domingo, 7 de setembro de 2014

Do erro ao oportunismo: O Plebiscito Constituinte para a Reforma Política

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O Brasil precisa de uma Reforma Política. E também de um debate sobre modelos e critérios. Mas, de forma alguma, este debate pode ser apropriado por partidos e lideranças e usado ao bel prazer eleitoral ou como forma de calar a boca de setores da sociedade.

Tendo isto em mente salta aos olhos o oportunismo desse plebiscito pela reforma política que pede uma "constituinte exclusiva" para que tal reforma ocorra.

Não vou entrar no mérito da ilegalidade de uma "constituinte exclusiva" -  não existe meia constituinte, é ilegal -, e sim me ater ao uso dessa importante bandeira política pelo PT e movimentos alinhados - e que infelizmente conseguiu apoio de setores de esquerda críticos.

O PT, grande propulsor da ideia neste momento, teve 12 anos para impulsionar um debate verdadeiro sobre o tema, mas não interessava fazê-lo enquanto liderasse com folga as pesquisas e governasse tranquilamente. Junho foi um divisor de águas e como uma das pífias propostas de Dilma para acatar as reivindicações das ruas (sem acatar nenhuma efetivamente) veio (ou voltou) o tema da "constituinte exclusiva".

É interessante notar que das centenas de organizações que apoiam o tal plebiscito - cuja cartilha a favor cita expressamente Junho como base para sua convocação - podemos encontrar diversas que não apenas não participaram dos protestos de Junho (ou posteriores), como agiram para criminalizá-lo e mesmo apareceram vez ou outra na tentativa de cooptar a base das ruas (cito nominalmente PT, PCdoB, MST, Ubes, UNE....).

O debate - da reforma política - é antigo, a necessidade idem, o problema está no timing e no método.

Timing

Muitas das reivindicações de junho eram claras (ainda que os protestos tenham tido caráter difuso), dentre elas estava o clamor por serviços públicos de qualidade. Por educação, saúde, respeito aos direitos humanos, transporte gratuito... Enfim, muitas pautas caras à esquerda e históricas (que inclusive eram defendidas pelo PT antes deste chegar ao poder e jogar no lixo todas as suas bandeiras em prol da "governabilidade" e do flerte com a direita e a extrema-direita ruralista e escravista).

Ao invés de uma resposta a estas reivindicações, veio o tema da reforma política em um momento de crise de representação e de crise do PT. Ao invés de atacar os problemas imediatos, melhor atacar todo o sistema político a fim de retirar do PT qualquer culpa pelas suas ações - e pelas reações.

"Oras, é o sistema, estúpido! O PT nada pode fazer!"

Pois é, pode. Mas preferiu escolher o caminho mais fácil de culpar os outros - ou o sistema como um todo. É bom lembrar que parte considerável da "militância" petista ainda hoje demoniza os protestos de junho e os culpa pela péssima avaliação da presidente e o parto que passam nas eleições atuais.

Como justificar continuamente a manutenção de políticas contrárias às bandeiras históricas do partido? Como justificar privatizações, consumismo, ruralismo, espionagem contra movimentos sociais, cooptações, repressão quando as desculpas de sempre começam a não mais colar?

Especificamente falando no timing, é eleitoreiro. O PT preferiu queimar a carta importante da reforma política para sair da reta. Para tentar conquistar apoio dos simpáticos à reforma política nas eleições, a fim de ser o partido a liderar o processo. Isto tendo em mente que o PT pode perfeitamente jogar o resultado (se favorável) do plebiscito no lixo caso Dilma seja reeleita e consiga formar novamente uma base parlamentar ampla para continuar a privatizar e perseguir minorias.

Caminhamos a passos largos para o conservadorismo. Os evangélicos fundamentalistas ameaçam crescer e tem dado a última palavra em cada ação do governo Dilma, sem falar nos interesses de diversos grupos empresariais carnalmente ligados ao PT (e aos demais partidos do sistema). É este o quadro que espera uma reforma política com liberdade total para se mexer na constituição. Alguém realmente espera que o resultado prejudique os interesses de algum desses grupos? O PT irá se opor aos interesses de seus aliados e patrocinadores?

