Em primeiro lugar, a indagação mais óbvia: "E daí?"
Sim, é um questionamento válido. Sabemos que os EUA são a maior potência atual - por mais que se fale em multipolaridade e etc e em diminuição do poder imperial estadunidense -, mas o fato dos EUA reconhecerem ou não o genocídio como tal muda em que o fato em si?
Podemos compreender, do ponto de vista das vítimas, que é maravilhoso ter sua história e seu sofrimento reconhecidos depois de décadas por uma grande potência. Do lado do algoz, a Turquia - herdeira Otomana - podemos compreender o reconhecimento como uma facada por parte de um aliado.
Mas, mesmo sabendo de tudo isto, ainda falho em compreender o porque de tamanho teatro, o alcance exato que um reconhecimento deste tipo teria.
Claro, alguns vão bater no velho chavão de que os EUA são a grande potência, são formadores de opinião - por mais que, no geral, hoje, eu não concorde totalmente - e tem um grande peso mundial,, mas, no geral, o reconhecimento ou não não altera nada. É um país a mais.
Compreendo o medo da Turquia (ainda que me pareça improvável) que o possível reconhecimento por parte dos EUA abra as portas - em linguagem comum, facilite que demais países coloquem as asinhas de fora - para que outros países façam o mesmo. Fora isto, o resto é pavor deslocado e, retomando o que eu havia dito em posts anteriores, é uma maquiagem da realidade.
As palavras do ministro de relações exteriores da Armênia parecem inspiradas:
É uma nova prova do apego do povo americano pelos valores humanos universais e um passo importante para a prevenção de crimes contra a humanidade.Mas são mais teoria que prática. Crimes contra a humanidade foram e são cometidas pelos EUA independentemente de reconhecerem ou não um genocídio ou outro. Questiono, enfim, o alcance a relevância mundial - e não específica, esta indiscutível - de tal reconhecimento.
Irão os EUA e aliados parar de torturar? De invadir países sem permissão da ONU - ou mesmo com permissão? Irão todos parar de matar a África de fome e metade do mundo graças ao modelo econômico adotado? E tantos outros questionamentos válidos.
O segundo questionamento é, talvez, mais delicado. Questiono a Turquia, enquanto herdeira do Império Otomano, pela desfaçatez e até mesmo cara-de-pau de maquiar a realidade a seu favor mesmo com o mundo inteiro sabendo da verdade.
Mas, não sejamos simplistas. Os Estados tem a suprema necessidade de se mostrarem idôneos, honestos, coerentes. Seja para o público interno, seja para o externo. Sempre terá alguém para acreditar nas mentiras contadas pelos Estados. Oras, os Chineses não são nacionalistas e acreditam em seu Comunismo (sic)? Os estadunidenses não acreditam piamente que são uma - a maior - democracia justa e maravilhosa e que realmente exportam este modelo para o mundo?
Sejam quais forem os argumentos Turcos - válidos ou não, ou em parte - nada muda o fato de que o que aconteceu com os Armêmios - e também com Assírios e Gregos Pônticos - foi e sempre será um Genocídio.
A questão do reconhecimento, por outro lado, passa por outra dinâmica. Não passa necessariamente pela verdade, pelos fatos, mas pela construção de uma verdade, de uma historia, de mitos por parte do Estado interessado.
Existe uma verdade aceita em geral por acadêmicos e pela maior parte da população mundial, o Estado turco quer construir outra. E espera que aliados e amigos sejam coniventes com esta verdade construída a toque de caixa.
Toda verdade é socialmente construída, o Genocídio Armênio é uma verdade construída com sangue.
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Levando a resolução aprovada para o debate, o fato é que dificilmente esta virará lei. Precisa ser votado na Câmara dos Representantes, no Senado e então ser aprovado por Obama, que é contra - e nisto nos lembra as posições retrógradas de Bush - e a pressão turca junto ao governo deve realizar seu trabalho de forma satisfatória - para os turcos.
Válido é que o debate é sempre mantido acesso. Não importa a terminologia usada, o debate sempre é trazido de volta para a mesa e os argumentos são dispostos e, enfim, a posição do Estado turco, intransigente, é sempre visto e reconhecido.