terça-feira, 2 de setembro de 2014

Marina Silva: A alternativa que não é... uma alternativa

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Marina pró-LGBT? É ver pra crer...
Retomo novamente ao tema Marina Silva, tentando ampliar discussões iniciadas no Facebook e complementar meu post anterior sobre ela a luz dos recentes acontecimentos.

Espelho

Marina joga no vácuo criado pela disputa PTxPSDB, mas não difere substancialmente deles. Seu discurso, no entanto, é modulado para parecer que é novo, que é outro. Marina não tem nada de novo,  é mais do mesmo. Mas ela soube se colocar.

Pode-se dizer que economicamente Marina seja um pouco mais (neo)liberal que o PT, mas o tom das críticas e a hipocrisia com que são feitas apenas dá forças ao projeto marinista. Como levar a sério quem critica Marina por se aliar ao Itaú quando foi este banco o quarto maior doador de Dilma? Ou as críticas de que ela seria aliada do empresariado e da elite, quando Dilma garantiu a estes setores lucros históricos? Se Marina e privatista, Dilma não fica atrás.

Marina se coloca acima de partidos e de candidatos/adversários. Elogia uns, critica outros, não se mete em briga e não se deixa rotular. Isso agrada ao eleitor médio.

E é sempre bom lembrar que qualquer crítica feita pelo PT à Marina serve como um espelho. E o PSDB não está muito melhor na situação. Seu candidato, Aécio Neves, é ridiculamente fraco, artificial e não empolga nem sua própria "militância".
"Como para Dilma a política é irrelevante, já que no final com as transformações econômicas promovidas todos lhe dariam razão, tudo que envolve um conflito é deixado de lado em torno da viabilidade desse projeto desenvolvimentista. Pior: Dilma fez preponderar no PT, que era um partido razoavelmente afinado com a causa ecológica, a mentalidade de que a preocupação ambiental está em conflito com o desenvolvimento social."
Os limites da disputa PTxPSDB

Importante notar que tudo que o PT faça o PSDB critica. E tudo que o PSDB faça, o PT critica. Ainda que, no fim, as práticas de ambos seja semelhante. Marina, ao sair dessa lógica de "tudo que o outro faz é ruim e só eu sou o bom" cria um escudo fantástico contra os ataques vindos contra ela.

A Marina de 2010 está morta e enterrada, pro bem ou pro mal, mas é em parte a imagem dessa Marina que mantém um eleitorado fiel enquanto ela tenta realizar algumas mudanças no discurso para agregar novos eleitores. E isto vem funcionando não apenas por ela ou por sua capacidade de mediar conflitos e de enrolar discursos, mas porque a política tradicional, PT e PSDB estão no limite.

A posição de Marina a torna imune a ataques, pois a população cansou. Cansou de apenas ataques, de picuinhas, de "tretas" eternas que, no fim, pouco diferenciam situação e oposição. Os ataques acabam fortalecendo a posição murista da Marina. É possível que num segundo turno o clima esquente e com apenas um adversário ela seja forçada a descer do muro e se posicionar mais claramente sobre diversas questões, mas por enquanto a tática tem funcionado às mil maravilhas.

Marina posa com sua imagem de alternativa em 2010 como a saída deste marasmo. Aos não pré-convertidos ela modula seu discurso. Quer "unidade", "união", que "todos trabalhando" e repudia rótulos.

Oras, em geral o repúdio a rótulos e a chamada eterna por unidade está atrelada à direita que tem medo de se mostrar. E sim, Marina é uma candidata que economicamente se coloca à direita e que em 2010 também estava neste campo no social. Hoje seu discurso social mudou, ela parece ter uma maior compreensão dos direitos humanos, desistiu da ideia absurda de plebiscito para direitos humanos (ao menos para alguns itens, retomarei o tema no fim do artigo), mas é bom lembrar que tudo isto é apenas em tese. Aliás, Marina continua defendendo absurdos como, por exemplo, plebiscito para o DIREITO ao aborto e legalização das drogas.

E PTxPSB/Marina

Questão é que a Marina no campo das ideias é teoricamente melhor que a Dilma/PT na prática, e isso explica o porque de muitos ativistas terem se bandeado para seu lado. Dilma é a certeza de um governo péssimo na área dos direitos humanos, a Marina é uma incógnita, uma pedra bruta a ser lapidada, uma pessoa supostamente mais aberta ao diálogo e ao contraditório (oras, sua mudança de 2010 pra cá seria uma mostra disso). E digo tudo isso sobre a Marina não por confiar nela - não confio, mas simplesmente porque Marina nunca governou, então não sabemos efetivamente como seria seu governo. Podemos apenas imaginar.

Confesso que entre a certeza e a dúvida, não prefiro nenhuma delas, mas compreendo quem aposte pela dúvida.

Penso que só um milagre ao melhor estilo Russomano tira da Marina a presidência, mas alerto, não esperem grande coisa de um governo de transição e sem propostas para além de ser “diferente”. Marina não é de esquerda, seu ambientalismo hoje não é mais que fachada. Mas isso parece pouco importar.

