Por mais assustador que pareça, não estamos à beira de um golpe.
Muito menos de uma organização ampla da direita e sim de movimentos fragmentados que conseguiram unificar algumas pautas e souberam se organizar pontualmente para influenciar setores da classe média em um vácuo deixado pela desorganização da própria esquerda. E isto analisarei mais demoradamente a seguir.
Fala-se em ameaça de golpe, retrocesso democrático e outras coisas piores. A direita que foi aos protestos dos últimos dias tem gás para tanto? Grupos semelhantes articularam o movimento “Cansei”, em 2007. É pouco provável que arrastem, por eles mesmos, turbas numerosas atrás de seus slogans hoje em dia. Gilberto Maringoni
O PT e a Direita
O PT fala em golpe há 11 anos, quando o mais próximo disso que estivemos foi ANTES dele assumir, ainda nas eleições de 2002, com Lula candidato, quando a direita se apavorou. E a direita perdeu. Ou melhor, perdeu, mas levou.
Não emplacou seu candidato, mas ainda assim emplacou suas ideias e propostas.
O PT não é mais um partido de esquerda. E não digo isso como provocação, mas como constatação óbvia da política nacional, das alianças e das iniciativas governamentais. Com Lula ainda era possível respirar, com Dilma a guinada conservadora do PT se mostra completa. Não há mais “disputa”. A esquerda, no PT, perdeu.
Mas o PT possui ainda um contingente respeitável de militantes de esquerda, mas dentro do partido são uma minoria quase sem voz - gritam, mas não são ouvidos.
O resto divide-se entre direitistas puros, como Paulo Bernardo, Gleisi Hofmann, etc, e fanáticos dispostos a pagar de esquerda, mas que apóiam toda e qualquer iniciativa de direita de um partido aliado de Katia Abreu, Sarney, Kassab, Renan Calheiros e cia.
Dilma guinou à direita: privatizou, uniu-se à mídia corporativa, massacrou índios, deu isenções com dinheiro da Previdência. Esquerda, onde? Mauricio Caleiro
Esta introdução é necessária para tentar discutir os recentes papos de "golpe" que surgiram depois da direita ter se apropriado dos protestos pelo passe livre em várias cidades do país (ou ao menos de parte deles, ou mesmo de ter ganho visibilidade e conseguido conquistar algumas mentes vazias).
Os protestos e “o golpe”
Nas ruas, especialmente em São Paulo e Rio, mas tenho relatos de Recife, Curitiba e Natal, grupos de direita se apropriaram das últimas manifestações e expulsaram com violência partidos de esquerda das marchas. No Rio ao menos 10 militantes do PSTU pararam no hospital depois de serem agredidos.
Acompanhei as agressões em São Paulo, tendo inclusive sido ameaçado com uma faca por um dos direitistas agressores por estar, em dado momento, com uma bandeira do PCO nas mãos, que peguei do chão em meio à confusão.
O que isto significa? Golpe? Não acredito.
Talvez estejamos diante de um NeoCansei, um pouco mais amplo que o original, mas igualmente efêmero e de pouca relevância posterior. Sou obrigado a concordar com o professor Maringoni, quando este duvida da capacidade de mobilização desta direita usando apenas as próprias pernas.
Quem bombou esse patriotismo boçal? Quem inspirou esse ufanismo raivoso e arrogante? Quem se aliou com as forças do mal? Quem foi que acabou com a distinção, mais que política, existencial entre esquerda e direita? Quem são os aliados políticos do governo do Rio de Janeiro, esse governo que manda a PM atirar, ferir, aterrorizar as pessoas? Eduardo Viveiros de Castro
Sejamos honestos, o PT grita "golpe" como na história do lobo. E na primeira vez em que a direita se organiza de verdade, se apavoram, mas não dá mais pra cair nessa. Não há nenhum lobo, ou melhor, o lobo convive com as ovelhas e lhes dá ordens fielmente obedecidas.
Estamos falando de um grupo disforme, ou vários grupos de direita sem (grande) ligação, mas que tem pautas únicas, nas ruas - pautas fáceis.
