Tropas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos entraram em
território barenita na última segunda-feira 14, supostamente a pedido do
Rei do Bahrein, Hamad bin Isa Al Khalifa, para conter os protestos que
vem paralisando o país há um mês, desde o dia 14 de fevereiro,
inspirados nos protestos que depuseram os ditadores da Tunísia, Zine
Abdine Ben Ali, e do Egito, Hosni Mubarak.
Enquanto o mundo se voltava para a situação na Líbia, onde os
rebeldes começam a recuar frente às forças do Coronel Khadafi, ao menos
mil soldados sauditas e 500 policiais dos Emirados Árabes Unidos
chegaram ao Bahrein. Segundo fontes internacionais, trata-se de tropas
do Conselho de Cooperação do Golfo, organização supra-estatal composta
por seis países da região (Bahrein, Arábia Saudita, Omã, Kuwait, Catar e
Emirados Árabes Unidos).
O Bahrein vem sendo sacudido por protestos diários, especialmente em
torno da Rotatória Pérola, no centro de Manama, capital do país, mas
também em outras cidades e vilas. Na semana passada uma manifestação em
Manama reuniu pelo menos 100 mil pessoas, ou um quinto da população de
todo reino, demonstrando o nível da insatisfação da população com os
rumos do país.
Milhares de xiitas (que compõem cerca de 70% da população) demandam
reformas políticas e sociais profundas no país dominado por 30% de
sunitas. Os xiitas se sentem excluídos e não tem acesso aos melhores
cargos e mais relevantes postos da administração e a insatisfação
explodiu tendo como modelo as revoltas que se espalham pelo Oriente
Médio e Norte da África.
Com a escalada de violência a posição dos manifestantes se
radicalizou. Das exigências iniciais que incluíam uma reforma na
legislação do país e a demissão do governo, comandado por Khalifa bin
Salman al-Khalifa, tio do Rei, os manifestantes passaram a exigir que o
Bahrein se transformasse em uma monarquia constitucional, mas agora são
ouvidos gritos contra a monarquia como um todo.
A chegada de tropas sauditas foi encarada como uma invasão pela oposição Xiita do Bahrein e recebida com preocupação pela ONU.
A invasão, porém, tem precedentes, assim como os levantes contra a
monarquia. Em 1994 tropas Sauditas invadiram o Bahrein para garantir a
segurança do Rei frente a um protesto de xiitas. Obviamente, as
manifestações de hoje diferem das anteriores não só em número, mas se
colocando em conjunto e em sintonia com protestos por toda a região. Não
se trata de um processo isolado e unicamente doméstico, mas em um
processo que se espalha por todo o Oriente Médio e pode vir a ter
grandes consequências no futuro.
Apesar do aparente convite às tropas estrangeiras, é incerta a
capacidade de ação das tropas e o efeito jurídico a longo prazo, assim
como possíveis responsabilizações pelas mortes de civis barenitas que
possam vir a ocorrer. Segundo analistas, em caso de violência das tropas
estrangeiras, caberia intervenção da ONU e ações no Tribunal Penal
Internacional (TPI). Ademais, dada a correlação de forças, qualquer tipo
de “convite” que porventura tenha sido feito sempre poderá ser
interpretado apenas como resultado de pressão bem colocada por um país
muito mais forte frente à sua periferia imediata.
A oposição xiita chama de ocupação ilegal a chegada de tropas
estrangeiras e de uma conspiração contra civis desarmados e teme o
aumento da repressão e das mortes. Oficiais da ONU vêem com apreensão a
movimentação de tropas e a possibilidade de, senão uma guerra civil, um
banho de sangue desproporcional. No dia seguinte à chegada das tropas
estrangeiras, pelo menos 5 barenitas foram mortos e centenas ficaram
feridos em confrontos pela capital, numa escalada significativa da
violência no país.
A situação geral no Bahrein é de apreensão, segundo a ativista Doreen
Al Assad, baseada em Manama, balas de borrracha e gás lacrimogêneo são
atirados a todo momento contra manifestantes e que boa parte das ruas
estão bloqueadas por tropas.
