segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Satyros irá fechar: Viva a "classe média medíocre"

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"A especulação imobiliária tem duas consequências. A primeira é visível e numérica: são os aluguéis exorbitantes. Depois de seis meses de alugueis atrasados, estamos, enfim, regularizando as contas. Meses e meses os artistas sem receber nada, pois tínhamos só contas em atraso. Dificuldades mil.
Mas nunca tivemos medo da falta de dinheiro. Isso não nos impede de ter vontade de lutar pelo espaço. Mas há outra coisa ainda pior. A crise de identidade que a Praça enfrenta hoje.
Os novos moradores, aliados aos antigos vingadores, sonham que a Praça se transforme no Itaim Bibi do centro. Mas isso não tem nada a ver com o histórico dela vindo lá dos anos 50 e 60, nem com a chegada dos skatistas, nem com o que os teatros fizeram para sua recuperação. Alguns querem que a Praça seja um local tranquilo para a moradia, algo como uma Perdizes controlada, com bares cult para bons moços frequentar até certa hora e boas instalações para novas padarias badaladas com nome afrancesado...
Até algumas pessoas que se dizem de esquerda estão caindo nesse jogo também. Estamos isolados. O que a Praça Roosevelt quer ser para a cidade e qual é o nosso papel nisso? Essa é a questão principal. Nós contribuimos para uma transformação radical de uma das regiões mais deterioradas da cidade e agora a classe média-medíocre quer transformar esse espaço no seu quintal, mais preocupados com o cachorródromo do que com a força cultural que ela pode trazer para a cidade...
Isso nos inquieta de verdade. Estas pessoas tão bem educadas são muito mais difíceis do que os traficantes que tivemos que enfrentar quando chegamos à Praça, na época em que éramos ameaçados de morte, e não de morte espiritual."
Rodolfo García Vázquez, diretor dos Satyros
Depois de ler este texto do diretor d'O Satyros eu realmente deixei de lamentar a saída do grupo da Praça Roosevelt e me limito adesejar boa sorte. Não voltem mais.

Eu não sabia que dormir era coisa de burguês. Que só burguês tinha direito a desncasar, a ter silêncio...

Aliás, acho que para Vázquez, a palavra "direito" não se encaixaria aqui, ou talvez "direito" seja, para ele, também uma noção burguesa.

Mas de uma coisa tenho certeza: Vázquez e sua trupe se acham os salvadores da praça. Só eles. E como pagamento, nós, moradores, devemos nos submeter à tudo que sua trupe decidir fazer, seja desmontar palco as 2 da madrugada, seja aguentar dias a fio com barulho praticmente 24h por dia porque suas atividades são mais importantes que a dos milhares de moradores, assim como nosso sossego.

Pior de tudo, o Satyros - tirando um Satyrianas aqui e outr ali - nunca foi motivo de reclamações ou de transtorno. Nosso problema maior é com o Parlapatões.... Pelo visto tomaram as dores dos outros.

O histórico da praça, caro Vazquez, não é o que você afirma estar preservando, não é a vida que você afirma ter dado. Reconheço, e creio que seria impossível fazer o contrário, o papel do Satyros na revitalização mais recente da praça, mas ela já teve muitas caras. Foi velódromo, depois o primeiro estádio de futebol de São Paulo, onde se jogaram os primeiros campeonatos paulistas - e de todo o Brasil -, foi estacionamento, espaço para feira e depois, na Ditadura, foi praça de concreto, horrível, até se deteriorar, como todo o centro depois de passar pelas mãos de Maluf e correlatos.

Acabou degradada, e foi recuperada não apenas pelo Satyros - que teve sim papel nisso tudo - mas também pelos outros teatros, bares, barbearia, pelo moradores antigos e que foram chegando, enfim, pela comunidade que vive na e da Praça Roosevelt.

Aliás, os skatistas chegaram aqui MUITO antes de vocês sonharem em abrir seu(s) espaço(s).

Acho interessante alguém que critica os "burgueses" e se diz - pelo que entendi - de esquerda, querer posar como grande salvador, individual, da região. E alguém que se coloca ACIMA da comunidade, como se seu negócio - que coisa burguesa, não? - estivesse acima do bem e do mal, acima de críticas e não precisasse ouvir ninguém.

Infelizmente, meu caro Vázquez, são milhares os moradores da Praça, e mesmo muitos comerciantes fazem questão de respeitar esta imensa comunidade, não passando a madrugada inteira abertos, como faz o insuportável Parlapatões.

Respeito e comunidade são apavras que o "esquerdista" parece não compreender. Vale o egoísmo e o egocentrismo do nosso salvador.

