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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Da Primavera Bérbere ao Outono Islâmico

O que começou como um movimento de libertação nacional da minoria Bérbere no norte do Mali e a posterior formação do Estado de Azawad acabou como uma queda de braços entre a França, com aval da ONU e do governo malinês, e grupos islâmicos radicais, como o Ansar Dine e o Movimento pela Unidade e pela Jihad, da África Ocidental (Mujao), e a Al Qaeda do Magreb, todos ligados à Al Qaeda.
Por detrás da queda de braço, interesses étnicos, religiosos e financeiros.

De um lado tribos bérberes organizadas no MNLA (Movimento Nacional de Libertação do Azawad) e seus ex-aliados pontuais ligados à Al Qaeda, e do outro os interesses comerciais franceses e internacionais em uma região rica em minerais como urânio disfarçados por preocupação humanitária.
Os Bérberes encontram-se espalhados por diversos países do norte da África, sendo os Curdos daquele continente, ou seja, uma população de tamanho considerável, sem Estado, e espalhada por diversos outros Estados onde, em muitos casos, é tratada como inferior, tem sua língua proibida ou sua veiculação dificultada.

No Mali, os Tuaregues, ramo local do povo Bérbere, já ensaiaram dezenas de revoltas contra o governo central malinês com maior ou menor sucesso e buscam a formação de um Estado que abarque todos os Tuaregues em países vizinhos. Parece que não foi desta vez.

Fortalecidos por armamento vindo da Líbia e com soldados treinados por Khaddafi, o MNLA pôde pela primeira vez realmente impor perigo real ao governo malinês.

Após um golpe de Estado no Mali, em 21 de março de 2012, cerca de 3 mil rebeldes do MNLA tomaram de assalto as três grandes cidades de Kidal, Gao e Timbuktu – capitais regionais do norte do Mali – em meio à completa fragilidade do governo central e declararam sua independência.

O Mali vinha passando há meses por um processo de deterioração de suas instituições, seguido por um golpe de Estado e pela imposição de um governo de transição que buscava agregar diferentes posições políticas e foi surpreendido por mais uma revolta Bérbere, desta vez bem sucedida - ao menos temporariamente.

A vizinha Argélia também enfrenta dificuldades no combate tanto aos Tuaregues quanto à minoria Cabile, também de origem bérbere, na região do Mediterrâneo. Desde 1980 e da chamada Primavera Bérbere (que tomou nova força a partir de 2011 junto à Primavera Árabe na vizinha Tunísia) e da Primavera Negra de 2001 (quando perto de uma centena de Béberes Cabiles foram assassinados e milhares ficaram feridos ou mutilados em ações violentas do governo argelino contra manifestações por autonomia em um cenário de revoltas populares locais) lutam por maior reconhecimento de sua língua e cultura no país usando métodos pacíficos de manifestação, que muitas vezes são reprimidas com violência.

Já em abril de 2012 o MNLA e demais grupos islâmicos "aliados" controlavam virtualmente todo o norte do Mali, porém tensões entre estes grupos acabaram por decretar a derrota do MNLA e a perda das principais cidades conquistadas.

Para tanto, o MNLA contou com o apoio de grupos islâmicos radicais, mais interessados na formação de um califado fundamentalista do que em uma pátria para os Bérberes que, em geral, tendem para o laicismo ou para um islamismo moderado.

Financiados muito provavelmente pela Arábia Saudita e por poderosos do Golfo Pérsico, os grupos islâmicos ligados à Al Qaeda buscam se apoderar de uma região que tradicionalmente professou e professa um islamismo moderado, de escola jurídica Malikita e onde o Sufismo, vertente mística e não-radical, impera.

Monumentos Sufis e tumbas de importantes líderes da corrente foram destruídos pelos radicais.
Contra diversos prognósticos, o MNLA foi derrotado por seus aliados pontuais e o sonho de um Azawad livre se tornou mais difícil, mas não o sonho dos islamitas radicais de controlar a região e buscar, por fim, o controle de todo o Mali e de usar este território como base para ataques aos países vizinhos.

Ainda é difícil compreender completamente o que levou o MNLA à derrota em tão pouco tempo, especialmente quando consideramos sua maioria numérica e mesmo superioridade em termos de equipamentos bélicos, mas o fato é que foram virtualmente neutralizados e expulsos das principais cidades conquistadas.

