidade étnico-linguística, o que não só facilita a unidade regional como também dá subsídios e legitimidade à luta emancipatória.

O caso de Cabinda, em termos de repressão e resposta tem paralelos com o Curdistão, com o País Basco, com o Sri Lanka e o povo Tâmil.... Obviamente que uma coisa é a luta entre um grupo guerrilheiro - legítimo - e um exército repressor e invasor, e outra muito diferente é o ataque contra um time de futebol estrangeiro que nada tem a ver com o conflito - nunca soube sequer do Togo, enquanto nação, ter se envolvido de qualquer maneira do conflito, o que pelo menos abriria uma maior brecha ao entendimento da ação.
"Dois meses antes, escrevemos a Issa Hayatou [ presidente da CAF] para avisá-lo que estávamos em guerra. Ele não quis levar nossas advertências a sério", acusou.
"Os ataques vão continuar, porque o país está em guerra e porque Hayatou é teimoso e decidiu manter os jogos em Cabinda", afirmou. "As armas vão continuar falando".
Mas, sejamos francos, é possível analisar que, no entendimento dos guerrilheiros, Angola não tinha o direito de convidar qualquer seleção para jogar em território disputado, não tinha o direito ou a legitimidade de impor uma Copa da África - mesmo que alguns poucos jogos - ao território que pertence à guerrilha e não à Angola e o fato de uma seleção estrangeira - no caso a do Togo - ter aceitado jogar referendando a reivindicação de Angola pelo território em detrimento dos Cabindenses, os tornava alvos legítimos ou, pelo menos, baixas aceitáveis.
FOLHA - Por que a seleção de futebol do Togo foi atacada pelas Flec?
RODRIGUES MINGAS -
O nosso território está em guerra. Dois meses antes desse torneio mandamos carta ao presidente da Confederação Africana de Futebol para informá-lo disso. Deixamos claro a ele que Cabinda não é parte de Angola.
FOLHA - Sim, mas o que Togo tem a ver com essa questão?
MINGAS -
O ataque não foi contra a equipe do Togo. Nós não temos nada contra eles. Nós estamos em guerra contra Angola, que ocupa ilegalmente nosso território. Ordenamos atacar as forças angolanas, e a equipe do Togo, por azar, foi atingida por nossa tropa.
FOLHA - Vocês sabiam que a seleção do Togo estava passando no local naquele momento?
MINGAS -
Não. Atrás dos primeiros carros com as tropas angolanas havia outros com mais tropas. No meio, estava o ônibus da equipe do Togo. É uma coisa que lamentamos.
Esta é uma linha de pensamento que, mesmo se a correta, não legitima o ataque à civis desarmados e inocentes.

A idéia também aventada de que o alvo eram os soldados das forças de segurança de Angola protegendo o ônibus também não soam bem. Vários minutos de incessante tiroteio diretamente contra o ônibus da delegação - dificilmente os guerrilheiros eram ignorantes sobre quem era transportado - são ato injustificável e que denunciam a tentativa de realizar um show, de aparecer na mídia.
"Alega-se ataque à escolta militar da delegação, não à comitiva do Togo", ressalta o jornalista da Agência Lusa. Para ficar mais claro: rebeldes consideram a região zona de guerra. O governo de Angola, apesar disso, a insere como uma das sedes do torneio, o que de certa forma reforça a ideia de que Cabinda pertence à ex-colônia portuguesa.

Assim, ignora os riscos que isso poderia levar às delegações, como ocorreu com Emmanuel Adebayor, Assimiou Touré, Moustapha Salifou e seus companheiros, acuados num ônibus durante quase meia hora de tiroteio. Morreu o motorista e dois atletas foram feridos.
Na verdade, é exatamente este tipo de ataque inconsequente que acaba por destruir as simpatias que existem entre o povo - e mesmo estrangeiros - por uma luta legítima e por um grupo legítimo. É um desserviço tolo e burro à luta.

Tiro no pé puro e simples.

Mas uma certeza fica, se forem fiéis às suas palavras, os guerrilheiros irão continuar os ataques, o que, a esta altura, faz sentido. Angola insiste em usar o território de Cabinda - em disputa, perigoso - como sede de uma copa da África. O mínimo que se espera é que os donos que se declaram legítimos se recusem a aceitar esta imposição.

PS. Vale lembrar que, quando falo em FLEC na questão dos ataques, me refiro ao racha da FLEC original, a FLEC/PM (Posição Militar), grupo remanescente da luta armada que se recusou a assinar o tratado de paz com Angola e acusam a FLEC majoritária de traição.
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Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Anônimo disse...

Tiro no pé? Mas tiro no pé não mata e a seleção togolesa voltou com mortos e feridos após o ataque terrorista em Cabinda.

O autor diz que o ataque é injustificável apenas para advogar em favor dos terroristas, construindo a absurda tese de que os perpretadores do ataque pertencem a uma dissidência da FLEC original enquanto membros da FLEC no exílio pertencem a outra denominação (esta pacífica).

Não há nada legítimo em pegar em armas, pois a FLEC é uma organização terrorista. Ainda que desconhecida antes do ataque aos togoleses. Precisaram de apenas um pouco de sangue inocente para adquirir alguma notoriedade.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Anônimo: Seguindo seu raciocínio, qualquer um que pegue em armas por sua libertação é terrorista, não? Este tipo de pensamento estreito e burro é típico hoje em dia, especialmente com a propaganda dos EUA de que tudo é terrorismo. Quer dizer então que os guerrilheiros da Argélia que lutavam pela independência da França eram terroristas, como dizia a França? Que tal ir dizer isso para o atual governo de lá? Todos membros do tal grupo guerrilheiro!

Fico só neste exemplo, mas posso te dar dezenas de outros tão válidos quanto.

Cuidado com o que a mídia diz.

E quanto às FLEC, é necessário separar as FLEC das FLEC/PM, sendo o segundo grupo o responsável pelos ataques e pela continuidade da luta. Não é estilismo, pra ficar bonitinho ou legitimar nada, é apenas a realidade.

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