segunda-feira, 19 de julho de 2010

Religiosidade versus Laicismo na França: A Burca da vez.

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Entrando no debate sobre o véu islâmico na França com o Hugo AlbuquerqueRafael Neves e André Egg. Diferentemente do comum, não busco soluções ou tomo posição clara, honestamente, acredito que este assunto tenha múltiplas facetas e explicações e, mesmo me incluindo em um dos grupos, não tenho opinião totalmente formada e acredito que ambos os lados tenham sua razão.

O ponto central de boa parte da discussão, tanto nos blog quanto no Twitter foi o do multiculturalismo, laicismo e da opressão feminina. Todos são válidos, dentro de determinados limites.

As mulheres sendo ou não obrigadas a usar o véu, a questão vai além.
 Eu vejo 4 grupos diferentes dos defensores da proibição dos véus, burcas ou niqabs:

1. O grupo dos laicistas radicais que, efetivamente, lutam contra qualquer tipo de ostentação religiosa. Eu, por exemplo, me somo a estes.

Mas o problema deste grupo é que, em alguns casos, o véu é imposição cultural e não religiosa. A linha que separa as coisas é dificílima de enxergar e, até que ponto existe de fato esta separação?

2. O grupo dos defensores dos direitos das mulheres supostamente oprimidas. A desculpe é a de que as mulheres seriam oprimidas, forçadas a usar o véu contra sua vontade. Obviamente que isto funciona em alguns casos, mas não em todos.

O problema é óbvio, muitas não usam o véu por opressão, mas por escolha. Ainda que, para mim, seja dificil acreditar que alguém tenha o interesse de se anular e de se esconder sem ter sofrido algum tipo de doutrinação perversa.

3. O grupo dos xenófobos que, creio, é o principal incentivador destas medidas. O medo do terrorismo - como se TODO islâmico fosse terrorista em potencial -, o medo do desconhecido e o medo de uma cultura/religião estranha. Este grupo, aliás, eu creio que se divide

3.1. Xenófobos: Grupos tradicionalmente anti-imigração que encontraram um novo alvo;
3.2. Apavorados: Os amigos da Regina Duarte que, de fato, existem. São os que tem medo do "desconhecido" e acabam adotando uma postura xenófoba momentânea motivada pelo medo do "outro".
3.3. Os da tese do terrorismo: Outros, eu vejo, simplesmente acreditam que não só a vestimenta pode esconder alguma coisa potencialmente perigosa - mulheres-bomba não são novidade -, como também acreditam que o uso do véu se trata de um fanatismo intolerável e que potencialmente pode fazer crescer o terrorismo no país.

4. Um grupo que oscila entre todos e que teme o crescimento do fundamentalismo supostamente representado pelo uso do véu e que não aceita a violação da laicidade do Estado. E, enfim, que teme os problemas de segurança como mulheres cobertas se recusando a se identificar, a serem identificadas e etc.

Os grupos se movem, podem se confundir, mas acredito que é por aí. Filosoficamente eu concordo com o laicismo radical francês, com a proibição da ostentação de todo e qualquer símbolo religioso em escolas, locais públicos e governamentais, mas por outro entendo que, ao menos no caso dos muçulmanos, a proibição não só tem caráter xenófobo - característica da extrema-direita e da direita no poder -, como o efeito será o contrário do esperado.

Por mais que algumas características da xenofobia francesa não sejam de todo incompreensíveis, isto não as torna mais aceitáveis e, se o medo motivador principal for o "perigo islâmico", a separação não torna a situação melhor. Muitos muçulmanos já vivem em guetos, isolados sem sequer falar o francês e iniciativas que apenas separarão masi a população não irão surtir nenhum efeito senão o de ampliar o ódio entre as comunidades.

A integração é o caminho, mesmo que uma integração forçada, mas não com ataques contra a cultura alheia.

Claro, alguns casos não são passíveis de contemporização. No Canadá, certa vez, uma muçulmana se recusou a tirar o véu para ser fotografada para a carteira de motorista. Isto não é tolerável. O direito individual não pode passar por cima de uma obrigação comum a todos os demais cidadãos. Da mesma forma que, por segurança, ninguém pode se recusar a mostrar a cara a um policial ou a uma autoridade sob desculpa religiosa ou cultural.