É possível apontar, ao menos em algumas cidades, para a fragilidade do controle do MNLA que não apenas tinha de manter controlados os islâmicos radicais como combater outros grupos locais ligados à etnias minoritárias ou mesmo majoritárias localmente.

Conflitos ainda acontecem em cidades do norte, onde se enfrentam grupos islamitas que agora se opõem a um Estado Bérbere (preferindo a conquista de todo o Mali e a fundação de um Estado islâmico onde impere a Sharia) e o MNLA enfraquecido. O MNLA ainda tem de enfrentar a resistência da população em cidades como Gao, onde a maioria da população pertence a minorias africanas, como Fulas e Songais, que contam com sua própria milícia, e Ganda Iso.

De uma Primavera Bérbere, aos moldes da Primavera Árabe que varreu o Oriente Médio e o norte da África em 2012 e aos moldes dos movimentos autonomistas Cabiles, a situação passou a ser um Inverno Islâmico e um pesadelo real para a França, antiga metrópole que conta com a presença de 2.500 soldados no país e parece ser a única esperança do governo central malinês e de sua população na resistência ao fundamentalismo - mas cujo apoio não virá de graça em uma região rica em minérios.
Esta esperança, porém, sepulta os sonhos da população Bérbere do norte.

O fato é que a ONU busca intervir na região e conta com o apoio do exército francês e do apoio logístico do Reino Unido e da Alemanha. O Conselho de Segurança das Nações Unidas já deu sua permissão para uma ação francesa na região, apesar da discordância pontual dos EUA, que preferia uma ação comandada pela CEDEAO/ECOWAS (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), possivelmente para poder depois negociar melhores contratos de exploração dos minérios locais sem ter de passar pela França.

É preciso ainda recordar que originalmente o MNLA encontrou forças e armamento para derrotar o exército malinês no norte do país devido à intervenção dos EUA na Líbia, que conta também com significativa minoria Bérbere (Tuaregues e outros) que integrava, dentre outras, as forças de elite do exército de Khaddafi.

A situação, ao menos do ponto de vista diplomático, parece mais simples do que a situação, por exemplo, da Líbia e da Síria, onde existia resistência a uma intervenção, no caso da Líbia, e onde ainda existe muita confusão sobre os diversos grupos que se degladiam, no caso da Síria, e cujo governo ainda conta com apoio da Rússia e da China, tornando uma decisão na ONU difícil.

No caso do Mali, nem os islâmicos radicais ligados à Al Qaeda nem os rebeldes Bérberes contam com apoio internacional, ao menos não declarado - ainda que seja provável o apoio de radicais e milionários sauditas aos guerrilheiros islâmicos. Uma intervenção militar estrangeira torna-se portanto, factível, apesar do pouco interesse que o governo francês ou qualquer outro possa ter em ir para a linha de frente em uma batalha que pode custar vidas e trazer perdas políticas em casa.

Apenas os minérios e a possibilidade de contratos vantajosos - a região do norte do Mali, Azawad, é rica em minérios - justificam uma intervenção, assim como, em menor parte, o temor do fortalecimento de guerrilhas islâmicas na região do Magreb, que poderia causar impactos em todo o norte da África
O líder do Mujao, Abou Dardar, chegou a ameaçar atacar "o coração da França" caso o país mantenha sua cooperação militar com o Mali no combate às milícias islâmicas. Em Paris, o nível de alerta terrorista foi elevado e a segurança de pontos turísticos e de interesse reforçada.

Por outro lado, lideranças no MNLA ofereceram-se para ajudar a França a derrotar os islâmicos, mas não se sabe qual é o preço de sua ajuda e, tampouco, se estão dispostos a abrir mão de sua independência efêmera (que durou apenas de abril a junho de 2012) para receber ajuda externa no combate aos islâmicos. De fato, é complicado saber se o MNLA receberá ou oferecerá ajuda nesta questão, tudo depende de complicados arranjos políticos.

Enquanto a situação do Mali piora, militantes islâmicos impõem a Sharia pelo norte do país e já há casos reportados de penas de amputação aplicadas a criminosos e penas a quem insiste em ouvir música ou mesmo a quem utiliza toques de celular considerados "não islâmicos".

Na vizinha Argélia, centenas de estrangeiros foram feitos reféns por um grupo islâmico solidário aos radicais islâmicos malineses, possivelmente o braço da Al Qaeda no país, e vários foram mortos após a intervenção do exército do país. Outros ataques de milícias islâmicas solidárias não podem ser descartados.

