sábado, 19 de março de 2011

Crise no Bahrein: Intervenção estrangeira e protestos populares

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Tropas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos entraram em território barenita na última segunda-feira 14, supostamente a pedido do Rei do Bahrein, Hamad bin Isa Al Khalifa, para conter os protestos que vem paralisando o país há um mês, desde o dia 14 de fevereiro, inspirados nos protestos que depuseram os ditadores da Tunísia, Zine Abdine Ben Ali, e do Egito, Hosni Mubarak.

Enquanto o mundo se voltava para a situação na Líbia, onde os rebeldes começam a recuar frente às forças do Coronel Khadafi, ao menos mil soldados sauditas e 500 policiais dos Emirados Árabes Unidos chegaram ao Bahrein. Segundo fontes internacionais, trata-se de tropas do Conselho de Cooperação do Golfo, organização supra-estatal composta por seis países da região (Bahrein, Arábia Saudita, Omã, Kuwait, Catar e Emirados Árabes Unidos).

O Bahrein vem sendo sacudido por protestos diários, especialmente em torno da Rotatória Pérola, no centro de Manama, capital do país, mas também em outras cidades e vilas. Na semana passada uma manifestação em Manama reuniu pelo menos 100 mil pessoas, ou um quinto da população de todo reino, demonstrando o nível da insatisfação da população com os rumos do país.

Milhares de xiitas (que compõem cerca de 70% da população) demandam reformas políticas e sociais profundas no país dominado por 30% de sunitas. Os xiitas se sentem excluídos e não tem acesso aos melhores cargos e mais relevantes postos da administração e a insatisfação explodiu tendo como modelo as revoltas que se espalham pelo Oriente Médio e Norte da África.

Com a escalada de violência a posição dos manifestantes se radicalizou. Das exigências iniciais que incluíam uma reforma na legislação do país e a demissão do governo, comandado por Khalifa bin Salman al-Khalifa, tio do Rei, os manifestantes passaram a exigir que o Bahrein se transformasse em uma monarquia constitucional, mas agora são ouvidos gritos contra a monarquia como um todo.

A chegada de tropas sauditas foi encarada como uma invasão pela oposição Xiita do Bahrein e recebida com preocupação pela ONU.

A invasão, porém, tem precedentes, assim como os levantes contra a monarquia. Em 1994 tropas Sauditas invadiram o Bahrein para garantir a segurança do Rei frente a um protesto de xiitas. Obviamente, as manifestações de hoje diferem das anteriores não só em número, mas se colocando em conjunto e em sintonia com protestos por toda a região. Não se trata de um processo isolado e unicamente doméstico, mas em um processo que se espalha por todo o Oriente Médio e pode vir a ter grandes consequências no futuro.

Apesar do aparente convite às tropas estrangeiras, é incerta a capacidade de ação das tropas e o efeito jurídico a longo prazo, assim como possíveis responsabilizações pelas mortes de civis barenitas que possam vir a ocorrer. Segundo analistas, em caso de violência das tropas estrangeiras, caberia intervenção da ONU e ações no Tribunal Penal Internacional (TPI). Ademais, dada a correlação de forças, qualquer tipo de “convite” que porventura tenha sido feito sempre poderá ser interpretado apenas como resultado de pressão bem colocada por um país muito mais forte frente à sua periferia imediata.

A oposição xiita chama de ocupação ilegal a chegada de tropas estrangeiras e de uma conspiração contra civis desarmados  e teme o aumento da repressão e das mortes. Oficiais da ONU vêem com apreensão a movimentação de tropas e a possibilidade de, senão uma guerra civil, um banho de sangue desproporcional. No dia seguinte à chegada das tropas estrangeiras, pelo menos 5 barenitas foram mortos e centenas ficaram feridos em confrontos pela capital, numa escalada significativa da violência no país.

A situação geral no Bahrein é de apreensão, segundo a ativista Doreen Al Assad, baseada em Manama, balas de borrracha e gás lacrimogêneo são atirados a todo momento contra manifestantes e que boa parte das ruas estão bloqueadas por tropas.

Escolas e universidades permanecem fechadas, exceto em caso de intervenção governamental, para tentar passar uma imagem de normalidade. Conflitos esporádicos acontecem em diversas partes de cidade e boa parte das pessoas não consegue chegar ao trabalho.

A população, temendo o pior, começou a estocar alimentos, água e bebidas, enquanto a mídia estatal tenta esconder o óbvio e elogiando a intervenção, veiculando imagens da chegada das tropas sauditas acenando para o público e fazendo sinais de paz.

Outro motivo de apreensão é o possível papel do Irã em meio à uma intervenção Saudita. O Bahrein faz fronteira e é ligado fisicamente através de uma ponte à Arábia Saudita, mas a maior parte da população é religiosamente ligada ao Irã, ambos são países de maioria Xiita, o que pode ajudar a desequilibrar ainda mais uma situação já complicada. Apesar de persas, os Iranianos consideram o Bahrein, árabe, como sua área de influência natural.

Mesmo na Arábia Saudita começaram protestos, em diversas regiões, de sua minoria Xiita, que  se rebela contra a situação de exclusão que encontra amplo paralelo com a barenita.

Segundo a jornalista e ativista barenita Amira Al Hussaini, a rede de TV estatal, depois da chegada das tropas estrangeiras,  se limita a repetir clipes de danças e músicas patrióticas enquanto a internet tem sido severamente limitada e sua velocidade foi reduzida ao ponto de quase impossibilitar a navegação. A mesma ativista teve a vida ameaçada por uma célula terrorista local na tarde  da quinta-feira, despertando preocupações de outros interesses estariam em jogo na crise do Bahrein.

A tensão é palpável no Bahrein enquanto manifestantes reunidos na Rotatória Pérola – epicentro dos protestos no país, nos mesmos moldes que a Praça Tahrir, no Cairo – pedem a suas mulheres e crianças para irem para casa, pois sentem o perigo se aproximando. Segundo Al Assad, os manifestantes estão prontos a resistir, mesmo que sejam alvos de tiros e de violência por parte das tropas estrangeiras. O temor generalizado é o da possibilidade de um genocídio patrocinado pelo Rei do Bahrein e pelas tropas estrangeiras, que podem agir impunemente no território.

Postos de gasolina estão fechados, há o perigo de cortes de energia e do fornecimento de petróleo. Pessoas que se aproximam de tanques ou policiais correm o risco de serem baleados, assim como quem sai em grupo durante a noite.

Desde terça-feira (15) um toque de recolher foi imposto pelo regime, válido das 4 da tarde às 4 da manhã, ainda que esta atitude não tenha servido para evitar novos e violentos confrontos na capital. Enquanto isto, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, denuncia a tomada dos hospitais do país por militares, que desta forma impedem que manifestantes feridos recebam ajuda médica, em clara ofensa ao direito internacional.

Na quinta, dia 17, seis importantes líderes da oposição (cinco xiitas e um sunita) foram presos durante a madrugada e há o temor de que os prisioneiros sejam torturados e de que novas prisões ocorram enquanto vigorar a lei marcial no país.

Enquanto isto os EUA permanecem silenciosos. Casa da poderosa quinta frota americana e importante base dos EUA na região, além de grande produtor de petróleo e localizado em uma área de interesse os EUA, próximo à fronteira iraniana, o Bahrein enfrenta uma crise sem precedentes e não seria surpresa que a chegada de “reforços” estrangeiros tenha ligação com a importância estratégica do país para os EUA.

Artigo publicado originalmente no site da revista Carta Capital.
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