A dificuldade maior neste ponto é conseguir separar quais situações são ou não aceitáveis para práticas culturais e religiosas em que o bem comum não seja posto em perigo e nem a individualidade seja desrespeitada.
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Update: Resposta do @iberemoreno ao post, em seu blog.
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Comentários
17 Comentários

17 comentários:

Planeta Laranja disse...

Ótimo texto. Tocou em um assunto interessante que merece ser refletido e debatido. A diferença entre cultura e religião realmente é algo meio difícil de perceber.

E como você lembrou e fala muito em seu blog, é preciso acabar com esse racismo contra os palestinos. É tão cruel quanto qualquer forma de racismo.

Esse negócio de que palestino é sinônimo de terrorista é uma ofensa sem tamanho que merece ser banida e reprovada de toda a sociedade mundial.

Os palestinos são nossos amigos, gente que sofre (e muito!!!), tem o seu cotidiano, estuda, trabalha e merece respeito.

Hugo Albuquerque disse...

Belo texto, meu velho. A questão é essa que você colocou mesmo, existe a possibilidade de se estabelecer proibições legais para certas práticas culturais, ainda isso seja exceção e não regra - culturas não são valores absolutos em si (como suspeito que nada é), mas isso não quer dizer que devam ser um dado a ser desconsiderado na construção de uma sociedade. Como eu abordei no blog do André - e depois reproduzi no blog do Daniel -, existe uma questão de fundo nisso tudo que é um certo progressivismo, uma espécie de progressismo mecânico que já está ali na Revolução Francesa, mas só é sistematizada com o Positivismo mesmo: Trata-se de um conservadorismo às avessas na qual a História torna-se uma linha reta e tudo que é "novo" passa a ser considerado bom e o que é "velho" deve ser esmagado pelo aparato do Estado - o problema nisso tudo é que as condutas não examinadas racionalmente em si, mas como parte dessa História mecanizada. Vimos bastante dessa distorção nos regimes totalitários do Século 20º.

um abraço

Iberê disse...

comecei a comentar e no fim vi q estava tão grande q resolvi postar no meu blog e linkar aqui
http://umpoucodetempero.blogspot.com/2010/07/por-baixo-do-veu-post-resposta.html
mas basicamente digo... isso dá muito pano pra manga...

Carlos Esperança disse...

Eu só pergunto se a discriminação das mulheres, comum a todas as religiões monoteístas, e que faz parte da cultura árabe, deve ser respeitada.

Eu respeito os crentes mas não me peçam para respeitar as crenças que se opõem à Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Carlos, separar o que é imposição, do que é livre ecolha, quando falamos em religião, é complicado.

Trago para cá o que comentei em post sobre o mesmo assunto no blog do André Egg discutindo sobre a vestimenta muçulmana e das freiras:

"De certa forma, a vestimenta muçulmana tem uma origem história e muita coisa vem do Corão, pode-se ao menos dar esta “desculpa”. No caso das freiras falamos de um costume criado por uma igreja para manter os corpos da mulher escondidos para evitar o pecado.

As noções por trás das vestimentas diferem muito. Amiga minha, egípcia, certa vez comentou que ela não usava o véu e etc, nem se cobria porque achava besteira, mas que na sua cultura/religião, a mulher não se cobre por ser impura – por mais que os fundamentalistas caminhem por este lado -, mas porque elas queriam se preservar, porque era uma maneira de não se vulgarizarem, logo, era algo interno à mulher e não uma imposição necessariamente.

No caso das freiras a idéia é o dos homens imporem numa luta contra o pecado.

Mesmo que aceitando, a mulher, a freira, está apenas reproduzindo uma situação de dominação."

Iberê disse...

acho q discutir sobre o véu não perspassa por questões de Direitos Humanos pelo simples fato de que estes foram criados a partir de conceitos ocidentais e não levando em consideração nenhum dos valores orientais.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

OS direitos humanos são universais e não apenas ocidentais. Pode-se dizer que a influência ocidental é mais clara, mas não exclusiva.

Luis Henrique disse...

Eu corro o risco de me queimar, mas vá lá: quantos representantes árabes estiveram lá para ratificar a DUDH? Quantos indígenas? Quantos aborígenes? Quantos negros? Quantas mulheres? Quantos homossexuais? Quantos transsexuais? Qual foi a participação desses grupos frente ao dos homens brancos heterossexuais cristãos na formulação do documento?