Quando da tomada de poder por parte dos Bérberes do MNLA e a fundação do Estado de Azawad, o temor era do espalhamento do conflito com a adesão de grupos Bérberes de países vizinhos.
Hoje, o temor não é mais o de uma nova Primavera Bérbere, mas de um levante islâmico na região do Magreb que coloque a segurança internacional em risco.

Publicado originalmente no Brasil de Fato.
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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Cordão da Mentira: Não esqueceremos os crimes da Ditadura

"Ao contrário dos outros países latino-americanos, no Brasil não houve justiça de transição. Os responsáveis por crimes como tortura e desaparecimento de corpos, chamados de lesa-humanidade, não foram julgados. O Estado brasileiro não investigou os crimes cometidos pela ditadura, mesmo tendo sido condenado internacionalmente pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Isso demonstra que os interesses que levaram os militares ao poder continuam fortes e operantes no cenário político. Não satisfeitos, os militares ainda resolveram satirizar e fazer pouco caso da sociedade brasileira, em mais uma confraternização de celebração. Peguntamos a eles: o que devemos celebrar?". (Trecho do manifesto do "Cordão da Mentira", retirado do Blog do Chico).
Mais de 300 pessoas no auge da manifestação - e possivelmente mais de 500 ao longo de toda a marcha - caminharam desde o Cemitério da Consolação, local onde descansa o corpo da múmia Plínio Corrêa, fundador da TPF, passando pela Maria Antônia, local onde se deu a famosa Batalha da Maria Antônia, onde um estudante da USP foi assassinado pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas),  pela sede (oratório) da TFP em Higienópolis, pelo Minhocão, Folha de São Paulo, Cracolândia e, finalmente, terminando no DOPS, na região da Luz.

Pude ficar apenas até chegarmos ao Minhocão por motivos de saúde - problema muscular na perna, doía pacas caminhar -, mas nas 5 horas em que participei do protesto pude fotografar e gravar diversas demonstrações de emoção e repúdio pela pseudo-democracia em que vivemos, onde militares torturadores e assassinos continuam na mais completa impunidade, com referendo e apoio do atual governo, que se diz de esquerda, mas que se recus a obedecer ordem da CIDH/OEA e rever a Lei da Anistia, decidida pelos militares para se auto-anistiar.

Cantamos durante todo o percurso sambas compostos por ativistas denunciando nossa situação e os crimes não só do passado, mas do presente, como os Crimes de Maio, relembrados pelas queridas Mães de Maio que nos acompanharam por todo o percurso, denunciando que a Ditadura, ou ao menos a repressão contra a população, não acabou e nem acabará tão cedo. Não sem que antes haja uma abertura total dos arquivos, uma reparação completa, a punição exemplar dos criminosos de ontem e, então a punição dos torturadores de hoje.

Como descreveu o Pádua Fernandes:
A multidão desceu a Rua da Consolação, entrou na Maria Antônia, onde foi feita uma homenagem ao estudante José Guimarães, morto pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas) em 1968; desceu até a imagem da Nossa Senhora que a TFP preserva na Rua Martim Francisco. Em seguida, na Rua Fortunato, outra homenagem, ao militante da ALN Marco Antonio Braz (vê-se, na foto, o ativista e ex-preso político Alípio Freire com flores para o homenageado).
Depois de parar na frente de um jornal paulista, com direito a um esquete que incluía a leitura de um curioso editorial que já comentei no blogue (no primeiro post sobre a Comissão da Inverdade), a multidão seguiu e chegou ao prédio do antigo DOPS, hoje Estação Pinacoteca (que abriga o Memorial da Resistência), quase às dezoito horas.
Foi um protesto alegre, com muita música, permeado por homenagens à vítimas de ontem e de hoje, sarau de poesia na concentração (ótimas apresentações do pessoal dos diversos saraus da periferia da cidade e da Grande São Paulo), discursos acalorados, apresentações teatrais e uma longa caminhada pelo centro de São Paulo.

Estão - estamos - todos de parabéns e que o primeiro de abril seja sempre lembrado desta forma, com total repúdio ao GOLPE, mas com muita força de vontade e persistência na denúncia dos crimes cometidos pelo Estado.

Exigimos justiça, verdade, abertura dos arquivos e a punição dos criminosos.