Sabias, meu amigo, que há moradores que vivem na praça há mais de 50 anos? Muitos vivem aqui desde antes de sua salvação? Sim, reconhecemos sua importância, mas não elegeram (nem elegemos) o Satyros como líder inconteste e plenipotenciário.

Temos sim o direito de dormir. Seja pela lei, que impõe limites à farra de uns pelo bem de outros, seja pela desconhecida noção - para você e outros - de COMUNIDADE. Você tem todo o direito de festejar, de atuar, de tocar seu negócio, mas este direito é limitado pelo nosso de viver em paz.

Noção burguesa? Paciência.



E não se engane, nobre salvador, a reforma da Roosevelt não veio pelos seus lindos olhos, mas também pelo trabalho de muitos burgueses que vivem na praça. Ora, somos todos burgueses, não? Afinal, queremos dormir! Um disparate!

Me recordo da Satyrianas, da música alta o dia inteiro por mais de três dias, da gritaria madrugada adentro (mais por culpa do Parlapatões que de vocês, admito, mas ainda assim, o público era de vocês e apenas foi para outro espaço quando a festa deveria terminar) até o cúmulo de, em pleno domingo, 11 da noite, termos de aguentar um palco virado para nossas janelas com um filme altíssimo passando.

Desci - eu e outros moradores - para conversar e fomos tratados como imbecis. Promessas vazias de que no próximo Satyrianas teríamos pelo menos espaço para debater o evento, o formato, seguido de horas de desmonte do palco, madrugada adentro, para nosso desespero. E agora somos a "classe média medíocre".

É esta relação que pregas? Foi para isso que você "salvou" a praça? Obrigado, mas não, obrigado.

A praça não passa por "crise de identidade" alguma, mas tem muitas identidades, tem muita história, muitas idas e vindas. Mas sua identidade principal é a de ser um polo de atração, de passagem, e um local de convivência, esta que vem sendo abalada pelas madrugadas festivas do Parlapatões, por Satyrianas que ultrapassam os limites da convivência, enfim, por quem acha que é dono do local a despeito de milhares de donos.

Um trexo de seu ridículo e vergonhoso discurso pseudo-esquerdista me chamou à atenção:
Alguns querem que a Praça seja um local tranquilo para a moradia, algo como uma Perdizes controlada, com bares cult para bons moços frequentar até certa hora e boas instalações para novas padarias badaladas com nome afrancesado...
Veja bem que absurdo, nós queremos um local tranquilo para morar! Sentimos muito se incomodamos seu "direito" a algazarras noturnas de gritos e música alta, de bêbados berrando uns com os outros, de garrafas sendo jogadas e de desrespeito total. Sim, nós queremos horários, queremos limites, queremos, enfim, respeito.

Se abrirão padarias afrancesadas ou não, pouco me importa, ainda que eu preferisse uma padaria de verdade, já que o pão dos mercadinhos próximos é uma porcaria, mas é a vida. Podemos até reclamar, lamentar - como com a saída da HQ Mix para dar lugar a mais um bar - mas não apontar o dedo para quem mora na praça e nos culpar pelos SEUS problemas.

Não esqueça, nós também frequentamos seu espaço. Ou, ao menos de minha parte, frequentava.

Nós jamais dissemos para vocês o que fazer dentro de seus espaços, mas não estamos falando de um espaço privado, de um espaço do Satyros, estamos falando de um espaço público.

Repito: PÚBLICO.

E em espaços públicos é preciso seguir certas regras para que todos possam utilizar o espaço e para que este não invada nem o seu direito dentro de seu espaço privado, nem o nosso em nosso espaço privado.

O que você acharia se, no meio de seus espetáculos, moradores invadissem com músicas altas e sem relação com o que se passa em cena, gritando e tumultuando? Gostarias disso? Pois é a mesma coisa que você e outros vem fazendo.
Por fim, um pensamento: É exatamente a "classe média medíocre" que frequenta suas peças, aliás, você acha que faz parte de qual classe? Achas que seu teatro "experimental" também não é hype? Ou que apenas moradores das periferias e das favelas, ou as travestis que você com tanto orgulho disse que ocupavam o lugar, mas que o Satyros entrou em confronto e negociou (sua saída ou invisibilidade) frequentam seus espaços?

Reconheço seu direito a se revoltar por se sentirem expulsos - pelo preço do aluguel, sejamos honestos -, mas não reconheço ou respeito seu chilique infantil e estúpido de querer rotular como classe média ou medíocres todos os milhares de moradores que não aguentam mais ser desrespeitados e testados, proibidos de dormir ou descansar pelo seu suposto direito de usar de um espaço público como se fosse seu, como se fosse privado.
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