Este caso para mim tem um diferencial, a Vila Santa Luzia fica ao lado da casa onde cresci, em Recife, e onde minha mãe ainda mora. Conheci muito bem a Vila, frequentei a praça em frente e algumas vezes fui até a igreja da paróquia da Torre para conversar com o padre, um senhor extremamente simpático e querido, ou simplesmente para olhar a igreja, muito simples mas muito bonita.
Históricos de violência, porém, não faltam na região. Casos de execuções por lá são comuns e depois das 6 da tarde todo cuidado é pouco para andar da Praça, ponto de ônibus principal da área, até em casa.
Impossível conter as lágrimas de revolta. Pela dor da mãe, por ter vivido na área e saber como é a realidade do lugar e por saber, ainda mais, que é fato corriqueiro, que é comum. E que poucos se dão ao trabalho de notar ou lamentar.
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Do PE Bodycount e Blog do Jamildo
Alcides não acontece todos os dias. É símbolo. Desses que não são inventados. Daqueles que orgulha, que faz todo mundo repensar a vida, as oportunidades, os acertos, os erros. Alcides é história boa, daquelas que enche um livro inteiro, que faz a gente querer contar todos os detalhes para o taxista, o porteiro, os colegas de trabalho, para todo o mundo.
Morador da Vila Santa Luzia, na Torre, filho de uma ex-carroceira, tirou fino da miséria e passou no vestibular de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Passou bem. Foi primeiro lugar entre os alunos das escolas públicas. Não fazia outra coisa. Só estudava e frequentava o grupo jovem da Igreja da Torre. Deixou a mãe louca de felicidade. E a Vila Santa Luzia também. As mães de lá ganharam um rosto para mostrar aos filhos. "Tá vendo aquele ali. Passou no vestibular."
Aos 22 anos, Alcides ganharia o diploma em setembro. Iria fazer mestrado e depois doutorado. Mas ele morava no Recife. Foi o bastante para levar dois tiros na cabeça. Estava estudando à 1h da sexta-feira. Arrastado de casa por dois homens numa moto. Morreu na frente da mãe e das três irmãs. Queriam matar outro.
Encontrei com a mãe dele, dona Maria Luiza, hoje pela manhã. Ainda estava vestida de orgulho, com o jaleco branco do filho. Faltava bem pouquinho para ela dizer ao mundo que era mãe de um biomédico. Pouquinho para dizer que não era mais uma. Contou todo o sofrimento. Disse que ainda se agarrou com os assassinos. Mas não teve jeito. Conseguiu evitar apenas o terceiro tiro. Os dois primeiros já haviam interrompido o seu maior sonho. Maria Luiza voltou a ser mais uma. Hoje é 8 de fevereiro e 386 mães choraram, apenas neste ano, a morte de um filho.
A foto é de Alexandre Gondim/JCimagem