sábado, 22 de agosto de 2009

O "valor" da cultura no Brasil: Livros, espera eterna e preços abusivos

Pin It
O artigo abaixo tem por objetivo servir não só de desabafo e demonstrar uma certa revolta com nossa maravilhosa indústria cultural (sic), mas também denunciar a falta de respeito com o consumidor no que concerne os prazos absurdos para a tradução de um livro, a demora em lançar títulos estrangeiros, e, acima de tudo, os preços abusivos praticados que impossibilitam a compra de um livro por boa - senão a franca maioria - da população brasileira.

Há algumas horas recebi um e-mail da Editora Record me informando da possibilidade de encomendar o mais novo livro de um dos meus autores favoritos, Robin Cook - "Estado Crítico".

Nada fora do normal - até pensei "excelente, eu queria mesmo ler este livro há eras!" -, se não fosse um simples fato: O livro já havia sido lançado há mais de 2 anos nos EUA e o anterior - "Crisis", de 2006 - sequer foi lançado no Brasil, mais de 3 anos depois do lançamento lá fora.

Qual foi a decisão editorial da Record? Não faço idéia, mas é estúpido e um desrespeito com o consumidor. Eu, por exemplo, compro todos os livros do autor e realmente acho um desrespeito a idéia de "pular" uma lançamento. Nem quero imaginar quando chegará ao Brasil seu último livro lançado este mês nos States, "Intervention": chuto 2015!

Já é costume a demora absurda no lançamento de livros estrangeiros no país, não surpreende que um livro de outro autor muito interessante, Edward Rutherfurd, esteja demorando já quase 4 anos para ser lançado (detalhe, é a segunda parte de uma saga, sobre Dublin, na Irlanda, ou seja, é de se esperar uma certa continuidade e não o esquecimento).

Não vejo como o problema possa ser reduzido à dificuldades na tradução, falta de tempo ou coisa do tipo. Não é uma desculpa aceitável, afinal, se uma equipe de leigos, de fãs, consegue em menos de um mês traduzir um calhamaço como os livros do Harry Potter, alguém me explica porque uma tradutora ou um tradutor profissional leva 6 meses ou mais?

Se fãs que tem um inglês "ok" traduzem um livro em um mês ou menos, como se explica que tradutores profissionais levem meses e, no caso dos livros do Robin Cook, Edward Rutherfurd e outros, até 2 anos - se tomarmos a tradução como maior empecilho ao lançamento!?

Mas o que realmente me surpreendeu foi a disparidade absurda de preços entre a edição nacional e a edição americana, no caso do livro do Robin Cook, mas o exemplo serve para quase todas as publicações nacionais.

Que cultura neste país seja cara é uma coisa, mas pagar quase o dobro por um produto nacional é simplesmente ridículo.

Comparem o preço da edição brasileira (42,90) com a americana (25,90), estamos falando de quase 20 reais de diferença! É mais barato importar um livro, pela mesma Livraria Saraiva, que comprar a edição nacional, que está na loja aqui do lado de casa - Frete incluso!!!

Caso eu não queira esperar algumas 4-6 semanas pelo livro posso comodamente ir até o site da Amazon e em até 15 dias receber o livro, pagando em dólar, mas, ainda assim, o livro sai mais barato que seu irmão nacional! Lá fora, na Amazon, o livro custa $9,99 e mesmo com o custo de envio, que sequer chega aos $5 dólares, ainda sai mais em conta comprar direto dos EUA. E eu poderia ter lido o livro há 2 anos!

Podem até falar que os impostos no país são altos demais - não estarão mentindo, são abusivos - mas é considerar o consumidor um imbecil afirmar que este valor é o mínimo que podem praticar para ter um lucro decente.

Basta esperar alguns meses e notamos que o valor dos livros costuma baixar consideravelmente; Ou, ainda, basta aos consumidores esperar pelas promoções das grandes livrarias e comprar livros com descontos que chegam aos 60, 70%. Oras, se em épocas de promoção as livrarias e editoras conseguem praticamente se livrar de livros que outrora custavam 40, 50 reais ou até mais, então porque vendem à preços tão abusivos para começo de conversa?