A influência do liberalismo ocidental, do iluminismo, não é somente mais clara, como esmagadora, na concepção moderna dos direitos humanos.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Luis,

Não vou dizer que esta é exatamente minha área, mas até onde meu conhecimento via, se tomarmos a convenção de genebra como marco, esta foi firmada com o apoio de todos os países da ONU, ou ao menos de uma boa quantidade, logo, com a participação de Árabes, Muçulmanos, Hindus, Budistas e etc...

Nada nem ninguém é perfeito, fato, mas veja que, até hoje os DH tem servido de parâmetro universal para todos, sejam eles heteros, gays, brancos ou negros e etc, aliás, a maioria dos típicos WASPS devem se enfurecer com as convenções que, ao contrário de suas vontades, defende as minorias mais do que qualquer outro tipo de legislação.

Hugo Albuquerque disse...

Eu fico no meio termo quanto a isso, o conceito de Direitos Humanos é, em tese, universal no que toca à humanidade, pois ele não visa apenas um grupo, mas a contemplação de necessidades mínimas e comuns a todos os seres humanos. Isso só seria inválido caso alguém demonstrasse que a humanidade não existe concretamente. É difícil. Por outro lado, a construção dos direitos humanos sempre foi eivada de muito ocidentalismo, isso sem falar no seu uso criminoso para justificar o esmagamento de culturas menores e guerras de dominação. No entanto, não se deve confundir o uso criminoso de uma coisa com ela mesma. Do contrário, pararíamos de vender facas achando que a violência iria diminuir. Não vai. Por isso entre o culturalismo e o universalismo, fico com um universalismo de convergência mesmo, a proposta sobre tudo pelo diálogo.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Advogado falou, tá falado!=)

Iberê disse...

eu tenho ainda um ponto a levantar quanto à ineficácia dos DH... mas antes q me taxem de qq coisa gostaria de deixar claro q não sou contra a existência dos DH, mas questiono o modo como eles foram criados e por quem foi criado!

respondendo primeiro à argumentação do Tsavkko quanto a participação de representantes de todas as nações via ONU. É simples, a mesma ONU que aprovou as DH fez vista grossa em Ruanda, a mesma ONU que "criou" os DH é a que permite que os EUA façam o que bem entender.
Logo acho que confiar cegamente nessa instituição pode beirar a ingenuidade (não estou chamando ninguem aqui de ingênuo, mas acho que usar a ONU como argumento é fraco)

Não sei quantos conhecem a fundo a história dos DH, mas a versão q eu conheço coloca como a base para os DH os direitos dos soldados.

Basicamente a história que eu conheço é a de que durante as guerras mundiais foram se criando direitos dos soldados (como direito a comida, roupas, descanço e por ai vai).

Na segunda guerra com a idéia de guerra total, na qual os escrúpulos foram ralo abaixo, os civis também passam a sofrer diretamente com as guerras. Visando proteger a população, são criadas leis do tipo: "Não se pode atirar em uma pessoa não fardada".

Posteriormente (não consigo precisar quem) trás a proposta de transferir os mesmos direitos dos soldados durante uma guerra para todos os civis (direito à comida, direito a residencia e por ai vai). Logo , ao meu ver, os Direito Humanos do jeito que existem hoje estão fadados ao fracasso e à falibilidade.

Claro que concordo com o fato de que todo ser humano tem direitos, porém não acho que um Direito pensado por generais para um período de guerras seja adequado. Por mais que "todos" os países tenham aceitado, acho que a humanidade no seu sentido latto não estava e nunca estaará representada.

Por favor, caso tenha escrito alguma baboseira muito grande responda! Não sou especialista na área dos DH e posso estar totalmente enganado!

aproveito para compartilhar o Link do texto escrito pelo professor Reginaldo Nasser que trata exatamente sobre o tema da Burka na França http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16808

um forte abraço para vc sr cabaço! (aka Tsavkko)

Gilberto disse...

Olá, Tsavkko.

Eu conheço alguns países muçulmanos, além de regiões do meu país atual, a Rússia.

E te digo com certeza: Nenhuma mulher por livre e espontânea vontade usaria nem mesmo o mais simples véu, o hijdab.

Sobre a burca e o nikab, eu sou readicalmente a favor da proibição. Isso é uma violência contra as mulheres.

