sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Haddad: O sagrado direito de sermos enganados [Parte 2]

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Ai que fofo!
Chegamos ao ponto principal: O combate à máfia dos transportes.
Veja aqui o primeiro post dessa série.
Marta, por todas as críticas que posso ter contra ela - e são muitas - teve a coragem de ao menos tentar enfrentar as máfias que controlam o sistema de transporte da cidade. O Bilhete Único foi uma vitória que só veio do enfrentamento dessa máfia, mas Haddad sequer cogita enfrentá-las, irá beneficiá-las.

Para ser mais claro, as tarifas não irão deixar de subir, passarão aos 3,15, 3,50, 4 reais... E até onde as máfias mandarem. Ao menos esta é a lógica do transporte da cidade e Haddad até o momento não gastou saliva para dizer que as tarifas não subirão ou que cairão. Todas as fichas estão no Bilhete, não importa a tarifa-base.

E tudo isto mascarado por um bilhete mensal que fará tudo parecer mais suave. Oras, pagaremos de uma vez e não teremos a constante lembrança de estarmos sendo roubados, como é a sensação a cada vez que vemos mais 3 reais indo pro esgoto. Quantos milhões mais irão para subsidiar o lucro dos donos das empresas de ônibus e quanto mais termos de pagar para deixá-los satisfeitos? Os subsídios aumentam e a tarifa idem!
A Prefeitura de São Paulo aumentou o valor do subsídio repassado aos oito consórcios de ônibus e às cooperativas de perueiros da cidade em 17% como justificativa para manter a tarifa em R$ 3. Com o acréscimo, as empresas receberão R$ 772,5 milhões até o fim de 2012. No início do ano, a previsão era de que a Prefeitura repassasse R$ 660 milhões. O aumento foi publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da Cidade.
São quase 800 MILHÕES de reais para encher os bolsos dos donos das empresas de ônibus junto a uma tarifa abusiva em um sistema de transporte que deveria ser público.

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Atualização 03/09:

Confirmado:
Para viabilizar a iniciativa, Haddad prevê um desembolso adicional de R$ 400 milhões por ano para as empresas de ônibus municipais, ou aproximadamente 1% do orçamento anual da Prefeitura. O montante, a ser repassado às empresas de transporte público da capital, representa um acréscimo de 50% em relação aos atuais valores pagos pela administração municipal, na casa de R$ 800 milhões, segundo Haddad. "É um investimento que, em nossa opinião, vai contribuir muito para que o transporte público volte a ser uma alternativa importante", destacou o candidato, pouco antes de iniciar uma carreata na região Sul de São Paulo.
Haddad não apenas não irá combater a máfia dos transportes como ainda irá pagar mais 400 MILHÕES a eles. No total, a prefeitura gastará 1 BILHÃO e 200 Milhões de reais nessa farra, com uma tarifa de abusivos 3 reais que não será mexida. É mesmo uma paida de péssimo gosto.
O candidato afirmou que o novo bilhete único mensal será complementar ao atual modelo. "Para quem faz poucas viagens, continua interessante pagar RS 3,00 por três horas de uso. Mas para aquele que utiliza ou quer usar mais intensivamente o sistema de transporte público, vai poder adotar o bilhete mensal", explicou.
Continuaremos a ser roubados. Obrigado, PT.
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Não há, na campanha de Haddad, qualquer pomessa de reduzir tarifas. Ou de negociá-las. Muito menos de parar com a subida das mesmas até torná-las impossíveis de pagar. Ele jamais pensou nisso ou, se pensou, se acovardou frente às máfias. Aliás, mesmo que prometesse, seriam promessas tão consistentes quanto as de Dilma de não privatizar, de investir em educação, de respeitar os direitos humanos e etc?

As empresas podem aceitar o acordo, pois serão beneficiadas. A ideia óbvia é a de que, com esta "facilidade", mais pessoas sejam atraídas ao transporte público, o que fará, no fim, que o lucro das empresas cresça. Claro que nada se fala sobre ampliar o sistema de transporte em si e diversificá-lo, pois se já somos sardinhas nos ônibus, imaginem se mais gente resolver "aderir"!?