Está claro que não só as livrarias como as editores querem ganhar o máximo que puderem e, para o consumidor, sobra o prejuízo. Isso quando alguém resolve realmente comprar o livro!

Não é a toa que os críticos do Vale-Cultura proposto pelo governo federal - dentre os sérios e decentes, claro - tenham notado que, com 50 reais de "ajuda" seria quase impossível comprar mais que um livro, por exemplo.

Uma ajuda de 50 reais tornaria impossível sequer a compra de um livro e uma ida ao cinema no mesmo mês, por exemplo. Não que 50 reais seja pouco, na verdade o preço de um livro é que é simplesmente abusivo no país. Porque será que nos EUA, por exemplo, o valor de capa é absurdamente mais baixo do que aqui? E isto vale mesmo para livros de autores nacionais - são caros no geral -, não cabe desculpa de ter que pagar tradutor e etc.

----
Para uma excelente e irretocável análise sobre o Vale Cultura vale visitar o blog Cinema & Outras artes.
----

As editoras reclamam de crise, de que vendem pouco, em parte podemos realmente afirmar que o brasileiro não tem o costume de ler mas, até que ponto este é o problema? Será que o preço atual dos livros não impede que boa parte da população tenha acesso à leitura? Enfim, é o brasileiro que não gosta de ler ou ele não pode ler?

Será que o problema é a falta crônica de leitura do brasileiro ou o preço impagável para a maior parte da população?

Canso de ver pessoas mais humildes no metrô que pego diariamente para o trabalho e do trabalho para casa com livros nas mãos, a franca maioria com etiquetas de bibliotecas. E não falo de auto-ajuda ou inutilidades engana-trouxa do tipo. Será que não comprariam caso o preço de um livro fosse decente? Acessível?

Não é crível que uma livraria ou uma editora tenham prejuízo na venda de um produto, se o fizessem iriam à falência, logo, se uma livraria pode vender um livro por 30% do seu preço de capa normal passados alguns meses do lançamento de um livro, então seus lucros são simplesmente abusivos, e em cima de nós, consumidores.

Me lembro agora da excelente Feira do Livro da USP onde as editoras vendem seus livros com 50% de desconto pelo menos. E ainda assim, obviamente, tem lucro.

É uma questão simples de matemática e capitalismo, se as editoras cobram na Feira 50% do valor normal por um livro - por valor "normal" levemos em consideração o preço praticado pelas livrarias - então as livrarias garantem, pelo menos, 50% de lucro sobre o valor que compram das editoras!

E isso se acreditarmos que uma livraria compre um livro pelo valor que compramos na Feira, o que não é verdade, sem dúvida compram bem mais barato dada a quantidade que devem pedir a cada lançamento.

O lucro de uma livraria é, enfim, de pelo menos, por baixo, 50%!

Aliás, segundo este artigo aqui, o lucro das livrarias chega aos 100% quando os livros são vendidos naquela "bonita livraria, com café e internet, música ambiente e tudo o mais". Leitura recomendada.
Resumo da ópera: livro no Brasil é caro porque as livrarias apelam nos preços, e temos o nosso próprio paperback, que chamamos de capa-mole, que é muito melhor, em termos de qualidade, do que o paperback norte-americano.

E não podemos nos esquecer ainda que uma Editora lança uma tiragem gigantesca sabendo que boa parte vai encalhar, mas pouco importa, ela já tirou seu lucro. A livraria faz o mesmo, compra uma quantidade imensa (ou recebe em consignação), encalha mas já vendeu os demais por um preço altíssimo.

Até quando nós, trouxas, ops, consumidores, iremos pagar um valor abusivo para ter acesso à cultura? Já não basta a ameaça à meia-entrada em cinemas, os valores risíveis para shows internacionais e o preço caríssimo nas sessões de cinema?

Cultura, no Brasil, é algo inalcançável para grande parte da população e não vai ser com "Vales" - por mais louvável que seja a iniciativa - que a coisa vai melhorar, senão com uma política de proibir/limitar lucros exorbitantes e abusos contra o consumidor.

------------------
Artigo originalmente publicado no Trezentos: www.trezentos.blog.br
------