domingo, 14 de fevereiro de 2010

A dor de uma mãe em Recife

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Acontece todos os dias. Violência extremada contra a população humilde. Sem rosto, sem importância. Desta vez a mídia notou, afinal, o menino era diferente. Estudava, tinha futuro. Mas quantos milhares não morrem todos os dias sem qualquer notícia, sem incomodar mais do que sua família.

Este caso para mim tem um diferencial, a Vila Santa Luzia fica ao lado da casa onde cresci, em Recife, e onde minha mãe ainda mora. Conheci muito bem a Vila, frequentei a praça em frente e algumas vezes fui até a igreja da paróquia da Torre para conversar com o padre, um senhor extremamente simpático e querido, ou simplesmente para olhar a igreja, muito simples mas muito bonita.

Históricos de violência, porém, não faltam na região. Casos de execuções por lá são comuns e depois das 6 da tarde todo cuidado é pouco para andar da Praça, ponto de ônibus principal da área, até em casa.

Impossível conter as lágrimas de revolta. Pela dor da mãe, por ter vivido na área e saber como é a realidade do lugar e por saber, ainda mais, que é fato corriqueiro, que é comum. E que poucos se dão ao trabalho de notar ou lamentar.
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Do PE Bodycount e Blog do Jamildo

Alcides não acontece todos os dias. É símbolo. Desses que não são inventados. Daqueles que orgulha, que faz todo mundo repensar a vida, as oportunidades, os acertos, os erros. Alcides é história boa, daquelas que enche um livro inteiro, que faz a gente querer contar todos os detalhes para o taxista, o porteiro, os colegas de trabalho, para todo o mundo. 

Morador da Vila Santa Luzia, na Torre, filho de uma ex-carroceira, tirou fino da miséria e passou no vestibular de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Passou bem. Foi primeiro lugar entre os alunos das escolas públicas. Não fazia outra coisa. Só estudava e frequentava o grupo jovem da Igreja da Torre. Deixou a mãe louca de felicidade. E a Vila Santa Luzia também. As mães de lá ganharam um rosto para mostrar aos filhos. "Tá vendo aquele ali. Passou no vestibular."


Aos 22 anos, Alcides ganharia o diploma em setembro. Iria fazer mestrado e depois doutorado. Mas ele morava no Recife. Foi o bastante para levar dois tiros na cabeça. Estava estudando à 1h da sexta-feira. Arrastado de casa por dois homens numa moto. Morreu na frente da mãe e das três irmãs. Queriam matar outro.







Encontrei com a mãe dele, dona Maria Luiza, hoje pela manhã. Ainda estava vestida de orgulho, com o jaleco branco do filho. Faltava bem pouquinho para ela dizer ao mundo que era mãe de um biomédico. Pouquinho para dizer que não era mais uma. Contou todo o sofrimento. Disse que ainda se agarrou com os assassinos. Mas não teve jeito. Conseguiu evitar apenas o terceiro tiro. Os dois primeiros já haviam interrompido o seu maior sonho. Maria Luiza voltou a ser mais uma. Hoje é 8 de fevereiro e 386 mães choraram, apenas neste ano, a morte de um filho.
A foto é de Alexandre Gondim/JCimagem  

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Comentários
3 Comentários

3 comentários:

Hugo Albuquerque disse...

Tsavkko,

O que há em termos de criminalidade no Recife - e em sua região metropolitana - pode ser a expressão daquilo que nós vemos nas demais grandes cidades do país, mas de forma bem piorada. Eu mesmo perdi um tio, irmão de minha mãe, que era comerciante e foi assassinado quando cobrava uma dívida de um sujeito que se sentiu 'ofendido'. Isso sem contar o histórico de violência pelo qual muitos dos meus familiares já passaram por lá. É um misto agudo de desigualdade social, descaso do poder público, ausência de uma reforma agrária para deslocar certos cotingentes da zona urbana e investimentos em educação. Mesmo nos últimos anos, com o crescimento econômico acentuado na região nordestina e a presença de programas redistributivos, os governos locais tem trabalhado mal em articular esse tipo de política e a situação de violência por lá - e no resto do estado também - excede os limites do aceitável. Mesmo que entendamos que tocar políticas como essas sejam resolver acidentes e não elementos causais, ainda assim, elas poderiam salvar muitas vidas.

abraços

Aritanã Malatesta disse...

São tantos séculos de maus tratos, que a sociedade só pode gerar criaturas como essas, que não tem o menor apreço à vida, que já que não acharam seu alvo matam o primeiro que vem na frente que cause inveja ou cobiça! Afinal, quem esse preto pensa que é pra escapar da sina de todos eles? Somos todos um tanto culpados, o padre, os professores e parentes que fizeram vista grossa aos assassinos, os políticos e empresários que não deram melhores condições de educação lazer e trabalho, de novo o governo, médicos, psicólogos e assistentes sociais que não garantiram suporte em saúde física e mental para a população, além do fato de que se ele não fosse único, provavelmente não seria vítima! Não é o caso dele que é um absurdo, é o mundo que vivemos! O caso dele é muito triste!

Nikola Tesla disse...

A morte deste rapaz é uma vergonha para o Brasil.
Cheguei a chorar quando o vi comemorado o sucesso no vestibular pela TV.
Vergonha para o país.
Triste para a nação.
Ele tinha tudo para ser um líder e tornar nosso país melhor por meio do trabalho e mérito.
TRISTE E REVOLTANTE.

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