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Foi um prazer enorme encontrar com velhos amigos e conhecidos militantes como Alípio Freire, Lúcio Flavio de Almeida, Lino Bocchini, Débora (Mães de Maio), Danilo Dara, Lúcia Rodrigues, Criméia Almeida, Marcelo Zelic, Júnior (Levante Popular), Pádua Fernandes, Fabio Weintraub, Carlos Carlos e tantos outro(a)s!
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domingo, 12 de dezembro de 2010

Vídeos da 3ª Conferência Municipal de Direitos Humanos de SP

Na sexta-feira, dia 10 de dezembro, aconteceu a 3ª Conferência Municipal de Direitos Humanos de SP, coordenada pelo vereador Ítalo Cardoso (PT). Acompanhei a sessão da tarde, com a presença dos ex-presos políticos Ivan Seixas (do Mov. Revolucionário Tiradentes) e Maria Amélia de Almeida Teles (do PCdoB), dois heróis brasileiros presos e torturados enquanto lutavam contra a Ditadura Brasileira.

Peço especial atenção para os dois vídeos com a fala do Iaan, são de grande importância para os militantes de ontem e de hoje. Ele faz um link com as lutas do passado e com a necessidade de se manter vivo este passado - através da punição dos torturadores, da abertura dos arquivos e do reconhecimento dos corpos dos desaparecidos - e, mais importante, com a situação atual de exclusão social, de violência contra os menos favorecidos.

A situação de exploração e exclusão não mudou da Ditadura para cá, apenas mudaram as cores.

Amélia:

3ª Conferência Municipal de Direitos Humanos de SP - Amélia Teles from Raphael Tsavkko on Vimeo
Ivan [Parte1]:

3ª Conferência Municipal de Direitos Humanos de SP - Ivan Seixas [Parte 1] from Raphael Tsavkko on Vimeo.
Ivan [Parte2]:

3ª Conferência Municipal de Direitos Humanos de SP - Ivan Seixas [Parte 2] from Raphael Tsavkko on Vimeo.

Comentários da Platéia e da mesa:

3ª Conferência Municipal de Direitos Humanos de SP - Platéia from Raphael Tsavkko on Vimeo.
Vale também rever o vídeo do Ivan na USP, falando sobre seu tempo de Guerrilha.

Ivan Seixas na USP from Raphael Tsavkko on Vimeo.
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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Cabinda e Angola: Compreendendo as FLEC

Analisando o caso dos jogadores Togoleses vítimas de tiros e de uma tentativa de massacre na região de Cabinda - pertencente à Angola - por guerrilheiros das FLEC a resposta da mídia e da blogosfera é uníssona: Injustificável.

Bem, por mais que eu concorde, não deixo de tentar entender o outro lado.
Cabinda é uma esquisitice geográfica própria da África. Um pontinho de terra pouco maior do que o nosso Distrito Federal, separado fisicamente de Angola. Fica encravado, na verdade, entre dois países chamados Congo. A própria Cabinda já foi chamada de Congo português, e foi uma colônia separada de Portugal. Em 1975, quando os angolanos se declararam independentes, a pequena região foi anexada ao novo país. Nenhuma consulta foi feita a seus habitantes, muitos dos quais consideram que passaram sem escalas de um colonialismo para outro. Daí o ressentimento.
As FLEC lutam desde os anos 70 pela independência de Cabinda do Estado de Angola. Lutaram contra os Portugueses com a mesma ferocidade e como resultado apenas foram engolfados por outro Estado, que também consideram colonizador. Some a isto 30 anos de luta, de massacres, de repressão - cerca de 1/3 dos Cabindenses vivem no exílio - e você terá por resultado um ódio à flor da pele e uma resposta armada violenta.

Não nos esqueçamos que a questão não é meramente territorial e de orgulho - o que por si só é razão para guerras inúmeras -, mas também pelo fato de Cabinda ser responsável por até 80% do petróleo Angolano.

Vale também lembrar que, diferentemente do resto de Angola e até mesmo da maior parte da África, Cabinda possui uma notável homogeneidade étnico-linguística, o que não só facilita a unidade regional como também dá subsídios e legitimidade à luta emancipatória.