Voltando um pouco ao primeiro post, para TRABALHADORES ele não serve. É engodo. Ou seja, para a maior parte da população mais pobre, com pouco acesso a lazer e muito trabalho, é uma piada de péssimo gosto. Agora, para estudantes que também trabalham, para classe média que trabalha de ônibus e aproveita para sair ele até tem serventia, mas não ataca nenhum dos problemas descritos acima e nos post anterior, o das máfias e tarifas abusivas.

Mas também temos problemas "menores", técnicos, como o excesso de filas para carregar os bilhetes, o sistema ineficiente - péssimo - que raramente funciona. Máquinas que deveriam aceitar cartão e não aceitam, máquinas fora do ar o tempo todo, filas, falta de mais locais para poder carregar bilhetes....

Nenhum destes problemas foi atacado por Haddad - ou por qualquer outro - mas alguns de nós podem ficar felizes em ser enganados.

Mas Haddad deixou claro que só vai aderir quem quiser. Aquele pai de familia, trabalhador, que mal tem tempo pro lazer não terá porque aderir. Irá ter prejuízo. A classe média com carro irá aderir? Duvido.

Quem, afinal, irá aderir a este projeto capenga, mal feito e eleitoreiro?Me lembro de comentários de milicianos fanáticos durante a grande greve dos professores - que continua - e de outras áreas do funcionalismo público reclamando que, oras, ninguém mandou os caras fazerem concurso e irem ser professores/servidores, logo, porque fazem greve?

Este tipo de raciocínio (sic) é basicamente o que permeia o "adere quem quiser" do novo bilhete haddadiano.

Sem atacar as máfias dos transportes, sem discutir redução drástica das tarifas e mesmo a tarifa zero total ou para casos específicos, sem atacar os lucros dos empresários mafiosos e sem repensar completamente o modelo de transporte da cidade, nada que Haddad tente será mais do que uma piada de mal gosto eleitoral.

E não cabe a desculpa de que "é difícil" e semelhantes, pois o governo federal é do PT e tenho certeza de que um projeto efetivamente popular dificilmente seria barrado por Alckmin caso fosse exercida pressão (popular).
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Nos comentários do post anterior, surgiu um debate interessante com uma leitora, a Babi, que passo para este post suas perguntas e minhas respostas que, penso, ilustram melhor o que venho tentando dizer:
Tsavkko, eu leio alguns textos seus, mas nesse eu questiono firmemente em alguns aspectos. Quatro mais fortes, na verdade.

1) Primeiro eu acompanhei as discussões sobre o Tarifa Zero, inclusive já conversei com o próprio Lúgio Gregori há alguns anos sobre a possibilidade de instituição dele. É um ótimo plano, duvido que haja alguém eu não ache. Mas politicamente, é impossível implementar agora, nesse contexto histórico. Não é viável nesse momento levando em consideração a pe´ssima administração atual (que vai ter reflexos não importa qual seja o próximo prefeito), a íntima relação que tem entre transporte e especulação imobiliária, transporte e as atuais leis de uso e ocupação do solo e, principalmente, transporte e toda a burrada que o Kassab vem fazendo pela cidade. Propor a tarifa zero agora é zuar com o eleitor, pois não seria implementado.

2) Uma outra crítica minha é no uso de palavras como “provavelmente”, expressando um juízo de valor que não tem nenhum embasamento além do que você pensa. Não tem provas. Você usa o “provavelmente”, por exemplo, quando fala da viagem “ilimitada”. Nada garante que não funcione, mas você coloca como se o nã-funcionamento fosse uma verdade e pode levar pessoas a acreditar na sua versão não-comprovada.

3) Quanto à questão da falta de estrutura cultural nas periferias, no plano de governo que eu li falava bastante sobre o fortalecimento da cultura, não apenas pra levar cultura “erudita” mas para fomentar a própria cultura local que hoje é marginalizada. Isso é uma área que precisa ser trabalhada em conjunto com o transporte, para que uma pessoa de Pirituba, por exemplo, não precise ir à Frei Caneca para ver um filme ou um teatro. E estava lá no plano do Haddad que eu li.

