quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Preconceito e Histórias de um Nordestino

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Abaixo, copio o depoimento de Givanildo Manoel, nordestino e morador de São Paulo, recebido através de uma das várias listas que participo.

Não sou nordestino de nascimento, mas de criação. Sou Carioca, mas fui criado na Paraíba (interior e capital), terra da minha avó, e em Pernambuco (também interior e capital) e boa parte da minha formação se deu em Recife, terra de minha mãe. Meu avô? Maranhense.

Meu pai é carioca, minha mãe viveu boa parte da vida no Rio, assim como meus avós, logo, vim de uma família nordestina com largos laços com o sudeste, com o Rio e fui criado com esta dupla visão, a de um carioca e a de um nordestino.

Sem dúvida não passei por nada comparável ou notei nada similar ao descrito pelo Giva no texto abaixo, mas não posso dizer que não entenda, que não conheça.
Car@s companheir@s,

Queria dar um depoimento pessoal em relação ao caso Mayara.

No começo de 1982 no começo da adolescência cheguei em São Paulo vindo do interior de Pernambuco com a minha mãe e irmãos, a minha vinda foi como a  de muitos nordestinos, que sem perspectiva de vida naquela ocasião, tinha que se desteritorializar, com todo o sentido do que significa isso e  reteritorializar em outro lugar de grande estranheza do seu local de origem.

Para muitos que são de São Paulo, pode ser que não compreenda esse processo, mas para quem vem de fora, acreditem, o impacto deixa marcas muito grande e mais ainda se for traumática, como foi o meu caso e de muitos outros.

São Paulo me traumatizou em muitos aspectos e o primeiro deles , foi em relação a questão urbana, para alguém que sai de uma cidadezinha de menos de 10 mil habitantes, com um traçado urbanístico português com casas ainda do estilo colonial, sem nenhum aranha céu, o que permitia vê o céu  azul e límpido, chega aqui e já se depara com os prédios monstruosos, sem que permitisse vislumbrar o céu e quando o via era plúmbeo,  o que alguns  anos depois lembrei do impacto daquele céu apresentado na minha chegada,  assistindo a Blade Runner. Aquele cenário, foi o primeiro choque que tive, lembro que me perguntava assustado, aonde estava o céu ?

Um segundo trauma, foi em relação ao tratamento que me foi dispensado pelas pessoas de forma geral,  que conheci nos primeiros tempos quando aqui cheguei, acontecia principalmente quando abria a boca para falar, que era sempre acompanhado por uma platéia sempre disposta a rir e me pedir um biz da minha fala, para repetir sempre , “ fala mais baiano”, foi assim na rua em que fui morar, foi assim com os filhos dos meus parentes  que aqui nasceram  e foi assim na escola.

Essa situação fez com que, eu recolhesse a minha fala para o mínimo possível externo a minha casa, ou seja, praticamente não falava na rua (latu) e durante um ano, fizesse um exercício absurdo para aprender a falar o paulistês, apesar de não entender porque era tratado daquele jeito, porque quando chegava um paulista ou alguém que estava morando em São Paulo, na minha cidade  era uma festa, as casas que recebiam os hóspedes ilustres, sempre era agraciada com visitas de toda a cidade e se fazia durante vários dias, a casa mais respeitada por ter tal honra de receber tão  ilustres visitantes.

Lembro que  uma das coisas que mais gostávamos daqueles visitantes, era o sotaque, nos derretíamos todos ao ouvir os paulistas falarem, que sempre levavam seus filhos e filhas  isso fazia com que as meninas se apaixonassem pelos meninos e os  meninos pelas meninas, era uma tristeza só quando iam embora.
  
Então a minha estranheza foi enorme, porque eu teria virado motivo de chacota, porque o meu sotaque , a minha fala, estava sendo caçada? Imediatamente não conseguia compreender, só muito tempo depois, pensando no que vivi é que fui compreendendo , que aquilo fazia parte de um acultura de opressão constituída na cultura brasileira, que dizia respeito ao dominador e dominado e mais contraditoriamente, que uma parte considerável daqueles que me oprimiam, tinha a sua origem familiar, exatamente nas regiões que eram oprimidas, que os pais tios e avós, fugiram da má sorte imposta  por quem tem poder , para vir para essas grandes cidades em busca de sobrevivência , tentando assim romper com a sina estabelecida.

Claro, que essa memória aliada com a necessidade de oferecer aos vencedores uma boa  prenda, impôs a necessidade de apagar da memória dos vencidos a sua verdadeira história, que em muitos casos levou a assumir a cultura do vencedor, que trás fortemente a marca da opressão.

A terceira e mais marcante opressão e pouco falada, poucas pessoas falam disso. Naqueles anos ainda de opressão, uma crise econômica assolava mais uma vez o capital, na medida que tínhamos a organização dos trabalhadores e  movimentos sociais, lutando pela efetivação da democracia, a crise econômica jogava grandes contingentes de trabalhadores na rua, logo o capital precisava encontrar responsáveis, que não ele, que não a sua lógica, nesse período surgiu, um grupo que se autodenominava, Comando de Caça aos Nordestinos –CCN, que destilava em muitos muros da cidade o seu ódio ao povo do nordeste, não era anormal encontrar muros com frases , “ Nordestino bom é nordestino morto!”, “Fora Nordestinos!”, “morte aos nordestinos!” . Lembro vagamente de noticias de ataques a nordestinos, porém, como São Paulo sempre foi uma cidade violenta, como comprovar isso?? Logo, não era relevante investigar esses crimes de ódio.

Lembro-me que tinha medo de duas coisas,naqueles idos de 80, da Rota e de encontrar com alguém desse CCN, a Rota ainda havia a possibilidade de mostrar o avental branco de estudante ( que era a forma da Rota não nos matar , depois que matou muitos estudantes que estudavam a noite) ,mas o CCN era exatamente no aspecto físico e na fala, que eu pensava que a minha sentença de morte estava assinada!

Penso que o capital cria diversos tipos de preconceitos para justificar a opressão, machismo, racismo, homofobismo, adultocêntrismo e tantas outras formas de opressão, sei que guardo muitas das características que põem levar a situações de opressão , mas o ódio e a opressão que sofri enquanto nordestino, foi o pior deles, talvez por ser um menino quando o sofri tão violentamente, mas, com certeza esse deixou uma marca em minha alma, que por muito tempo tive dificuldade de  superar os traumas desse ódio.

Sinto que o rebaixamento dessa campanha eleitoral, tenha retirado o que de importante tenha em uma campanha política, que é o aspecto educativo , principalmente para aqueles que fazem alguma defesa de classe, que retira a possibilidade de refletir essas opressões, colocando o que tem de pior em uma sociedade opressora , logo entendo que todos aqueles que rebaixaram o debate político são responsáveis por essa ação que esse grupo que é ligado a um partido x, mas poderia ser y ou z, não importa, todos aqueles que aceitaram o debate conservador e opressivo,  é responsável pela Mayara.      

Givanildo Manoel, do blog http://infanciaurgente.blogspot.com/
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