O caso de Cabinda, em termos de repressão e resposta tem paralelos com o Curdistão, com o País Basco, com o Sri Lanka e o povo Tâmil.... Obviamente que uma coisa é a luta entre um grupo guerrilheiro - legítimo - e um exército repressor e invasor, e outra muito diferente é o ataque contra um time de futebol estrangeiro que nada tem a ver com o conflito - nunca soube sequer do Togo, enquanto nação, ter se envolvido de qualquer maneira do conflito, o que pelo menos abriria uma maior brecha ao entendimento da ação.
"Dois meses antes, escrevemos a Issa Hayatou [ presidente da CAF] para avisá-lo que estávamos em guerra. Ele não quis levar nossas advertências a sério", acusou.
"Os ataques vão continuar, porque o país está em guerra e porque Hayatou é teimoso e decidiu manter os jogos em Cabinda", afirmou. "As armas vão continuar falando".
Mas, sejamos francos, é possível analisar que, no entendimento dos guerrilheiros, Angola não tinha o direito de convidar qualquer seleção para jogar em território disputado, não tinha o direito ou a legitimidade de impor uma Copa da África - mesmo que alguns poucos jogos - ao território que pertence à guerrilha e não à Angola e o fato de uma seleção estrangeira - no caso a do Togo - ter aceitado jogar referendando a reivindicação de Angola pelo território em detrimento dos Cabindenses, os tornava alvos legítimos ou, pelo menos, baixas aceitáveis.
FOLHA - Por que a seleção de futebol do Togo foi atacada pelas Flec?
RODRIGUES MINGAS -
O nosso território está em guerra. Dois meses antes desse torneio mandamos carta ao presidente da Confederação Africana de Futebol para informá-lo disso. Deixamos claro a ele que Cabinda não é parte de Angola.
FOLHA - Sim, mas o que Togo tem a ver com essa questão?
MINGAS -
O ataque não foi contra a equipe do Togo. Nós não temos nada contra eles. Nós estamos em guerra contra Angola, que ocupa ilegalmente nosso território. Ordenamos atacar as forças angolanas, e a equipe do Togo, por azar, foi atingida por nossa tropa.
FOLHA - Vocês sabiam que a seleção do Togo estava passando no local naquele momento?
MINGAS -
Não. Atrás dos primeiros carros com as tropas angolanas havia outros com mais tropas. No meio, estava o ônibus da equipe do Togo. É uma coisa que lamentamos.
Esta é uma linha de pensamento que, mesmo se a correta, não legitima o ataque à civis desarmados e inocentes.

A idéia também aventada de que o alvo eram os soldados das forças de segurança de Angola protegendo o ônibus também não soam bem. Vários minutos de incessante tiroteio diretamente contra o ônibus da delegação - dificilmente os guerrilheiros eram ignorantes sobre quem era transportado - são ato injustificável e que denunciam a tentativa de realizar um show, de aparecer na mídia.
"Alega-se ataque à escolta militar da delegação, não à comitiva do Togo", ressalta o jornalista da Agência Lusa. Para ficar mais claro: rebeldes consideram a região zona de guerra. O governo de Angola, apesar disso, a insere como uma das sedes do torneio, o que de certa forma reforça a ideia de que Cabinda pertence à ex-colônia portuguesa.

Assim, ignora os riscos que isso poderia levar às delegações, como ocorreu com Emmanuel Adebayor, Assimiou Touré, Moustapha Salifou e seus companheiros, acuados num ônibus durante quase meia hora de tiroteio. Morreu o motorista e dois atletas foram feridos.
Na verdade, é exatamente este tipo de ataque inconsequente que acaba por destruir as simpatias que existem entre o povo - e mesmo estrangeiros - por uma luta legítima e por um grupo legítimo. É um desserviço tolo e burro à luta.

Tiro no pé puro e simples.

Mas uma certeza fica, se forem fiéis às suas palavras, os guerrilheiros irão continuar os ataques, o que, a esta altura, faz sentido. Angola insiste em usar o território de Cabinda - em disputa, perigoso - como sede de uma copa da África. O mínimo que se espera é que os donos que se declaram legítimos se recusem a aceitar esta imposição.

PS. Vale lembrar que, quando falo em FLEC na questão dos ataques, me refiro ao racha da FLEC original, a FLEC/PM (Posição Militar), grupo remanescente da luta armada que se recusou a assinar o tratado de paz com Angola e acusam a FLEC majoritária de traição.
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domingo, 2 de agosto de 2009

O Mito da Estabilidade do Cáucaso Norte (Trezentos)

Post originalmente publicado no blog colaborativo Trezentos no dia 29 de julho.

