quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Maracanã perde a sua alma

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Ao custo de mais de um bilhão de reais (R$1,3 bilhões) o Maracanã, ou Estádio Mário Filho, foi mais uma vez reformado. Desta vez, porém, foi desfigurado, diminuído, tornado uma "arena", modernizada e sem alma.

Não iremos nunca mais entrar no Maracanã e nos surpreender com seu tamanho, com sua beleza. Entrar no Maracanã era uma experiência única, era ficar boquiaberto, sem fôlego quando lotado, com duas torcidas ocupando cada espaço de seu interior. Era uma experiência única para a torcida e para os times e nunca era igual a experiência de ir ao grande templo do futebol brasileiro.

Mais que um cartão postal, era um símbolo e uma referência, a alma carioca e da pátria de chuteiras. Hoje resta apenas a casca. Uma casca superfaturada que será praticamente doada ao Eike Batista pelo governo do PMDB e PT. "Comprado" por nem bem 10% do valor da última reforma. Um prejuízo em todos os sentidos, tanto material quanto afetivo. Por 181 milhões, Eike será dono do Maracanã por 35 anos, lucrando 150 milhões por ano, e não mais o povo, não mais o torcedor.

Hoje o que resta é um Cabralzão, um Maracarena, um estádio acanhado, apenas uma casca vazia, comportada, onde torcedores poderão (deverão?) torcer de acordo com o que manda a FIFA, sentados, quietos, como bons europeus. Quem tiver dinheiro para pagar as entradas, obviamente, o objetivo das novas arenas é a de garantir que o pobre não mais tenha acesso e se misture com a elite.

Um dos últimos espaços populares efetivamente dignos deste nome, o Maracanã e diversos outros estádios pelo país estão sendo elitizados, transformados em simulacros do país que sonha o PT - se este realmente elevasse a renda ao invés de maquiar dados reduzindo a renda necessária para se considerar um indivíduo de classe média, a classe que em tese deveria frequentar os estádios.

Os estádios da copa são, aliás, apenas a ponta do iceberg na onda privatizante do PT de Dilma e de Lula. Nosso petróleo está sendo vendido para o mesmo amigo Eike, que já é dono de marcos como o Hotel Glória e planeja destruir a Marina da Glória e o Aterro, nossos aeroportos estão sendo virtualmente doados para empresas estrangeiras, nossas estradas estão sendo vendidas no mesmo modelo que o PSDB as vendia em São Paulo (e eram criticados, vejam só, pelo PT)... Dentro de pouco tempo o que nos restará?

O Maracanã é mais um símbolo que se vai, que é privatizado, descaracterizado, destruído.

Ao lado dele se vão ainda os estádios de atletismo e natação, históricos para suas respectivas modalidades, mas obsoletos no novo projeto privado. Ainda no mesmo complexo que tantas alegrias nos trouxe fica o Museu do Índio, casarão antigo e importante em nossa história há anos ocupado por indígenas que pleiteavam um verdadeiro museu, ou mesmo um centro de ensino para seus povos.

Foram removidos com violência. Tentaram resistir, a população ao seu lado tentou resistir, mas a força do capital e a força motora da destruição de tudo que parece obsoleto e incapaz de gerar lucros àqueles que financiam as campanhas de políticos venceu.

Os índios foram expulsos, a vida do local foi expulsa e, como o Maracanã, restou apenas uma casca vazia.

Fala-se que o Maracanã, construído em 1950, foi um dos responsáveis pelo fim ou pelo início do fim dos clubes menores do Rio. Os grandes não iam mais aos bairros, mas os pequenos tinham que ir ao Maracanã para jogar longe de suas torcidas. Hoje apenas América, Bangu e Goytacaz ainda mantém torcidas que se mostram presentes nos jogos de suas equipes, os demais não empolgam.
 
Verdade ou não, é fato que a morte do Maracanã vem junto com o visível declínio do futebol no Rio de Janeiro. Presença pífia, rendas vergonhosas, resultados medíocres e nenhum interesse por parte da torcida ou das torcidas no campeonato que um dia foi o mais importante e forte do país.

A morte do Maracanã é também a morte do futebol carioca, da sua segunda morte, ou ao menos de seu declínio, da morte de sua alma, do abandono de sua história, de suas raízes.

A transformação inevitável do futebol carioca - mas este também é um fenômeno que percorre todo o país - em um futebol de e para a elite, com estádios pensados para o conforto de um grupo e não para a festa popular e para a mistura de classes e raças, passa pela destruição do estádio que por tantos anos foi o símbolo de nosso futebol alegre, habilidoso, apaixonante.

O Maracanã perde sua alma, e o futebol brasileiro se perde.

Publicado originalmente na edição impressa do Jornalismo B, número 54
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