Como comentou o Mauricio Caleiro :
Em primeiro lugar, há de se ter claro que a candidatura de Marina Siva não anula uma das características mais preocupantes das eleições 2014: a constatação de que, a rigor, elas não oferecem ao eleitor uma candidatura competitiva de esquerda. Isso se deve, sobretudo, à primazia que as três candidaturas com chance de vitória concedem, com insignificantes nuances entre si, a um modelo econômico de origem neoliberal e que privilegia os interesses do mercado financeiro em detrimento aos da população.

Tal modelo baseia-se no propalado "tripé econômico", constituído de metas pré-definidas de inflação, dólar flutuante (ou seja, sem intervenção estatal no sentido de manipular a taxa de câmbio) e rigor fiscal, traduzido em metas para superávit primário (a relação entre receita e despesas, excetuadas aquelas dispensadas ao pagamento de juros da dívida pública).
[...]
Enquanto Aécio levaria esse modelito neoliberal ao limite e Dilma o tem transigido eventualmente, manipulando índices aqui e ali, mas, com a covardia característica, sem jamais assumir uma postura critica em relação a ele – pelo contrário, ela não cansa de jurar estar sendo fel ao tripé -, Marina já deixou claro que o manterá ao pé da letra.
Marina é uma alternativa que não é. Acaba (momentaneamente?) com a disputa PT/PSDB, mas não traz nada de novo. Não traz nenhuma nova forma de fazer política, não traz projetos relevantes ou novas ideias. Pelo contrário, traz e aplica o mesmo receituário antigo, mas vence por ter uma imagem que a descola do "velho".

Marina, como Dilma, tem um discurso para cada grupo a quem se dirige, muitas vezes discursos contraditórios, mas enquanto Dilma e sua candidatura perdem força, Marina cresce.

E, pasme, o discurso que muitos apoiadores de última hora de Marina adotam é o mesmo que elegeu Dilma em 2010: O mal menor. Só que para um público mais amplo Marina vem travestida de esperança, ainda que menos que em 2010. É preciso nunca esquecer, porém, que o "mal menor" continua sendo o/um "mal".

Marina não representa Junho, mas apenas um Lulismo Radical

E é bom lembrar, Marina adotou um discurso de "novo" que, no fim, nada mais é que um lulismo radical ou radicalizado. 

Certo ou errado, Marina canalizou o descontentamento com a política e a classe política muito baseado em quem era em 2010. Ela soube se atualizar. Se apropriou de Junho, fingindo-se de oráculo da juventude revoltada, mas sabendo se descolar daquilo que Junho trouxe de incômodo. Sob Dilma caiu o peso da repressão de Junho, sob Marina o sentimento de mudança.

E, lembrem-se, Marina NÃO representa junho. Não representa as ruas, não encampa suas bandeiras. Mas soube se apropriar daquilo que lhe interessa do discurso e, acima de tudo, da revolta.

O que quero dizer com tudo isso? Simples: Não importa quem ganhe, teremos de continuar mobilizados para combater. Para alguns há espaço para diálogo com Marina no poder, não sei, mas concordo que com Dilma este espaço não existe. Estaremos trocando o certo (e ruim) pelo desconhecido, mas fiquemos atentos, pois este desconhecido pode ser tão ruim quanto o que temos hoje.

Mas há (ou haverá), enfim, a possibilidade de um espaço para a esquerda respirar e se reorganizar. A esquerda precisa renascer, se reinventar.

Como, novamente, disse o Caleiro (e recomendo fortemente que leiam o texto dele):
[...] impedir a continuidade do governo Dilma seria a resposta cívica a uma governanta que não hesitou incorrer em estelionato eleitoral ao se comprometer, em comercial de campanha, a não privatizar o Pré-Sal e, uma vez no poder, fazê-lo, e a troco de banana. A uma mandatária que foi fiadora e parceira dos governos estaduais na brutal repressão aos protestos populares, o pior legado da Copa a ameaçar de maneira permanente o direito constitucional à manifestação. A uma presidente autoritária e arrogante, que reprimiu grevistas, destratou professores das universidades públicas e só se dispôs ao diálogo com a sociedade - de forma torta e breve - após o povo sair, de forma massiva, às ruas, num movimento que deixou claro a farra do mundo maravilhoso do petismo, mas que estes até hoje não compreenderam.
Conclusões