4) Especificamente sobre o Bilhete Mensal, talvez você esteja esquecendo do número de pessoas que trabalham em dois empregos para complementar a renda (uma das passagens de hoje sairia de graça), trabalham e estudam ao mesmo tempo (a terceira passagem também sairia de graça), são freelancers, autônomos e diaristas (ou seja, não trabalham no horário comercial, circulam pela cidade e não necessariamente usam apenas 2 passagens por dia) e mais fomentadores de políticas culturais, educacionais, líderes de movimento de bairro. Ou seja, para grande parte do pessoal mais pobre o Bilhete é sim uma revolução e significaria uma mudança maravilhosa.

São alguns pontos que acho que merecem ser visitados, não?

Abraços,
babi  
E minhas respostas:
1) Babi, SEMPRE algo será politicamente inviável até que seja tentado. O Bilhete Único, na sua época, era impossível também. As máfias lutaram contra e Marta se impôs. NADA na política se faz sem alguma dose de imposição sorbe máfias e oposição de direita. Você acha que esse bilhete proposto pelo Haddad não enfrentará oposição, caso ele realmente chegue a beneficiar mais que 1-2% da população? Se tocar, mesmo que remotamente, nos lucros da máfia dos transportes, será combatido. E terá de ser imposto, caso haja vontade política.

MAs claro, da forma como está sendo colocado, não enfrenta nada, na verdade assegura lucros.

MAs cá entre nós, eu não acredito ou defendo um passe livre imediato, da noite pro dia, e sim um processo que passa por revisão de licitações, reestatização do transporte público, tarifas sendo paulatinamente reduzidas, conscientização da população e por aí vai, até chegarmos no passe livre para estudantes, para quem ganha x salários e por aí vai. É um processo longo, mas que NINGUÉM teve coragem de propor, apenas em debates para a própria militância ou para quem não tem poder de mudar muita coisa.

Enfim, não se trata de "vamos implantar tarifa zero na semana que vencermos", mas de iniciar um diálogo e um processo sério. E o bilhete ora proposto pelo Haddad vai na contramão.

2) Na verdade, Babi, uso o provavelmente depois de ver o que é o governo federal do PT. Prometeram não privatizar, proemteram valorizar educação, prometeram isso e aquilo e não fizeram nada, melhor, fizerma o contrário. O "provavelmente" não veio de graça, mas apenas da observação do modus operando do PT antes do governo e depois de virar governo. Quanto ao "ilimitado", bem, temos o exemplo das Teles, melhores amigas do Paulo Bernardo, que vendem produtos "ilimitados" com muitos limites, poréns e exceções. E, de qualquer forma, esse é apenas um dos pontos menores da minha argumentação.

3) Concordo plenamente. Seria realmente genial, mas daí a virar algo efetivo... Basta ver como os governos do PT (notadamente o federal e o da Bahia) tratam as classes mais pobres, grevistas, indígenas pra ver que o papo de "inclusão" é apenas isso, papo. Haddad pode ser diferente? Claro, mas eu pessoalmente duvido, até porque Haddad não passa de uma marionete fabricada pelo Lula e controlada por ele.

4) Não esqueci, mas não era meu foco. Mas sim, faz sentido. MAs ao não mexer nas tarifas abusivas e permanecer na lógica mercadológica do transporte, um desconto é apenas isso, um desconto. Não garante que não veremos aumentos gigantescos mais pra frente, que encarecerão também o bilhete mensal ao ponto de se tornar proibitivo.

Não há nada de revolucionário em uma proposta que se espelha em exemplos vários que existem pelo mundo. A idéia - repito, a ideia - é excelente. O problema é que sua execução, como proposta, não apssa de um desconto para uma parcela da população e não uma mudança efetiva na lógica dos transportes.
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Leia a Parte 1 da análise
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