sábado, 10 de abril de 2010

Chuvas, favelas e a culpa do pobre... Resistência?

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De um comentário que fiz no blog Acerto de Contas sobre de quem seria a culpa pelas enchentes, mortes e destruições no rio, me veio a idéia para este post.
A pergunta que ninguém faz é "porque os pobres foram morar em áreas de risco"? Porque foram morar em "prédios" de 3, 4 andares sem nenhum estrutura em áreas de risco?

A elite cansada vai dizer que são vagabundos, nordestinos ou paraíbas inúteis... Os mesmos inúteis que não querem ser expulsos para os confins da cidade ou para a Baixada e que limpam as casas dos grã-finos, da elite...

Os pobres foram expulsos dos centros de todas as cidades, são expulsos para os confins, para os extremos...

No Rio alguns resistem, moram em favelas do lado da Lagoa, de Ipanema, resistem. Vivem em situação péssima mas não foram expulsos, mesmo com todas as ameaças...

Não há um plano de urbanização no Rio e em nenhuma cidade do país. Os pobres devem ser expulsos ou então que a água os leve quando ficarem.

A culpa é do poder público.

Aliás, em São Paulo é ainda mais engraçado, mesmo nos extremos a população pobre ainda é expulsa e ameaçada, vide Parque Cocaia, Jardim Pantanal e etc... Basta haver um interesse imobiliário que o poder público logo se encarrega de expulsá-los, mesmo que criando enchentes...
O post merece ser analisado em seus pontos principais:
Morei 4 anos no Rio de Janeiro, e quando vi os morros pela primeira vez já pensei que aquilo estava a um passo da tragédia. Muitas residências irregulares (de pobres e de ricos também) são construídas nos morros íngremes sem o menor controle. Qualquer um fica impressionado com o risco das construções.

O pobre é forçado a ir para o morro, resiste à expulsão, à ser enviado para os extremos. O rico molha a mão do fiscal, tem contatos na prefeitura, não é molestado. Uma capa de O Globo me chamou à atenção no auge da tragédia carioca e fluminense: Uma foto com um lado a Lagoa alagada e do outro um barranco de uma favela. Me pergunto se o prefeito/governador fosse outro que não aliados do governo federal a manchete seria a mesma e tanto se falaria e, segundo, se a Lagoa não tivesse sido tão afetada (e o Humaitá, Jardim Botânico e demais bairros da elite) se os jornais publicariam tanto e com tanto afinco a tragédia.


Me recordo ainda de Angra. Mortos foram vários, a tragédia era extensa, mas no Fantástico e em demais jornais e programas globais ou não, o que mais se falava eram das vítimas da pousada que foi engolida pela lama e pedras. Era a elite, nossos semelhantes (sic) morrendo. Os pobres que ficassem na segunda página.
 Voltando ao comentário do post do Acerto de Contas, de fato, as construções impressionam. Prédios de 3, 4 andares sem qualquer tipo de estrutura. Terrível mas... porque isto existe?

Nesta desgraça urbana que se tornou o Rio de Janeiro todos são culpados: os Governos que não fiscalizam e não retiram as famílias das áreas (mesmo que a força), da população que constrói a margem do poder público, do resto da população que não exigiu a organização urbana de seus representantes, e da imprensa que só se lembra de cobrar quando as tragédias acontecem.
É muito fácil dizer que "todos" são culpados. De forma igual. Rezar a cartilha da expulsão forçada é ainda mais fácil. Ninguém mora em área de risco porque quer. Mora porque é onde pode, onde conseguiu um canto.

Modus operandi típico do poder público é o de expulsar para as zonas extremas - em São Paulo mesmo de lá famílias são assediadas e expulsas -, locais com transporte precário ou sem transporte algum, a horas do trabalho da população, em áreas sem qualquer condição de vida decente. É viver em uma área de risco - mas com acesso à tudo - ou ir para o fim do mundo e penar diariamente para chegar a algum lugar.

Não é uma escolha fácil. A elite não precisa fazê-la.

Se observarmos no vídeo acima, muitas residências são verdadeiros prédios de 3 andares sem que um engenheiro chegasse perto. São obras prontas para uma catástrofe.
De fato... Mas algum engenheiro iria ali? O poder público não quer urbanizar uma favela no Leblom, em Ipanema, na Lagoa nem em qualquer bairro chique. Por lá não vai engenheiro, só um vereador ou deputado que promete em troca de votos mundos e fundos. É a indústria de promessas da favela. De uma rua asfaltada, de um gato, de um favor, um botijão de gás e o voto em troca. Nem entro na questão das milícias e tráfico pois me extenderia demais. A lógica, porém, é a mesma.

O poder público abandona. Permite a construção ilegal, não dá assistência, engenharia, quer expulsar e sofre resistência da população do local, deixa pra lá ao ver que pode conseguir alguns votos e quando vem a tragédia acusa o pobre de ter ido porque quis à uma área de risco e de ter construído sem qualquer amparo técnico um verdadeiro edifício.