Escolas e universidades permanecem fechadas, exceto em caso de
intervenção governamental, para tentar passar uma imagem de normalidade.
Conflitos esporádicos acontecem em diversas partes de cidade e boa
parte das pessoas não consegue chegar ao trabalho.
A população, temendo o pior, começou a estocar alimentos, água e
bebidas, enquanto a mídia estatal tenta esconder o óbvio e elogiando a
intervenção, veiculando imagens da chegada das tropas sauditas acenando
para o público e fazendo sinais de paz.
Outro motivo de apreensão é o possível papel do Irã em meio à uma
intervenção Saudita. O Bahrein faz fronteira e é ligado fisicamente
através de uma ponte à Arábia Saudita, mas a maior parte da população é
religiosamente ligada ao Irã, ambos são países de maioria Xiita, o que
pode ajudar a desequilibrar ainda mais uma situação já complicada.
Apesar de persas, os Iranianos consideram o Bahrein, árabe, como sua
área de influência natural.
Mesmo na Arábia Saudita começaram protestos, em diversas regiões, de
sua minoria Xiita, que se rebela contra a situação de exclusão que
encontra amplo paralelo com a barenita.
Segundo a jornalista e ativista barenita Amira Al Hussaini, a rede de
TV estatal, depois da chegada das tropas estrangeiras, se limita a
repetir clipes de danças e músicas patrióticas enquanto a internet tem
sido severamente limitada e sua velocidade foi reduzida ao ponto de
quase impossibilitar a navegação. A mesma ativista teve a vida ameaçada
por uma célula terrorista local na tarde da quinta-feira, despertando
preocupações de outros interesses estariam em jogo na crise do Bahrein.
A tensão é palpável no Bahrein enquanto manifestantes reunidos na
Rotatória Pérola – epicentro dos protestos no país, nos mesmos moldes
que a Praça Tahrir, no Cairo – pedem a suas mulheres e crianças para
irem para casa, pois sentem o perigo se aproximando. Segundo Al Assad,
os manifestantes estão prontos a resistir, mesmo que sejam alvos de
tiros e de violência por parte das tropas estrangeiras. O temor
generalizado é o da possibilidade de um genocídio patrocinado pelo Rei
do Bahrein e pelas tropas estrangeiras, que podem agir impunemente no
território.
Postos de gasolina estão fechados, há o perigo de cortes de energia e
do fornecimento de petróleo. Pessoas que se aproximam de tanques ou
policiais correm o risco de serem baleados, assim como quem sai em grupo
durante a noite.
Desde terça-feira (15) um toque de recolher foi imposto pelo regime,
válido das 4 da tarde às 4 da manhã, ainda que esta atitude não tenha
servido para evitar novos e violentos confrontos na capital. Enquanto
isto, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi
Pillay, denuncia a tomada dos hospitais do país por militares, que
desta forma impedem que manifestantes feridos recebam ajuda médica, em
clara ofensa ao direito internacional.
Na quinta, dia 17, seis importantes líderes da oposição (cinco xiitas
e um sunita) foram presos durante a madrugada e há o temor de que os
prisioneiros sejam torturados e de que novas prisões ocorram enquanto
vigorar a lei marcial no país.
Enquanto isto os EUA permanecem silenciosos. Casa da poderosa quinta
frota americana e importante base dos EUA na região, além de grande
produtor de petróleo e localizado em uma área de interesse os EUA,
próximo à fronteira iraniana, o Bahrein enfrenta uma crise sem
precedentes e não seria surpresa que a chegada de “reforços”
estrangeiros tenha ligação com a importância estratégica do país para os
EUA.
Artigo publicado originalmente no site da revista Carta Capital.
Blog de comentários sobre política, relações internacionais, direitos humanos, nacionalismo basco e divagações em geral... Nome descaradamente baseado no The Angry Arab
sábado, 19 de março de 2011
Crise no Bahrein: Intervenção estrangeira e protestos populares
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2011-03-19T13:30:00-03:00
Raphael Tsavkko Garcia
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