segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Crise grega: Papandreou é o Jânio Quadros que deu certo?

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O primeiro-ministro grego, Giorgos Papandreou, venceu mais uma no seu teatrinho grego perfeitamente encenado. Conseguiu sua esperada aprovação no parlamento, que reafirmou mais uma vez sua confiança no governante. Uma vitória para ele, para a União Européia e, principalmente, para os bancos.

Há alguns dias Papandreou surpreendeu o mundo com o anúncio de que iria realizar um referendo para que a população decidisse se a Grécia iria aceitar os termos impostos pela UE para o salvamento (sic) do país.

Revolta de um lado, surpresa do outro, muita confusão... Mas, no fim, uma farsa muito bem ensaiada. Papandreou é o Jânio Quadros que quase deu certo.

Suas bravatas, ao contrário das do ex-presidente brasileiro, foram engolidas. Não pelo povo, mas pelo parlamento, o que escancara que tipo de democracia a Europa adotou para resolver seus problemas.


Primeiro ato

Sua tentativa-farsa de um referendo para que a população decidisse o futuro da Grécia, o pagamento das dívidas feitas e a aceitação de novos "pacotes" financeiros lembrava em muito os referendos feitos na Islândia em que a população soberanamente decidiu que não iria aceitar pagar pelas dívidas contraídas por seus bancos.

Os islandeses se recusaram a permitir que o governo pagasse, com dinheiro do povo, o rombo que seus bancos causaram. Os bancos eram os responsáveis e não cabia à população pagar pelos prejuízos que especialmente o Reino Unido e a Irlanda tiveram. E as "terríveis conseqüências" anunciadas por estes e outros países, até o momento, não se concretizaram.

Hoje, a Islândia está em franca expansão, com uma constituição escrita colaborativamente pela população e experimentando os benefícios da democracia participativa, e não a "democracia" dos bancos e das organizações financeiras internacionais.

Uma derrota doída para o mercado que, obviamente, não podia permitir uma repetição que se tornasse a regra.



No caso grego, nem a própria população acreditou em seu primeiro-ministro. E estava certa.
As primeiras reações de incredulidade deram lugar à revolta: por que o referendo não ocorreu meses antes, no início da crise, antes de todos os cortes, de todos os sacrifícios?
Não é tarde demais? Sacrifícios, claro, sentidos apenas pela população e com o objetivo de salvar bancos da falência.

É o fim do primeiro ato, onde o primeiro-ministro fingiu tentar enganar a Europa para salvar seu povo.

Agora começa a tragédia.


Segundo ato

A população duvidou e estava correta. Logo a Europa começou a reclamar, manipulados pelos verdadeiros líderes da União Européia (os bancos e o "mercado"), a tão famosa mão invisível que, no entanto, nunca foi tão visível e facilmente reconhecível.

A encenação contou com o apoio de um indignado Sarkozy, de uma sentida Merkel, em um show de atuação que faria os antigos gregos sentirem orgulho, ou mais provavelmente nojo, do resultado.

Chegaremos ao ponto em que mesmo o Parthenon será vendido para o pagamento de dívidas nunca feitas pelo povo, mas em seu nome?

Antes de deixar a poeira baixar, o golpe. O parlamento grego finge revolta e vota uma moção de confiança contra Papandreou, ameaçando tirá-lo do cargo por ter, subitamente e sem consulta, decidido ouvir o povo.

É o momento em que o futuro de Papandreou e da Grécia poderia ser definido, assim como a convocação de novas eleições, o que, em tese, seria a oportunidade de a população grega demonstrar sua insatisfação com os rumos do país. Na impossibilidade de um referendo, ao menos uma eleição com praticamente o mesmo caráter decisivo.

Com tudo ensaiado e todos os atores em seus lugares, o show continuou.


Terceiro ato

Nunca saberemos que acordos foram feitos, e como foram feitos, entre Papandreou, o seu partido PASOK e a "oposição de direita", mas conhecemos bem o resultado.

Contra todas as expectativas que nos vendia a mídia internacional, sempre aliada do poder, Papandreou recebeu a esperada confiança do parlamento e, renovado momentaneamente, demonstrou sua força ao ponto de anunciar que a idéia do referendo será descartada, de quebra, anunciando que tentará formar um "governo de coalizão", ou seja, tentará aproveitar o clima para juntar todas as forças dispostas a prostituir a Grécia em troca de migalhas.

Mas a confiança recebida pelo parlamento grego foi apenas suficiente para que um novo personagem surgisse, um novo primeiro-ministro a ser apontado em conjunto pela recém-nascida coalizão ampla no parlamento, uma coalizão que não interessa ao povo grego.

Uma peça perfeitamente encenada, com doses de surpresa, suspense e, claro, um final feliz (ao menos para alguns) em que o romance ficou a cargo do namoro entre políticos interesseiros e a Grécia, com seus "parceiros" europeus prontos a dilapidá-la em troca da sobrevivência da elite local.

Mais "ajustes", mais cortes e nenhuma eleição, nenhum referendo, apenas a aceitação das regras draconianas impostas. Quanto mais democracia, mais ameaçado se sente o mercado, por isso a democracia precisa de limites, e assim o sistema continua funcionando... Para uns, para poucos.


Ato Final

Papandreou tentou se salvar, mas caiu. Saiu por cima, tendo conseguido a tão sonhada coalizão para submeter a Grécia definitivamente ao mando dos bancos europeus. Seu sucessor, Lucas Papademos, é ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, o que diz muito por si só.

Uma nova eleição será convocada, mas apenas em meados de janeiro ou fevereiro, após todos os “pacotes de ajustes” serem aprovados e enfiados goela abaixo do povo grego.

Os políticos venceram; os gregos foram derrotados.

Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania
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