Se apavorar e gritar golpe não resolve, temos que combater, ir às ruas com pautas de esquerda e mostrar nossa força. A direita mais extrema está demonstrando que tem força, mas não tem uma unidade, não tem um líder ou líderes capazes de ir muito além. Estamos falando de grupos neonazistas, Integralistas, skinheads de direita e “carecas” se apropriando da insatisfação popular para pautar manifestações e agredir partidos de esquerda.
A direita e as esponjas
Ou seja, não se trata de manifestações DE ou DA direita, mas APROPRIADOS por ela baseado em discursos fáceis e também na incapacidade da esquerda de impor suas pautas.
E não nos esqueçamos que muitos dos que seguiram essa direita mais extremada não passam de esponjas, repetem o que ouvem, estão com raiva. são pessoas que não sabem nem do que estão com raiva ou o que querem, só sabem que não estão satisfeitos. E o discurso da direita é fácil, palatável, basta xingar quem está no poder e direcionar seu ódio como meros repetidores.
São alvos fáceis para discursos fascistas, para discursos evangélicos... E o que o PT tem feito? Alianças com a direita, alianças com os evangélicos e nenhum investimento em educação de QUALIDADE (qualidade é chave), em trabalho de base... O que temos hoje é uma "classe média" que só sabe consumir e um partido no poder que faz tudo para se manter no poder a qualquer custo. Não é uma receita com bons resultados.
Mas porque agora?
Oras, poderia ter sido em qualquer momento. A direita apenas encontrou uma brecha para se apropriar de manifestações e impor suas pautas. A violência policial fez crescer a insatisfação de setores da população com a ~insegurança~ e daí para discursos reacionários surgirem foi um pulo. A raiva de setores sociais com os partidos no poder e com os casos de corrupção que surgem diariamente - e que não são novidade - facilitou o surgimento de uma reação acrítica e manipulável de cara pintada.
A esquerda precisa se mobilizar. Mas infelizmente enquanto o PT estiver aliado com TODA a direita do país, não haverá tal unidade. Será pontual, envergonhada, tênue.
E esse é um ponto chave.
Não estamos falando de um golpe da direita contra a esquerda do poder, mas de uma disputa de poder entre... a própria direita!
Direita versus Direita
Uma disputa entre o PT e suas políticas abertamente de direita e a direita “original” que não quer mais um partido que continua se dizendo de esquerda, e que não é "da turma", no poder, mesmo governando com ela e para ela.
A direita é uma elite racista, que não gosta de "recém-chegados" e diferentes. Quem vem de baixo jamais será igual a eles. E o PT é só um intermediário. E um intermediário que, querendo ou não, tem garantido o lucro e as benesses da elite, mas tem também avançado socialmente em alguns pontos, mesmo que com muitos - e propositais - equívocos.
"Se você conhecer uma pessoa muito idosa e esquerdista, é porque ele está com problema. Se acontecer de conhecer uma pessoa muito nova de direita, também está com problema. Então, quando a gente tem 60 anos é a idade do ponto de equilíbrio. Porque a gente não é nem um nem outro. A gente se transforma no caminho do meio. Aquele caminho que precisa ser seguido pela sociedade" Luis Inácio Lula da SilvaPor mais que a "nova classe média" seja uma farsa ridícula, pois 291 reais é uma miserabilidade em qualquer sentido, a mera possibilidade dos mais pobres se misturarem aos mais ricos assusta a elite racista brasileira.
As cotas - bandeiras da esquerda, e não somente do PT, e que tiveram seu pontapé inicial com FHC, vejam só - são outra ameaça. Ou seja, tivemos avanços, precisamos reconhecer, por mais que estes tenham vindo como forma de garantir a sobrevivência do modelo capitalista no país e o luro da burguesia.
Mesmo assim, setores assustados e reacionários da classe média e da elite temem a forjada ascensão social de setores da massa, baseados na inabilidade do PT em gerenciar estas tensões.
"Éramos até pouco tempo atrás o país mais desigual do mundo. Houve avanços, mas ainda estamos no final da lista. O reflexo disso está nas ruas" André Singer
O PT é um intermediário da direita, mas um intermediário com votos, exatamente por ter emulado políticas tucanas, mas ter notado que poderia fazer melhor dando migalhas ao povo.
Mas a direita tradicional foi e é incapaz de aceitar que sequer migalhas sejam jogadas ao povo.
Então o que fazer?
Ampliarei o pensamento em um artigo futuro, na "parte 2".