E pouco me importa as intenções das pessoas que proibiram.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

@Gilberto: Eu tenho amigas muçulmanas, do egito, Índia, Paquistão... E todas usam o hijab por livre e espontânea vontade. Aliás, uma delas não usa muito, só quando lhe dá vontade, as outra usam e gostam. E, claro, criticam a imposição e coisas como a Burca.

Respeito sua opinião, mas discordo. As intenções podem ser mais perigosas que uma simples manifestação cultural e o resultado pior ainda.

@Ibere: Não se trata de confiar na instituição, muito menos cegamente, mas confiar num dispositivo jurídico que, mal ou bem, teve seu consenso e que é base, hoje, no mundo inteiro para legislações, constituições e etc.

Se vocÊ reparar bem, os DH, em geral, respeitam as bases de todas as principais religiões, mas claro, existe um direcionamento "ocidental" ou judaico cristão, mas dificilmente pode ser colocado como exclusivo.

A ação da ONU, ou ações desastrosas, não significam que os DH em si sejam ineficazes. Na verdade a própria ONU e seus signatários dificilmente respeitam os tratados assinados. A culpa, pro assim dizer, não são dos DH, uma das peças mais sólidas já escritas, mas de sua efetividade enquanto Estados forem os únicos atores preponderantes (pelo amor, nada de discutir realismo, nerealismo e etc, haha).

Falibilidade permeia basicamente tudo. Sempre iremos trabalhar com o "possível", como o "melhor alcançado(vel)". Hoje, os DH são a nossa melhor base.

O direito da guerra me parece permear, de fato, os DH, mas não só. Houve um longo processo de discussão e fundamentação da proposta que vai bem além disto. Basta ler a carta. Direitos de minorias, sexuais e etc estão longe de serem algo relacionado aos soldados!=)

E, tudo é um processo. Eu honestamente não posso afirmar se houve de fato esta evolução de direito da guerra ou dos soldados para os DH, acho que o Hugo pode saber melhor que eu ou até a Mariana, que lê muito sobre o assunto, mas, tendo ou não, há de se entender que tudo, mesmo o direito, passa por um processo de evolução e não surge do nada. Mesmo a lei de Talião ou Hamurabi é uma base legal (no sentido jurídico), assim como as religiões e os primeiros escritos. Tudo isto evoluiu e permeou outras e novas idéias.

NAda vem sozinho, existe evolução, então não seria surpresa saber que as leis da guerra tem relação com os DH, porque este é uma evolução dos códigos anteriores.

O texto do Reginaldo é muito bom, mesmo que eu discorde de alguns pontos.

Iberê disse...

devo concordar q sua argumentação é válida, mas ainda num me convence de que podemos discutir ou argumentar sobre algo usando os DH!

devo lembrar primeiro que nada foi criado como Dispositivo jurídico! não há quem julgue oficialmente e execute... TPI haia e etc não tem (ainda) esse carater.

não conheço a fundo os DH, mas tenho a forte sensação de que as religiões judaico cristã não só influenciam como baseiam realmente os DH. Não que isso exclua as religiões orientais, mas não as comtempla, logo tornando-se um ponto falho, ainda mais na discussão q foi inicialmente proposta sobre a burca.

eu nunca falei q era contra o conceito de DH. apenas acho q o jeito como foram criados e quem os sustenta é q não são validos. Não acredito na ONU e isso é uma discussão a parte.

quem me explicou essa evolução a partir do direito do soldado foi o Oliveiros... fonte confiável porém tendenciosa. Acredito que ele nunca falaria isso sem ter uma base.
ter nascido dê não quer dizer q não evoluiu, mas sim q a essencia é fundamentada em.

para realmente haverem DH eu penso q seria necessário que se criasse uma nova lógica no SI de tal forma q permitisse um grande orgão regulador, caso contrário será como é hj. Mal utilizado, sub aproveitado, controverso, pouco sustentado e muito questionável

é isso...
essa nossa conversa toda renderia um post a parte... hehehe

boboniboni disse...

Relativismo cultural demais é dissonância cognitiva.

A Burka é instrumento de alienação, perpretrado principalmente pelo Taliban. Não é um elemento cultural livre, mas coercitivo, fomentado por idéias extremistas.

http://bulevoador.haaan.com/2010/07/17/os-direitos-humanos-e-a-proibicao-da-burka/

Unknown disse...

Muito bacana a explicação, hoje mesmo foi questionada desses diferentes "modelos" e acredito estar muito mais por dentro do assunto. Parabéns pela matéria. Danya Loyola

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