quinta-feira, 17 de março de 2011

Maria Bethânia, falência do MinC e a discussão do financiamento aos blogs

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Muito já foi comentado sobre os absurdos milhões de reais que Maria Bethânia poderá captar para a criação de um blog, ou vlog, onde postará 365 vídeos dela declamando poesias diversas, mas acredito que muitos esqueceram um ponto muito importante, que é o financiamento público (ou mesmo através de captação de fontes privadas) de blogs, enfim, da blogosfera. Algo que foi discutido durante o primeiro BlogProg e em outros encontros e conversas paralelas. A questão se centra na distorção dos patrocínios, financiamentos e permissões.

Mas vamos por partes.

O Daniel Duende fez um extenso e excelente post sobre o caso, atentando para as inúmeras e imensas falhas do MinC e para a completa e definitiva guinada do Ministério que, agora, voltou a ser comandado por uma casta de artistas interessados em garantir seus benefícios e não em socializar, compartilhar e, enfim, se integrar na era da cultura digital:
O que está acontecendo agora é que, com a gestão da Dona Louca dos Hollanda, esta velha alta casta está voltando a se apoderar do ministério da cultura (com letras minúsculas. não merece mais a caixa alta, como não merecia nos tempos de Francisco Weffort). A destruição da nova política de direitos autorais e a ruptura com as políticas dos anos Lula são apenas a ponta do iceberg visível para quem não trabalha na área. O que está acontecendo lá no fundo é mais nefasto. É o desmantelamento completo de um Ministério, que pouco a pouco parece estar sendo revertido no que era nos tempos de Fernando Henrique Cardoso. É por essas e por outras que eu digo que Dilma Rousseff começa seu governo com o pé da direita.
Outro problema, apontado também pelo Duende e por outros é o do fato da Maria Bethânia simplesmente não precisar deste tipo de artifício para um blog ou para shows. Ela é artista consagrada que já chegou a conseguir 3 milhões de reais para uma turnê sem precisar de MinC para intermediar.

O problema, caso alguns ainda não tenham entendido, não é o uso de dinheiro público por ela, isso não acontece diretamente de fato, mas que as empresas e pessoas físicas que a patrocinarem receberão uma contrapartida significativa, que é a redução de tributos no Imposto de Renda, ou seja, incentivos fiscais.
@viniciusduarte: Autorizar a Bethânia a captar R$ 1,3 mi corresponde ao governo ABRIR MÃO de R$ 520 mil em impostos, no mínimo.
@viniciusduarte: No mínimo, porque ela pode captar 100% do valor com pessoas físicas (há mercado pra isso) e o valor sobe pra R$ 1,04 mi.
Como apontou o Mello, não há nada de ilegal nisso tudo. Mas há uma falta tremenda de responsabilidade (do ministério e da cantora) e de foco (do ministério) e demonstra a necessidade urgente de se reformar o arcabouço jurídico e de incentivos do MinC. Não nos esqueçamos, porém, que a ministra Ana de Hollanda jogou no lixo todos os anos de discussão, por exemplo, da Lei de Direitos Autorais, avisando que iria iniciar uma nova consulta que, sem dúvida, terá moldes muito menos participativos.
O problema não é o MinC injetar grana e influência para que Bethania possa se promover e fazer dinheiro. O problema é que Bethania não precisa dessa ajuda — ela é Maria Bethania,afinal! Todo mundo compra o que ela faz! — e os valores são muito elevados. Tá certo que custa caro fazer 365 filmes, mas o MinC precisa ajudar só pq uma velha tropicalista inventou que quer fazer 365 filmes e botar na internet? (…) E mais… a pergunta mais importante é… E se outras grandes vozes brasileiras que não são amigas dos Reis quiserem fazer o mesmo? Ou é só a Abelha Rainha que pode?
O Pabllo Villaça, por exemplo, aponta distorções absurdas na legislação:
Em primeiro lugar, há que se observar uma perversão do sistema representada pelo modo de captação em si: dos 1,3 milhão de reais aprovados, nada menos do que 130 mil reais (ou 10%) ficarão com a empresa responsável pela captação. É um valor ofensivo quando consideramos que é um dinheiro saído do bolso do contribuinte para, a rigor, apoiar um projeto de cunho cultural - não para enriquecer uma empresa (ou, em muitos casos, laranjas) que fez a intermediação do negócio. A porcentagem da comissão deveria ser bem menor - e deveria, também, ter um limite quanto aos números absolutos relativos a cada projeto. 130 mil reais é um valor indecente. (Update: há um teto - ainda absurdo - de 100 mil reais por projeto.)
Ele continua apontando que, do valor que sobra desta dedução, teríamos mais de 3 mil reais para cada vídeo de poucos minutos, o que dispensaria uma mega produção, afinal, a Bethânia vai apenas declamar poesias e não fazer uma série de curtas com efeitos especiais e explosões. Nada justifica um valor absurdo destes que, no fim, se refletirão nos nossos bolsos, via os incentivos que os patrocinadores receberão.

