E, através da Resolução A/RES/63/139 de 11 de dezembro de 2008 da Assembléia Geral número, o dia 19 de agosto passou a ser o Dia Mundial Humanitário (International Humanitarian Day). Hoje, comemora-se o primeiro de muitos.
"O dia 19 de agosto foi escolhido porque marca o aniversário do ataque contra a sede da ONU em Bagdá, em 2003, que matou 22 trabalhadores humanitários, entre eles o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que era chefe da missão.
A ONU espera que o evento chame a atenção para o trabalho de ajuda humanitária e aumente o apoio ao papel desses agentes. "
O dia de hoje serve para lembrar as centenas de agentes humanitários mortos em ação, tentando salvar vidas, resolver conflitos e guerras.
"...to designate 19 August as World Humanitarian Day in order to contribute to increasing public awareness about humanitarian assistance activities worldwide and the importance of international cooperation in this regard, as well as to honour all humanitarian and United Nations and associated personnel who have worked in the promotion of the humanitarian cause and those who have lost their lives in the cause of duty, and invites all Member States and the entities of the United Nations system, within existing resources, as well as other international organizations and non-governmental organizations, to observe it annually in an appropriate manner."
Os que matam e os que morrem
Por Mauro Santayana
Os maiores heróis não são os ousados soldados que investem contra os inimigos; são os que morrem com as mãos nuas, como o brasileiro Sérgio Vieira de Mello morreu, há seis anos, em Bagdá. Os grandes guerreiros, como El Cid, o chefe militar espanhol do século 11 que, de acordo com a lenda, combateu depois de morto, com seu corpo atado a um cavalo, foram preparados para matar. Os norte-americanos cultuam a memória do cabo Alvin Cullum York, que, sozinho, matou, em um só ataque, 24 soldados alemães na ofensiva do Meuse, em outubro de 1918, e fez 132 prisioneiros. York foi o mais condecorado dos militares ianques e ganhou do Estado uma fazenda como recompensa. Na resistência aos agressores, esses heróis são também necessários, como foram os pracinhas da FEB. Nas guerras de agressão não há heroísmo. Não houve heroísmo americano no Vietnã, como não houve heroísmo israelita em Gaza, mas, sim, crimes de Estado. Há os que vão às guerras só com a eventualidade da morte. Entre esses, os que pensam encontrar no suicídio o retorno de sua memória à condição humana, como ocorre aos americanos no Iraque e no Afeganistão.
A ONU decidiu, por iniciativa da Suécia, que a data de 19 de agosto seja dedicada aos 700 trabalhadores da paz, entre eles o nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello, que morreram nos últimos 10 anos, e aos milhares de outros que sucumbiram antes. Embora possa haver, entre eles, religiosos, em sua maioria são apenas humanistas. Não os move qualquer recompensa transcendental, mas, sim, o sentimento de que é necessária a busca da paz. A paz não é só o emudecer das armas, mas o pão, a saúde, o conhecimento, a liberdade – e a justiça.
Os milhares de trabalhadores humanitários, a serviço das entidades internacionais, ou integrantes de organizações civis voluntárias, não veem os homens separados pela cor da pele, pelo domínio tecnológico, nem pelas fronteiras. Os seres humanos são iguais no sofrimento e semelhantes na esperança. A única diferença entre uns homens e os outros está na riqueza e na pobreza. A humanidade tem sido cruel com ela mesma. Os europeus que dominaram a África durante séculos não tornaram seus nativos mais felizes, mas os exploraram impiedosamente e os corromperam com seus próprios vícios. Hoje, sob o discurso da ajuda àquela parcela de seres humanos esquecidos, as grandes potências declaram sua solidariedade para com os que morrem em Darfur e nas inúmeras guerras tribais, ao mesmo tempo em que lhes levam migalhas, apropriadas por dirigentes cruéis, corrompidos e cooptados. O que lhes interessa é o domínio político e econômico do continente. Para essas grandes potências, e nisso não há diferença entre umas e outras, a “solidariedade internacional” não passa de um negócio. As instituições humanitárias da ONU conseguem realizar o que podem, não obstante a objeção, costumeira, dos estados mais poderosos.
O mundo jamais produziu tantos alimentos per capita como em nossos dias. Há comida bastante para que todos se nutram, sem excesso, nem desperdício. Mas, provavelmente, nunca houve tanta fome. As “doações” dos povos ricos para os famintos da África e de algumas regiões da Ásia só conseguem chegar aos necessitados com a intervenção dos trabalhadores humanitários. São servidores civis da ONU os que mantêm viva a população da Palestina e os milhares de refugiados dos conflitos étnicos da África. Sem seu trabalho, a tragédia seria ainda maior.
Esses trabalhadores não enfrentam só as dificuldades inerentes ao subdesenvolvimento econômico e cultural da África e de outros lugares. Eles se confrontam com grandes empresas farmacêuticas que fornecem medicamentos sem eficácia, com fabricantes e traficantes de armas, que insuflam conflitos e promovem genocídios, e com os governos tirânicos que os querem longe. Eles são chamados a todos os continentes. Há pedaços da África no mundo inteiro: nos iglus de plástico e nos contêineres em que moram norte-americanos, nas vastas regiões de miséria na América Latina e Ásia – além de ser conduzidos à Europa nos braços e no sofrimento dos “extracomunitários”, tratados ali como se fossem ratos predadores.
Tocou-nos o penoso privilégio de que tenha sido escolhida a data da morte de Sérgio Vieira de Mello para marcar a homenagem aos humanistas que trabalham pela paz no mundo. No serviço da humanidade, Sérgio honrou a nossa gente.