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Esta é minha primeira postagem no Trezentos e este artigo busca ser um complemento ao post de ontem sobre a situação específica da Ingushétia e Chechênia que pode ser encontrado em meu blog neste link.

O post conta também com acréscimos de outro artigo sobre a Rússia de minha autoria, mais especificamente sobre a Máfia que tomou conta da Rússia e que vem sistematicamente assassinando ativistas de direitos humanos.

O título deste post é o mesmo da análise de Txente Rekondo, do Gabinete Basco de Análise Internacional (GAIN) que usei como base para escrever este artigo.

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Cáucaso Norte

Nesta região de extrema diversidade étnica convivem as repúblicas da Chechênia, Ingushétia, Daguestão, Karatchaievo-Tcherkássia e Kabardino-Balkária, todas de maioria islâmica, além da Ossétia do Norte, de maioria Cristã. A região é historicamente conflituosa, Ossetas e Ingushes já entraram em guerra por questões de fronteira, os chechenos já protagonizarma duas guerras sangrentas com os russos, o Daguestão vive em constante conflito étnico mas, nos últimos anos, um novo fator de tensão vem surgindo na região.

Ao longo da história a resistência à ocupação russa se deu estritamente em bases étnico-linguísticas e na história diferenciada e independente desses povos em relação à Rússia mas, nos últimos anos, e em especial depois do 11 de setembro e da derrota chechena nas duas guerras, o terrorismo de viés islâmico, Salafita, vem crescendo de forma assustadora.

Em meio à resistência e guerrilhas chechenas é possível encontrar um enorme contingente de muçulmanos de países do golfo engajados na luta pela criação não mais da República Chechena de Ichkeria, islâmica mas moderada, mas no Califado do Cáucaso.

Ao mesmo tempo em que cresce a repressão contra os ativistas de direitos humanos da região, crescem também os ataques à "autoridades" Russas ou cooptadas pela Rússia na região. O caso mais notável foi o ataque à bomba que quase tirou a vida do presidente da Ingushétia, Yunus-Bek Yevkurov, mas os ataques e assassinatos continuam e são cada vez mais audaciosos.

Até mesmo regiões relativamente calmas - se comparadas à Chechênia, Daguestão e Ingushétia - como a Kabardino-Balkária e Karatchaievo-Therkássia começam a assistir episódios de violência sectária.

Ramzan Kadyrov

Desde que assumiu a presidência da República Chechena, Ramzan Kadyrov vem patrocinando uma escalada de violência sem precedentes na região. Inegavelmente este homem é um dos maiores responsáveis pelo completo descontrole na região. Ramzan Kadyrov, filho de Akhmad Kadyrov, é um ex-rebelde que traiu a causa nacionalista e assumiu a presidência após o assassinato de seu pai, na época o presidente da Chachênia, nomeado por Putin.

Akhmat Kadyrov, pai de Ramzan Kadyrov foi o Mufti da República Chechena de Ichkeria, durante os anos noventa e durante e depois da Primeira Guerra Chechena. Já na época da Segunda Guerra Chechena, Kadyrov pai resolveu mudar de lado e apoiar o governo russo contra seus conterrâneos chechenos até que, em 2003, foi empossado como presidente por Putin, em troca de seus favores - delação, tortura, perseguição e mortes.

Kadyrov filho não é muito diferente de seu pai, também é conhecido por sua brutalidade e violência extrema no trato com rebeldes, pseudo-rebeldes e qualquer um que o afronte ou o desagrade, sendo responsável por perseguições, torturas e assassinatos diversos, como os das ativistas Natalya Esterminova, Anna Politkovskaya e do advogado Stanislav Markelov.

Um dos episódios mais marcantes da trajetória de Kadyrov na presidência Chechena - além do personalismo e brutalidade - foi a encomenda d o assassinato de seu ex-guarda-costas, Umar Israilov, que vivia no exílio na Áustria e se dedicava a denunciar seu ex-chefe. Agentes chechenos foram enviados para matá-lo, nada além de uma simples queima de arquivo.

Para mais informações sobre a situação dos direitos humanos e do assassinato de ativistas, vale uma olhada neste link.

