segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A ETA está começando a dizer adeus?

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Após 51 anos de luta armada contra a Ditadura de Francisco Franco e contra a política de ilegalizações, prisões políticas e tortura por parte do regime democrático espanhol, a ETA anunciou no domingo, 5 de setembro, um cessar-fogo incondicional, unilateral e por tempo indeterminado em um vídeo enviado à rede BBC, o que poderia supor uma trégua definitiva.

A recente declaração (completa, em português) da ETA tem por objetivo, segundo o vídeo, a instalação da paz e da consolidação de um processo democrático; busca impor uma agenda de negociações ao governo Espanhol que, até então, tem se recusado a negociar diretamente com o grupo, ou mesmo com seu braço político, o ilegalizado Batasuna, agora sob o nome de Ezker Abertzalea (Esquerda Nacionalista).

No vídeo veiculado pela BBC e logo depois reproduzido pelo diário nacionalista basco Gara (“Nós”), a ETA anuncia sua intenção de depor as armas de forma incondicional e, no que surge como uma novidade, de forma verificável.

O processo de discussão no seio da Esquerda Nacionalista teve seu início visível no documento “Zutik Euskal Herria” (De Pé País Basco), lançado em fevereiro de 2010 por militantes do ilegalizado Batasuna, que pregava um processo amplo de negociações e o abandono sistemático da violência como arma política, em substituição pela acumulação de forças populares.

Na esteira deste documento, a Rede Lokarri, grupo que vem impulsionando mesas de diálogo entre os cidadãos bascos, tomou a frente do processo e convidou o negociador sul-africano Brian Currin para indicar os caminhos para a paz, que se materializou na Declaração de Bruxelas, documento assinado por mais de 20 lideranças mundiais de peso - dentre eles Nelson Mandela, Frederik de Klerk, Desmond tutu e outros. Esta declaração pressionava por um processo de negociação baseado nos Princípios Mitchell servia como demonstração por parte da comunidade internacional de que os olhos do mundo estavam sobre o País Basco e que tanto a ETA quanto a Espanha deveriam realizar esforços pesados na resolução do conflito basco.

Este é o terceiro cessar-fogo do grupo, mas, sem dúvida, o primeiro com termos tão claros e dentro dos Princípios Mitchell, um conjunto de 6 regras básicas formuladas pelo senador estadunidense George Mitchell, que pregam, dentre outras, o uso de meios exclusivamente pacíficos e democráticos para resolver questões políticas, através do desarmamento de todas as organizações paramilitares de forma verificável e por uma comissão independente e, do outro lado, que as prisões arbitrárias, torturas e “castigos” sejam suspensas e que políticas de prevenção sejam criadas e implementadas.


Ponto central dos Princípios Mitchell está a aceitação incondicional e respeito aos termos de qualquer acordo alcançado através de negociações sem exclusões, multipartidárias, o que, para a ETA, significaria a legalização de seu braço político e a volta à normalidade democrática. Segundo diversas fontes, está em curso um processo de negociações e consultas na base da Esquerda Nacionalista já há alguns meses, que culminou com a recente declaração.

Desde o começo deste processo de consultas internas que a ETA se absteve de levar a cabo ações armadas e se comprometeu a encontrar uma solução democrática para o conflito. Infelizmente o mesmo não vale para o outro lado.

Ações repressivas, prisões arbitrárias, tortura e até mesmo invasões e tumulto em festas populares são as marcas da atual administração basca, nas mãos de uma coalizão composta por PP e PSOE, logo, partidos completamente avessos ao nacionalismo basco, cujas lideranças sequer dominam o idioma nativo. Este talvez seja o momento decisivo do conflito armado no País Basco.

Arnaldo Otegi, porta-voz do Batasuna e da Ezker Abertzalea, na cadeia há quase 1 ano, foi o primeiro a tentar abrir um canal de diálogo com a ETA em busca de um marco democrático e do fim da violência. A sua prisão, porém, é motivo de descontentamento não só da militância nacionalista, mas da esquerda em geral, que não compreende os motivos para o principal impulsionador do processo de paz ser tratado como criminoso

Pela primeira vez em décadas o braço político parece ter tomado o controle, ou ao menos sobrepujado o braço militar e tornado possível uma via democrática para o conflito.


Desde a fundação do primeiro partido Abertzale (Nacionalista de Esquerda), o Herri Batasuna (“Unidade Popular”) , em 1978, passando pelo Euskal Herritarrok (“Nós, cidadãos bascos”) em 1998 e, finalmente o Batasuna (“Unidade”) em 2000-2001, a ETA jamais havia perdido o controle efetivo sobre o aparato institucional do que se convencionou chamar de Movimiento de Liberación Nacional Vasco (MLNV ou Movimento de Libertação Nacional Basco). Outro fato novo digno de nota é, como já dito antes, a aceitação dos Princípios Mitchell como norteadores do processo democrático.

Os mesmos princípios que nortearam o processo de paz na Irlanda do Norte e que culminaram com a entrega das armas por parte do IRA e da relativa pacificação dos grupos mais radicais.

Mas, efetivamente, o ponto mais significativo da declaração da ETA não está na trégua em si, mas em seus termos, na decisão de não realizar mais ações armadas de forma incondicional e unilateral, ou seja, a decisão de que, como bem interpretou o jornalista catalão Jordi Armadans, significaria que a ETA está, timidamente, começando a dizer adeus.

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Para conhecer mais sobre o conflito basco: Um olhar sobre o conflito basco e Sobre Euskal Herria

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Princípios Mitchell:

"Em consequência, recomendamos que as partes em tais negociações afirmem seu compromisso total e absoluto com:
  • O uso de meios exclusivamente democráticos e pacíficos para resolver as questões políticas;
  • O desarmamento total de todas as organizações paramilitares;
  • Concordar que o desarmamento deve ser verificável por uma comissão independente;
  • Renunciar para si, e se opor a qualquer tentativa de outros, a usar a força ou ameaçar utiliza-la para influir no curso e nos resultados alcançadas nas negociações multipartidárias;
  • Comprometer-se a respeitar os termos de qualquer acordo alcançado nas negociações multipartidárias e a recorrer a métodos exclusivamente democráticos e pacíficos para modificar qualquer aspecto destes acordos com que se possa estar em desacordo, e;
  • Instar que os "castigos" como assassinatos e espancamentos terminem e tomar medidas eficazes para prevenir tais ações."
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