domingo, 7 de novembro de 2010

Sim, nós somos racistas

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No sábado, voltando de um seminário do mestrado, peguei o mesmo ônibus de sempre e não esperava presenciar uma cena absurda de racismo pouco antes de chegar em casa.

Estava eu confortavelmente sentado perto da porta, próximo ao cobrador quando o ônibus para no Mackenzie e entra uma mulher negra - muito bonita, aliás - com sua filhinha no colo, que  não devia ter mais de 1 ano de idade. A mulher negra, então, pagou a passagem, girou a catraca e foi se sentar na parte da frente.

Até aí nada demais. Um dos únicos lugares vagos era a cadeira logo na frente da porta pela qual ela entrou, na janela. Uma mulher, branca, estava sentada no corredor. A mulher com a filha pediu para passar, a mulher branca se levantou e deu passagem.

O problema começou quando a mulher branca, ao invés de sentar novamente, ficou em pé, olhando torto para a mulher com a filha. Pensei até que ela iria descer no ponto seguinte, mas mais tarde vi que não - era o meu ponto, aliás.

A criança, sorrindo, ficou no colo da mãe fazendo sinais pra mulher em pé, como se tentando pegá-la - algo que faria qualquer ser humano decente pelo menos sorrir e brincar de volta.

Mas a reação da mulher branca foi a de fazer uma careta, como de nojo, e virar para o outro lado do corredor, com uma cara de nojo terrível estampada.

A infeliz racista não apenas se recusou a sentar novamente ao lado de uma mulher negra com sua filha, como ainda, com cara de nojo fez questão de virar para o outro lado, como se diante de algo repugnante, quando na verdade a única coisa repugnante no ônibus era a própria.

Olhei para o cobrador, que me olhou com uma cara de "que merda é essa" e fiquei simplesmente embasbacado.

E ainda tem quem diga que não somos racistas, que isto não existe.
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Comentários (21)

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isso não é só triste. esse tipo de coisa mete medo. e não importa se a moça negra era ou não bonita. aliás, além da ditadura da pele clara, existe (sim, infelizmente) a ditadura da beleza. e acho que essa é tão difícil de combater quanto o racismo.
1 resposta · ativo 752 semanas atrás
Claro que pouco importa se ela era ou não bonita, foi apenas uma impressão pessoal e um comentário aleatório...
Rafael, concordo com você que haja racismo no Brasil, sim. Apesar de que, não deveríamos falar de Brasil nesses casos. Não teríamos uma mesma avaliação pra Belém, Salvador, São Paulo, Curitiba.
Mas, voltando ao evento, o fato de acharmos, eu você e o cobrador, o que aconteceu algo tão absurdo, descabido e nonsense, me faz ter esperança de que isso seja algo mais próximo de uma evento isolado do que de um consenso. É a minha impressão. Se comparar ajuda, acho Lisboa, onde vivo agora, uma cidade muito (muito mesmo) mais segregacionista que São Paulo.
Acho sim que a diferença de classes seja algo mais forte que o racismo aí. Obviamente um negro pra ser aceito pela elite precisa dar mais provas de ser bem sucedido do que um branco, que, mesmo que seja pobre tem mais chances de se misturar a elite.
2 respostas · ativo 752 semanas atrás
Questões de classe e racismo se confundem. Em São Paulo o racismo vem crescendo de forma absurda e não raro vemos o racismo sendo praticado mesmo por quem seria vítima se estivesse em outra classe.
E eu não entendo bem a que se deve isso. Não consigo perceber por que do reaparecimento de xenofobia e racismo com tanta força. No caso da xenofobia, São Paulo nem tem recebido tantos imigrantes quanto na década de 70 e 80. Já na questão racismo, quem sabe a classe média branca instituída não esteja se incomodando com uma maior ascenção das classes mais baixas (e negros por conseguinte) ao mercado de trabalho.
No entanto, notemos que o racismo é praticado como forma de exclusão até entre os mais pobres. É comum os caras mais negros receberem apelidos dos mulatos e caras tipo o Ronaldo não se julgarem negros.
Acho que o raciocínio dos que não acreditam no racismo brasileiro é mais ou menos assim: "Não somos racistas, ou pelo menos, não o suficiente para sermos chamados de "país racista"! " . Deve ser este o raciocínio de Deletério, Kamelos e outros autores.

Estes autores gostam de números, gostam da "justa medida".

Números não mentem, mas também não sangram, amam e vão para casa chorar depois de serem ofendidos por atitudes racistas. Números são apenas instrumentos para usarmos arbitrariamente.