O problema central, enfim, apesar de todas as falhas na legislação, é da facilidade com que uma artista consagrada - e que claramente não precisaria destes meios - consegue aprovar projetos e conseguir financiamentos nababescos, enquanto milhares de pequenos artistas ficam a ver navios, pois não são - teoricamente - tão atraentes como os da elite.

Mesmo com todas estas distorções a ministra ainda quer apertar e dificultar a vida dos pontos de cultura que, com muito menos, realizam grandes projetos de inclusão. Como se vê, está tudo errado nesse ministério.

Concordo plenamente com o Marcos Bahé, do Acerto de Contas, quando este diz:
Não é por nada, não. Se Chico Buarque tivesse nascido filho único, o mundo não teria perdido nada.
A Ariane Fonseca, do "Diário de um repórter" fez interessante comentário:
Mas o grande problema desse assunto mesmo não é a Maria Bethânia em si e a sua ideia, são as leis do governo de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet. Será que com R$ 1,3 milhão não daria para fazer um projeto bem mais útil para a sociedade? Essa verba não poderia ser destinada a artistas menos conhecidos, que têm muito a mostrar? Vídeos na internet costumam ter um investimento menor que para TV, contudo, exploram mais a criatividade. Custa ela pegar uma câmerazinha handcam e gravar? Talvez fizesse até mais sucesso!
E eu não poderia deixar de colocar ainda os sempre pertinentes comentários do Maurício Caleiro no Twitter:




Mas, chegamos ao que vejo como grande problema, que também é o somatório de todos os demais, em especial deste financiamento deslocado para medalhões em detrimento de financiamento aos pequenos, aos iniciantes e a quem tem muito o que mostrar e não encontra meios.

Vi gente depreciando os blogs, dizendo que blog não precisa de dinheiro quando, na verdade, o problema não é este. Sim, os blogs, ou melhor, nós, blogueiros, temos contas a pagar, temos muito o que fazer para manter nossos blogs que nem sempre são só hobbies, mas comprometimento social, militância, serviço público e etc.

Usar o falso argumento de que Bethânia quer fazer um blog e que, então, isso é interessante porque blogs precisam de dinheiro é estúpido. Nem isto vai abrir as portas para nós, blogueiros, e nem Behânia tem em si o interesse de virar uma blogueira, mas tão somente se aproveitar da frouxidão da lei pra criar um site e declamar poesias com dinheiro público.

Novamente, é o petismo radical e cego, incapaz de criticar qualquer coisa que venha do governo, mesmo os absurdos da Ana de Hollanda na frente do MinC. Ou estas pessoas recebem grana de alguém ou simplesmente não tem decência, porque é difícil de entender a defesa incondicional do MinC, da visita da Dilma à Folha, Ana Maria Braga, Hebe (ao PIG inteiro) e agora a defesa desta aberração?

É fato que o MinC já deu milhões pro Instituto FHC digitalizar arquivos sem nunca ter efetivamente feito isto, deu 3 milhões para a Globo montar site sobre movimento estudantil ou mesmo deu rios de dinheiro para o Cirque de Soleil, mas ao invés de colocar em comparação estes casos, devemos somá-los. Não é porque fizeram besteira no passado que justifica mais esta.

O valor milionário que permitiram à Bethânia captar é um absurdo em qualquer circunstância, mas eu não vejo problema em haver financiamento para blogueiros que efetivamente exerçam uma atividade social. Aliás, acho que deveria ter! Na verdade, a questão até escapa do valor em si, mas do foco. Uma artista consagrada recebendo milhões, enquanto tantos artistas não ganham nada.

Seria mais justo [o financiamento] para um poeta iniciante, com vontade e talento, querer patrocínio para fazer um trabalho colaborativo com algum cineasta na mesma situação e ter como, senão viver disso, ao menos não ter prejuízo e poder se dedicar e realizar um bom trabalho. Bethânia não precisa deste dinheiro, mas eu posso encontrar 100 blogueiros, músicos e artistas em geral que ficariam felizes em dividir esta bolada e promover verdadeiras revoluções culturais e estéticas.

Da mesma forma, acho absurdo financiamento público via incentivo ou direto para peças de teatro caríssimas ou para o Cirque de Soleil, que cobra uma fortuna. Novamente, o problema está na legislação e no foco daqueles aprovados para receber financiamento.

Oras, porque uma Veja ou uma Folha de São Paulo recebem financiamento via propaganda institucional sem que haja qualquer questionamento e um blogueiro, que muitas vezes é mais honesto e correto não pode receber nem um trocado? Sim, a fonte do investimento aqui é outra, mas é válido lembrar mais esta distorção.

Pode parecer corporativismo, ou que quero defender meu lado, mas a verdade é que blogar, em muitos casos, é sinônimo de jornalismo, tem função social, agrega algo à sociedade e deveria poder ser atividade minimamente remunerada, patrocinada.


Alguns estão discutindo deforma desfocada, o problema não é o financiamento aos blogs, mas sim a quem se destina e o absurdo do valor.

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A imagem que abre o post é do blog criado para "homenagear" a Maria Bethânia, o Blog da Bethânia - Um milhão de motivos para você acessar. Nem precisa comentar que o nome dela figurou entre os primeiros nos TT brasileiros o dia inteiro.

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