Por fim, publiquei durante o fim de semana no Facebook esta "tabela" comparando alguns pontos do programa de Marina com as práticas de Dilma/PT:
Tentando fazer uma comparação rápida e grosseira entre as propostas de Marina e a realidade de Dilma em diversas áreas que eu consegui dar uma olhada e ler análises:
- Economia: Semelhante, mas Marina propõe uma maior liberalização com autonomia do BC. Marina perde essa por pouco.
- Política Externa: Marina propõe uma política externa mais tímida e mesmo que a Pol. Ext de Dilma seja fraca em comparação com Lula, ainda parece mais consistente que a de Marina. Marina perde.
- Benefícios Sociais: Marina quer manter o que Lula fez, assim como Dilma. Empate.
- Meio Ambiente: Marina tem imensa preocupação na Área, Dilma é um monstro. Marina vence de lavada.
- Energia: Marina aposta em fontes renováveis diversas, em diversificação da matriz energética, Dilma aposta em grandes obras com impactos nefastos. Marina vence de lavada.
- Direitos das mulheres: Marina não vai além no direito ao aborto já conquistado (em casos específicos e bem limitado), mas Dilma REVOGOU portaria que garantia ao menos esses direitos. Marina vence.
- Direitos LGBTs: Marina propôs uma agenda LGBT progressista, Dilma é notória homofóbica e CANCELOU projetos. Marina vence de lavada
- Questão Indígena: Dilma foi um dos maiores retrocessos da história em questão indígena, Marina propõe respeitar o direito à consulta prévia (ignorado por Dilma) e demarcar as terras pendentes. Marina vence.
- Saúde: Nenhuma grande novidade em relação à Dilma. Empate.
- Segurança: Marina não propõe, como Dilma, desmilitarização. Nem traz qualquer programa inovador. Empate.
- Direitos Humanos como um todo: Dilma foi um verdadeiro câncer, Marina traz novas propostas e agendas e mesmo naquilo que não avança do que já existe, se mostra mais progressista que Dilma. Vence de lavada. Aliás, se Marina não atrapalhar já terá feito mais pelos DH que Dilma.
Mantenho as conclusões de artigo anterior sobre o tema, mesmo depois do recente recuo na questão LGBT - seu projeto continua mais progressista que o projeto e as práticas petistas, pese a mudança criar uma desconfiança notável.

Obviamente, ao longo da semana foi possível ver que APESAR do programa LGBT, no papel, ser melhor que o da Dilma - mesmo com os recuos - algumas declarações de Marina mostram que ela não parece ter evoluído tanto quanto muitos imaginavam (ou imaginávamos).

Não se trata de torcer/apoiar a Marina, que continua sendo uma representante do atraso, e sim torcer por uma derrota do PT. Deixando claro: Marina é ruim, péssima. O recuo feito por ela na temática LGBT menos de 24 horas após lançado o programa, à mando de Malafaia, é assustador e denuncia que ela dificilmente será progressista em seu governo:
Todos os cenários são ruins para a população e todos exigem mobilização constante, movimentos sociais fortes e atuantes que, sem o PT no poder e sem a verba ilimitada para o partido cooptar, poderiam efetivamente se reerguer. Não tenho qualquer esperança de que o PT derrotado voltaria a seu papel de oposição de esquerda. O partido se degenerou de tal forma que não resta mais ilusão. Precisa do poder e das verbas que vem com ele. Uma oposição de esquerda invariavelmente teria de nascer das ruas e dos movimentos sociais e coletivos diversos.

Uma vitória da Marina seria ruim, sem dúvida, mas seria algo como o famigerado "menos pior". É, hoje, o possível. Posso estar enganado? Sem duvida, assim como me enganei com Dilma pensando que seria ela a menos pior e, no fim, ela foi a pior presidente que o país teve desde a redemocratização.
Não nutro qualquer esperança em um governo Marina Silva, mesmo que o programa dela fosse o originalmente divulgado, progressista em direitos humanos. Tudo seria apenas "em tese". A questão que permanece, no entanto, é que Dilma é a realidade que conhecemos, de recuos frente ao mesmo Malafaia, a Edir Macedo e a toda a bancada evangélica e de uma agenda medíocre e retrógrada em direitos humanos - o programa de Dilma originalmente insistia até no velho "opção sexual", deixando claro seu atraso e descaso.

No fim, a derrota do PT é importante para a esquerda. Não se trata de apoiar ou gostar da Marina, mas ter em mente que a hora do PT já passou. Questão é que temos de tomar escolhas difíceis. Sim, derrotar o PT é necessário, mas como fazê-lo?

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Aviso:
O país será governado nos próximos 4 anos por Dilma ou Marina. Essa é a realidade e o que faço (ou tento fazer) é analisar essa realidade. Não é o que eu quero. Adoraria que tivéssemos opções reais e viáveis, uma candidatura realmente de esquerda com chances de vencer, mas não temos, então me limito a analisar a realidade que se apresenta.

Não sou ingênuo, não voto na Marina e nem confio nela (e muito menos na Dilma ou no Aécio), mas analiso de acordo com o que é possível e com as cartas que estão na mesa. Eu acho a Marina uma péssima candidata, como a Dilma. Estarei na oposição contra AMBAS. Mas me proponho a ANALISAR cenários.

Pessoalmente penso que Marina, eleita, fará um governo possivelmente tão ruim quanto o atual do PT/Dilma, mas ela NÃO está governando, então é suposição. Logo, analiso o programa dela, o que é fato. E comparo isso, aí sim, com o governo Dilma, que foi e é medíocre e homofóbico.
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