Método

De fato o tema da "constituinte exclusiva" não é novo (eu erroneamente pensava o contrário tendo esquecido que até FHC havia tocado no tema no passado, assim como Lula), mas continua sendo um modelo péssimo e perigoso.

Copio aqui resolução da Conlutas, com a qual concordo:
Portanto, não podemos dar aos parlamentares, que serão eleitos com as regras antidemocráticas atuais, nenhuma carta branca para reformar o sistema político, nesse momento. O mais provável numa Constituinte, na correlação de forças atual no Congresso Nacional, é que se imponha um retrocesso ainda maior às poucas conquistas democráticas que ainda temos.

O plebiscito não cumpre, portanto, um papel progressivo. Mais confunde do que esclarece. Não tem nenhuma relação com apontar uma saída que questione o modelo econômico atual, que promova as mudanças que as manifestações de rua trouxeram à tona.

Aliás, nem mesmo diz quais seriam as mudanças que a reforma política deveria fazer, o que mistura as proposta dos setores de esquerda e democráticos com as propostas da direita, que também quer uma reforma para diminuir a participação popular e o direito de representação ou mesmo existência de partidos de esquerda que tem conteúdo ideológico e programático.
O primeiro parágrafo é impecável: Iremos reformar a política elegendo os mesmos de sempre, com o modelo falido de sempre? O que sairá daí?

O nosso atual modelo propicia o voto de cabresto, o voto em "celebridades", em puxadores de voto, o voto fisiológico... Conhecemos bem como funciona. E é usando este modelo que iremos eleger quem irá "melhorar" o sistema político?

Duvido muito.

Mas vou além. Em 1988 havia uma esquerda forte, atuante e ideológica para propor e também para barrar grandes absurdos propostos pela direita. Quem, hoje, seria essa esquerda? Não o PT.

O PT está sempre pronto e disposto a aceitar todas as exigências de seus aliados ruralistas, evangélicos fundamentalistas, banqueiros, empreiteiras... Iremos confiar neste partido para capitanear uma reforma política? Quem irá segurar a direita não será, sem dúvida, o PT, que hoje nada a amplas braçadas para (e com) a direita.

Os eleitos para uma "constituinte exclusiva", tendo em mente a configuração política atual, as pressões, o crescimento do eleitorado fundamentalista e as alianças da ex-esquerda com a pior direita, seriam francamente conservadores. Isto basta para acabar com qualquer ânimo de quem é efetivamente de esquerda. De que importa que políticos com mandato não possam concorrer? Alguém acha que o PSC tem apenas o Feliciano na manga? Ou que o Malafaia, o Edir Macedo, os Ruralistas e outros não tem candidatos guardados para quando precisarem?

Pressão

É preciso pressão das ruas para uma reforma política, mas não uma carta branca, uma "constituinte exclusiva". Não é aceitável que entreguemos o poder popular e a vontade popular para que funcionários de mega-empresas e de templos religiosos mudem a constituição ao seu bel prazer.

Temos duas saídas: A pressão popular para que o congresso debata e vote uma reforma política que seja também amplamente debatida com a sociedade dentro dos marcos atuais e da legislatura atual (imagino que junto à próxima legislatura, dado que as eleições estão aí) ou a discussão junto à sociedade e organizações/movimentos sociais de um modelo de reforma política popular que possa ser apresentado ao congresso e então haja pressão por sua aprovação (qualquer semelhança com o Ficha Limpa não é coincidência).

O que muda é de onde nasce o projeto, se diretamente do congresso ou se da sociedade para o congresso, mas não muda a necessidade de pressão popular. Porém, estes dois modelos, por assim dizer, tem em comum o fato de não darem uma carta branca via constituinte ao parlamento, mas de manter garantias mínimas e respeito a atual constituição, alterando nela aquilo que for necessário, mas impedindo qualquer mudança prejudicial por uma maioria simples.

A constituição de 88, pese inúmeros problemas, garante uma gama de direitos que, se fosse hoje, dificilmente seriam mantidos/adotados, tanto pela vontade do PT quanto de seus aliados. Logo, não podemos permitir que seja alterada impunemente, sem qualquer restrição e controle sob a desculpa (falsa) de que o que os partidos dominantes querem uma reforma política. Se querem, porque não a fazem?
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