Obviamente esta onda de violência e este crescimento do radicalismo islâmico na região não vem de graça, as razões são duas principalmente:

Em primeiro lugar, as sucessivas derrotas (senão a não complitude de seus objetivos e de suas reformas) das guerrilhas e da resistência local ao longo dos anos 90, mas não só, também o fracasso generalizado dos grupos de orientação marxista ou similar por todo o oriente médio e proximidades (notadamente na luta Palestina, como Fatah, FPLP, FDLP, etc), além do fracasso dos regimes "pan-arabistas" ao longo dos anos 60, 70 e 80 que culminaram com o surgimento e crescimento de grupos de caráter islâmico militante, como Hizbollah, Hamas e o crescimento acelerado e proeminência da Irmandade Muçulmana até, enfim, Talibã e Al Qaeda.

Ou seja, a idéia de guerriha com viés de esquerda, majoritariamente laica, não funcionou, ou ao menos esta é a visão corrente e propagada. Junte à isso as derrotas na própria região dos movimentos nacionalistas, e temos um problema. Se a ideologia fracassou, como voltar a agregar, a unir esforços em prol da independência?

Em segundo lugar o artigo do GAIN dá a deixa:

"El desempleo, la corrupción, la brutalidad policial, aderezado todo ello con grandes dosis de impunidad, las importantes bolsas de refugiados y desplazados son algunos de los factores locales que aportan mayores dosis de desestabilizad a la situación. La sensación entre buena parte de la población de que el ejército y la policía tienen vía libre para cometer todo tipo de atropellos contra la disidencia, empuja a muchos jóvenes a sumarse a los movimientos guerrilleros."

Juntando estes dois elementos, a falência da ideologia dominante os anos 60 aos 80 e o aumento da repressão, em parte pela própria ineficiência dos movimentos nacionalistas, or parte da Rússia, no caso estudado, temos o campo perfeito para a disseminação de uma ideologia extremista que deturpa os ensinamentos islâmicos e o utiliza como arma de ódio para a criação não mais de uma república baseada no componente étnico local, mas na religião, nos mandamentos supostos de deus.

Cabe ainda uma terceira razão ou elemento, a possibilidade de internacionalizar a luta e angariar maior apóio, melhorar a logística e conseguir maior visibilidade. Com o surgimento da Al Qaeda e de grupos de caráter islâmico a solidariedade e alcance entre eles cresceu de forma assustadora; Se até o começo dos anos 90 mal se ouvia falar em "terrorismo islâmico" - ainda que por vezes o termo seja absolutamente mal empregado, usado como arma de propaganda - hoje em dia é basicamente tudo que se houve.

Para além do perigo real do fanatismo religioso - que não é exclusividade islâmica - existe uma enorme máquina de propaganda por trás, controlada notadamente por Israel e pelos EUA.

akhmed-zakayev

Akhmed Zakayev, Primeiro-Ministro da República da Chechênia Ichkeria

Da Rferl chega a notícia de que representantes no exílio da República da Chechênia Ichkeria estão tentando entrar em acordo com o líder linha dura dos islâmicos para frear a onda de violência na região. De um lado o Primeiro Ministro no exílio Akhmed Zakayev e do outro Doku Umarov, líder da resistência mais radical.

Isto demonstra, por A mais B, a situação da região, de enfraquecimento das estruturas laicas tradicionais por uma resistência armada islâmica e radical.

"Zakayev reported at length to the Berlin meeting on the content of his talks with Abdurakhmanov, specific details of which have not been disclosed. The Berlin meeting unanimously endorsed that dialogue as an opportunity to bring to an end the continuing killing of Chechens by fellow Chechens, specifically, members of the die-hard Islamic resistance headed by Doku Umarov and pro-Moscow Chechen Republic police.Expressing concern at the escalation of hostilities in recent months in Chechnya and elsewhere across the North Caucasus, the participants agreed unanimously to issue orders to the resistance units loyal to the ChRI to announce a moratorium on attacks on pro-Moscow Chechen police, and to resort to arms only in self-defense.

Since it is impossible to estimate how many of the resistance fighters currently active in Chechnya take their orders from Zakayev, rather than from Umarov, it is not clear what impact, if any, that decision will have on the ongoing fighting. Indeed, the proposed moratorium plays into Kadyrov's hands insofar as he could argue that any resistance forces that continue to target his men must be Umarov's "bandits," and that he is justified in eliminating them without mercy as he vowed to do two months ago. "

Ainda que sobre assunto completamente diverso, este trecho de uma antiga postagem minha ilustra bem como funciona a máquina de propaganda contra um suposto "terrorismo islâmico" que, por vezes, não corresponde nem ao começo da verdade:

"Acabei de encontrar o artigo que trata sobre o assunto dos três últimos parágrafos. O autor em questão é Robert Pape que analisou - através das biografias e de entrevistas com familiares dos suicidas -, entre 1982 e 1986, 38 dos 41 "terroristas" suicidas do Hizbollah.