A questão, aliás, não é nova. Os morros não nasceram hoje e nem porque pobre é vagabundo que quer morar em área de risco. Vem dos cortiços, do começo do século XX. Os pobres viviam em cortiços no centro, a elite torcia o nariz. Foram destruídos e o pobre teve de se arrumar. Era ir para o fim do mundo ou construir um barraco perto, sem apoio algum, à própria sorte.
Lógico que todos se sensibilizam com a situação de famílias sem moradia, mas em um país que se pensa ser decente, essa situação é inaceitável. Em décadas, a única remoção bem sucedida foi feita na favela da Lagoa (que antes eram palafitas), para o Conjunto São Sebastião, construído no Leblon e planejado por Dom Helder Câmara. 
Pena que o poder público raramente toma estas iniciativas. Hoje é possível que os moradores de uma favela central fossem deslocados para o extremo da Zona Oeste. E ainda teriam de pagar pelas casas ali construídas! Como se não tivessem pago pelas que habitavam antes da expulsão.

Quando tragédias como essa acontecem simplesmente desaparecem os ongueiros e políticos oportunistas que são contra a remoção compulsória de casas em favelas em áreas de risco. Desaparecem como fumaça. Em nenhum país desenvolvido construções como essa são permitidas. Pode-se ver pessoas morando em carros e abrigos, mas nunca desse jeito.
No primeiro mundo talvez não. No nosso terceiro mundo existem exemplos ainda piores.

Enfim, temos um problema generalizado e de dificil solução. O povo nas favelas resiste, é sua comunidade. Vivem em áreas de risco e não querem ser removidos para longe dos olhos da elite. O poder público se imobiliza e a catástrofe acontece e, desta vez, as proporções foram avassaladoras.

O deputado Brizola Neto, citado por Rodrigo Vianna deixa claro:
Para começar, é inútil. Onde o prefeito acha que estas pessoas, com o dinheiro curto da indenização, vão arranjar algo para morar? Em outras favelas da região, é claro. E, novamente, em áreas de risco. Não haverá perigo nos Prazeres, mas haverá muito mais na Fallet, no Fogueteiro, no Escondidinho, na Coroa, no São Carlos, na Santa Alexandrina, etc, etc, etc…
[...]
O prefeito tem de anunciar projetos que sejam equilibrados, exequíves, humanos e legalmente viáveis. Ele, mais do que ninguém, sabe que a Lei Orgânica do Município veda remoções, permitindo reassentamentos de quem vive em área de risco, mas condicionado à oferta de nova moradia, preferencialmente próximo ao local onde reside. Removerssem isso, no tranco, vai inevitavelmente esbarrar, além da resistência dos moradores, no Judiciário. Aí, no próximo desastre, bota-se a culpa em quem?
[...]
Aí está, senhor prefeito, uma modesta sugestão deste blogueiro para que o senhor faça um plano de realocação que o deixe dormir tranquilo no próximo verão e que não tire o sono de pessoas que não tem quase nada, senão sua casinha humilde.
Ninguém morando em áreas de risco; todos morando segura e decentemente, bem pertinho, sem traumas. O que se vai gastar em indenização, gaste-se em desapropriações na parte plana.
O jornal O Globo publicou fotos de mansões ameaçadas pelos deslizamentos de terra. E a gente fica penalizado de ver também. Mas ali haverá contenção, muros de arrimo, um série de soluções mais complexas do que um simples “toma dez mil réis e some” com que se quer tratar os pobres.

Em são Paulo não é muito diferente. Não temos morros e favelas como no Rio, mas temos população paupérrima em Paraisópolis, Heliópolis que não está lá porque acha uma maravilha, mas porque é isto ou ir para o extremo sul, o extremo leste, ser expulso para locais de difícil acesso pelo poder público que pouco se importa.

O centro de são Paulo vem sendo higienizado, a população expulsa. É a maneira de agir do poder público em qualquer lugar. Pobre é apenas um estorvo que deve ser realocado sempre que os interesses surgem. A assim vão vivendo... e morrendo.

No YouPode, mais informação interessante:
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, disse que usará até o recurso da força para retirar pessoas que se encontram em áreas de risco depois das fortes chuvas que mataram quase 200 pessoas em todo o estado. Segundo ele, depois de notificados pela defesa civil, os moradores que se recusarem a sair serão retirados pela polícia. Paes não explicou onde a população atingida ficará temporariamente e nem em definitivo.
As vítimas, como se tivessem outra escolha de moradia, têm sido chamadas das irresponsáveis pelas autoridades. A decisão de Paes ocorre no mesmo dia em em que a Anistia Internacional divulga um relatório mostrando que o governo Bush, nos Estados Unidos, violou duramente os direitos dos mais pobres após o furacão Katrina, em Nova Orleans, com 1.800 mortos.
 Lá, as pessoas foram removidas, tiveram suas casas demolidas, não puderam (por ação da polícia) voltar para a reconstrução e não receberam alternativa e ajuda do governo. (Leia em espanhol).
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