segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rússia e a condenação da "propaganda do amor gay"

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Estava aqui pensando sobre esse papo russo de ser contra a "propaganda do amor gay"... 

É tosco em muitos sentidos, mas deixa eu ver se consigo analisar algo que me inquieta. Se a Rússia falasse que é contra a "propaganda gay" poderíamos até tentar interpretar as coisas. 

Não que fosse aceitável, claro, mas poderíamos ao menos tentar entender (e entender é o primeiro passo para encontrar formas de combater) o que se passa na mente de gente que vê perversão no "comportamento gay", que se incomoda com "atos" como beijos, carícias e mesmo o sexo entre gays.

O discurso de pastores homofóbicos e mesmo da Dilma vão nesse sentido, de não fazer "propaganda de opção sexual", o que equivaleria a não fazer propaganda de comportamentos considerados gays - já se abre um debate sobre quais seriam.

Enfim, a "propaganda gay" abre espaço para muitas interpretações. Algumas delas dialogáveis, outras apenas combatíveis. 

"Propaganda gay" pode ser qualquer coisa. 

Pode ser o incentivo (ilusório, claro) à homossexualidade por parte de ativistas que alguns fanáticos enxergam. Pode ser veicular imagens que levem o público a pensar na homossexualidade como algo atrativo (devemos ter em conta que para o homofóbico médio ninguém nasce gay, mas "se torna" gay)... 

No caso dos fanáticos mais radicais um beijo gay seria tão escandaloso quanto o sexo entre pessoas do mesmo sexo, mas aí já é outro assunto. Uma coisa é, dentro da tal "propaganda gay", você reclamar que não quer ver pessoas afeminadas (gays) ou masculinizadas (lésbicas) na TV, ou não quer ver troca de afetos entre pessoas do mesmo sexo e etc.... 

É ridículo? Sim. Mas é dialogável/combatível porque podemos entender exatamente contra o que estão lutando. 

Quando nos centramos em fatores objetivos, é possível não apenas buscar um diálogo, como também pensar em formas de combater. Quando falamos de fatores subjetivos entramos em um campo mais complicado. Este campo talvez se aproxime da ideia de "propaganda do amor gay".

Quando falamos em "propaganda do AMOR gay" a coisa complica. Tomemos como uma derivação subjetiva (e perigosa) da "propaganda gay".

Gente, os caras não tão "combatendo" algo mais ou menos palpável como imagens que incitem (sic), ou veiculação de discursos e etc, mas estão condenando algo abstrato, o AMOR! 

E isso poderia levar a ações como temos em países africanos, onde SER gay é, em si, um crime. Não se fala de troca de afetos em público, mas da mera potencialidade do indivíduo sentir afeto por alguém do mesmo sexo. 


Além do que, tem coisa mais tosca que você colocar em meio a frases e discursos de ódio que o que você odeia é o... amor? 

O caso recente nos Camarões onde um homem morreu na cadeia por enviar um SMS a outro homem por quem estava apaixonado é um exemplo. Dentro da concepção de "propaganda gay" talvez tal ato não pudesse ser criminalizado, oras, estamos falando de uma troca privada de afeto. Mas dentro da concepção de "propaganda de AMOR gay", temos uma questão. A Rússia chegará a esse ponto?

Não é dialogável, sequer é compreensível. Deve-se repudiar, combater com unhas e dentes e não sobra espaço para mais nada. 

No fim demonstra um grau de estupidez e fanatismo insustentáveis por parte da Rússia e é um perigo, pois é um discurso ainda mais perigoso do que o meramente contra a "propaganda gay", pois agrega um elemento abstrato com muito menos chances de se encontrar saídas.

É óbvio que a linha que separa ações e interpretações é tênue, no fim pode ser apenas um exercício teórico fútil tentar enxergar as diferenças, mas penso ser necessário quando estamos a beira da criminalização de abstrações e não de (supostas) atitudes. Quando mais um país, a Rússia, pode vir a seguir o caminho que diversos países africanos já vem tomando, o de criminalizar a mera existência dos gays baseado também em abstrações.
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