Abraços e bom domingo!
1 resposta · ativo menos de 1 minuto atrás
Pois é, pouco adianta entrar numa discussão, mas se não tivesse chegado meu ponto eu não sei se me seguraria...
Eu não sou muito fã de criança - geralmente olho torto, a menos que a criaturinha seja irresistivelmente fofa. Mas a ojeriza se deu por conta da criança ou pela mãe mesmo?
1 resposta · ativo 752 semanas atrás
No caso ela era irresistivelmente fofa... Mas a cara da mulher era de nojo, desde a hora em que a mulher com a criança no colo pediu para sentar....
AhHHH!
Não devia ter passado pelo seu blog hoje.
Essa história estragou meu fim de domingo.
É o retrato acabado de um preconceito que é muito mais presente dentro das pessoas do que se supõe, e que por conta de algumas ainda tímidas ações afirmativas começam a ficar mais explícitas - não só contra negros, mas também contra os pobres.

Hoje o mauricinho burro e vagabundo que não quer saber de se esforçar e estudar, já tem uma boa desculpa para dar para o pai quando não entra numa faculdade de prestígio:

As vagas foram "dadas" para os pobres e os pretos, e ele o geniozinho de sangue azul da elite ficou de fora.

Mesma coisa nos aeroportos - aliás há um post MARA do Idelber falando sobre isso, descrevendo uma situação em que se unem todas as discriminações do brasileiro de classe média alta contra o de menor poder aquisitivo - mais reforçado ainda se for de cor morena.

Pelo jeito o mito do brasileiro cordial vai indo pelo ralo.

Mas ainda acho que é uma minoria, se a imprensa desse país fosse séria, faria largas matérias condenando esse tipo de coisa, mas eles fazem exatamente o contrário.
Cenas assustadoras como essa, em Salvador, não é provável que facilmente ocorra.

Contudo, admito que por aqui o racismo talvez se estabeleça sob nuances mais sutis, como numa fala que ouvi de de um rapaz branco, com mais ou menos 27 anos: "eu tranquilamente abraço, converso e convivo com negros, mas nunca namorei com uma (...) Já, comuma mulata, de pele mais clara (sic) e traços finos (sic). Casar? Acho muito difícil, não sei se superaria isso, mesmo se ela fosse muito interessante (...) Não é racismo... Não sei o que é!"
Verdade camarada, e ainda rola por aí aquele papo de que vivemos numa "democracia racial", balela pra boi dormir...
Foi por isso que vim até seu blog. Era esse eu comentário no Vi o Mundo, certo?
Lamentável.
Mas ao mesmo tempo, pergunto-me o quanto de preconceito existe em mim mesma.

Parabéns pelo blog mais uma vez.
Essas coisas são uma vergonha. A única solução que eu vejo para acabar com o racismo é botar brancos e negros para dormirem juntos. Por que o racismo ainda é muito forte, e enquanto não for realmente mestiço como finge que é, não haverá igualdade.
http://correndonoescuro.blogspot.com/2010/11/prob...
Essas coisas são uma vergonha. A única solução que eu vejo para acabar com o racismo é botar brancos e negros para dormirem juntos. Por que o racismo ainda é muito forte, e enquanto o Brasil não for realmente mestiço quanto finge que é, não haverá igualdade.
http://correndonoescuro.blogspot.com/2010/11/prob...
Não existe a possibilidade da mulher branca apenas não gostar de crianças?
Eu não gosto de sentar perto de crianças pequenas nem na igreja,que dirá num local desconfortável como transporte coletivo.
Não estou discordando que haja racismo no nosso país,há sim e muuuuuito. Mas não gosto de acreditar que existam pessoas que expressem isso descaradamente.
É só uma hipótese...
1 resposta · ativo menos de 1 minuto atrás
Possibilidade? Sim. Mas tiro por mim, também não sou fã de crianças, e a cara de nojo da mulher era desproporcional a simplesmente desgostar delas... Além do que, a onda de racismo se espalha tremendamente.
Se não fosse uma mulher negra e tampouco "bonita" (como seu comentário aleartório) - ou seja: uma mulher branca e feia, sendo a mulher repetindo o mesmo comportamento: você concluiria a mesma coisa?

Tuas conclusões são fracas. Temos critérios de beleza que geram critérios de gosto. Pode nem ser uma questão de cor da pele, mas de repulsão por parâmetros de gosto. Fazemos isso o tempo todo - você tem uma namorada e, provavelmente, usou de critérios para selecioná-la (alguns deles são estéticos).

Portanto, seu juízo é parcial. Não dá para concluir ser racismo ou pura aversão ao que, por um juízo individual - que deve ser respeitado, se considere feio.

Existe a estética - que já foi vista como filosofia do belo, até notarem que "belo" era só mais uma categoria. Tem um excelente texto do Ariano Suassuna no livro "Iniciação a estética" sobre a confusão que se tem em racismo e repulsão como direito de avaliação do que é psicodinamicamente agradável.

Abraço.
1 resposta · ativo 751 semanas atrás
Se a mulher fosse branca eu duvido q a reação da outra mulher fosse a mesma. Racismo de branco contra branco? Seu raciocínio me escapa. E, pela milésima vez, o comentário da beleza da mulher foi totalmente aleatório! Eu não posso comentar que simplesmente achei a mulher bonita? Ou isso é crime?

A beleza não tem NADA a ver com a situação, ou a estética.

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