Qualquer jornalista formado (desculpem a generalização) , diria que foram todos ataques cometidos por "militantes islâmicos" quando, na verdade, apenas 8 eram fundamentalistas islâmicos, 27 eram de grupos de Esquerda (logo, não poderiam ser encarados como militantes islâmicos) e 3 eram, vejam só, cristãos!"

Ou seja, muitas vezes o que se trata por "terrorismo islâmico" é uma deturpação completa da verdade.

Mas, voltando ao Cáucaso, é fato notar o crescimento da tensão na região, quase de forma insustentável. A receita do Kremlin de menos democracia e mais repressão vem demonstrando ser catastrófica. A imposição de Kadyrov ao povo Checheno, um notório traidor do povo, e de Yevkurov na Ingushétia, um general Russo (ainda que ele próprio Ingushe e no lugar de um carniceiro odiado) não ajudaram a conquistar a população local, muito pelo contrário, só reafirmou que o Kremlin, em consequência, Putin e Medvedev, não tem qualquer compromisso com a democracia e não respeita o direito de escolha das minorias.

Não só isto é uma verdade, como ficou irrefutavelmente comprovada com a nova política educacional russa de acabar com a autonomia das repúblicas no ensino de suas línguas, cultura e história. Agora, apenas o Russo será usado e qualquer resquício de cultura tradicional das minorias será vetado.

Se juntarmos o fracasso da guerrilha tradicional, o crescimento da solidariedade e da influência dos movimentos islâmicos pelo mundo afora, a imposição e brutalidade Russas, a supressão de qualquer direito, seja educacional, seja cultura, para as minorias e, por fim, a violência com que são recebidos os ativistas de direitos humanos no país, tornam o Cáucaso uma região prestes a explodir ou, na verdade, já explosiva e incontrolável, por maiores que sejam os esforços russos e, como se sabe, são esforços mal direcionados, desesperados e burros.

No caso específico checheno notamos, porém, uma grande autonomia por parte do governo local, comandando pelo carniceiro Kadyrov, mas esta autonomia é utilizada como passe livre para repressão, perseguições, tortura e violência extrema, tudo sob os olhos atentos e coniventes do Kremlin.

ethnicMap

No Daguestão, junto com o problema das guerrilhas islâmicas temos ainda a questão do conflito interétnico entre as dezenas de minorias que habitam a república que não é, nem de longe, homogênea.

Sob o mesmo teto convivem Ávaros (a frágil maioria), Lezgins, Kumyks, Russos, Laks, Tabasarans, Azeris e mais outras dezenas de grupos minoritários, nenhuma delas tendo uma maioria significativa ou sequer tendo 1 milhão de membros. Além disso é válido notar que estes nunca foram, ao longo da história, melhores amigos. O Daguestão é uma república extremamente artificial que agregou povos díspares sob uma mesma administração repressiva e um número impressionante de forças de segurança.

Em Kabardino-Balkária e Karatchaievo-Therkássia é visível o aumento das ações de grupos islâmicos em regiões antes relativamente calmas. A perseguição à clérigos independentes e a idéia de que todo islâmico é um fanático em potencial - ou seja, a promoção de perseguições, prisões, tortura e assassinados de "elementos perigosos" - acaba por criar, de fato, este inimigo em lugares jamais pensados antes.

Por fim, vale ainda lembrar que a recente intervenção Russa na Geórgia para "libertar" a Ossétia do Sul e Abkházia não contribuiu para acalmar os ânimos nacionalistas no Cáucaso Norte, na verdade, serviu apenas para demonstrar a hipocrisia Russa - pimenta nas repúblicas autônomas dos outros é refresco - e aumentar ainda mais a força dos ataques e o sentimento nacionalista das minorias, chegando até a ultrapassar o âmbito do Cáucaso.

A única conclusão possível é a de que as políticas Russas para o Cáucaso norte são, no mínimo, ineficazes e, mais ainda, são as grandes responsáveis ou pelo menos uma das responsáveis, pelo crescimento do terrorismo dito islâmico na região, da resistência feroz e violenta e da mudança de paradigma da resistência na região.

Post original: Trezentos

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