Enquanto o Caleiro, de forma primorosa, aponta as diversas e incontáveis falhas e absurdos do governo Dilma, os demais - e muitos outros petistas - se limitam a pôr panos quentes. as desculpas oscilam entre "é muito cedo", passando pelo "ela faz o que pode" e pelo "são as alianças" até o "o PT jamais disse que iria romper com o Capital".
E me concentro no último ponto, mas também deixando claro que o problema com as alianças é culpa do próprio partido, que para ter uma ampla base resolveu aceitar tudo e todos, qualquer um disposto a se vender em troca de cargos e dinheiro.
Aliás, ainda na questão das alianças, o PT trocou o Movimento Social, o apoio destes grupos, pelo apoio do empresariado e de parte das elites e classe média. O PT preferiu neutralizar, aparelhar e em muitos casos esvaziar (vide análise do professor Rudá Ricci sobre o papel nefasto do PT sobre o MST) os movimentos sociais do que governar com eles e para eles.
A escolha foi feita muito antes de 2002 e da Carta aos Brasileiros, mas foi finalmente assumida a partir daí. Sem os movimentos, a saída é cada vez mais depender das piores alianças possíveis, da venda de bandeiras. Lugar comum em várias análises são as críticas ao PSOL. Os membros que formaram o partido foram expulsos do PT por defender as bandeiras históricas jogadas no lixo depois da Carta aos Brasileiros. Foram expulsos por defender a superação do Capital e não uma aliança com este.
O PT, em 2002, teve de escolher. O povo ou o Capital. Escolheu o Capital, mas resolveu dar uma ajudinha ao povo, ou melhor, encontrou a fórmula para continuar no poder e perpetuar sua agenda. Uma aliança carnal o Capital através da diminuição da pobreza, sem, porém, atacar os reais problemas de inclusão social, ou seja, ajudam o Capital ao aumentar o mercado consumidor, mas sem alterar a estrutura societária e social do país.
Os insatisfeitos foram expulsos ou são sufocados, muitos outros são comprados e parte da militância passa a agir como cães do partido e do Capital, defendendo com unhas e dentes o discurso da inclusao econômica e do consumismo, como se isto fosse a redenção da humanidade.
Durante os 8 anos de governo Lula o discurso era sempre o mesmo: 8 anos é pouco tempo para realizar reformas profundas e mudanças estruturais. Com Dilma o discurso se mantém, mas também evolui: O governo é muito recente (é proposital e diferenciação entre Lula e Dilma, como se fossem diferentes, para evitar cobranças), mas agora a aliança com o Capital é a base de sustentação do governo, é necessário, ou melhor, sagrado.
Nenhum problema nessa aliança PT/Capital em si (o partido e suas lideranças fizeram uma opção, por pior que esta seja), a questão é a defesa intransigente de boa parte da militância dessa situação ridícula. É a militância do PT defendendo o Capital e considerando que isto é, em si, um avanço para o país.
Se o governo estivesse fazendo maravilhas não resta dúvida de que a militância estaria gritando e louvando as realizações, mas como o governo tem sido pífio, a desculpa do "pouco tempo" impera e persiste. Não importa se 2 meses, 2 anos ou mesmo duas décadas, os "problemas estruturais" sempre serão um problema - lembrando que o PT, segundo a própria militância, não tem qualquer intenção de resolver estes problemas.
Dois meses ou três meses foram suficientes para ver que o governo Dilma representa um significativo retrocesso mesmo frente ao governo Lula, que pouco progrediu em direção a uma real inclusão e superação do modelo vigente. Não só na área econômica, mas em diversas outras, como no Meio Ambiente e na Cltura, o governo representou e representa não os interesses da população ou muito menos da militância, mas os do grande capital, dos especuladores, do empresariado.
Não se trata de exigir que Dilma cumpra o prometido em dois meses, mas que ao menos não destrua tudo que foi construído em oito anos! As premissas estão sendo propositadamente trocadas.
Disse Maurício Caleiro:
Os primeiros dois meses do governo Dilma, embora reafirmem as duas primeiras razões para apoiá-la enquanto candidata, põem em questão, ao retornar ao velho neoliberalismo via corte de R$50 bi do Orçamento, suspensão de concursos e de contratações e anúncio de que a meta é zerar o déficit nominal – algo que, repito, nem Lula I ousou propor - a capacidade petista de conduzir a administração federal com preceitos próprios, sem se valer da mesma orientação econômica neoliberal, matizada aqui e ali, que tanto agrada ao deus-mercado e aos tucanos.E tudo isto com parte da militância se empenhando em matar as críticas, sejam elas da direita ou mesmo de/da esquerda.
Ainda mais do que o retrocesso no MinC, o salário mínimo merreca (que pode ser compensado no futuro, se seguido o acordo, o que duvido), a visita à Folha, a transformação da presidenta em garota-propaganda de si mesma com aparições “mulherzinha” nos programas da Hebe e da Ana Maria Braga e a clara estratégia de cooptar a classe média conservadora, dispensando os “radicais”, é esse retrocesso neoliberal ao mais comezinho economicismo o que torna o início de governo Dilma tão ruim.
Pois não só joga fora as parcas mas efetivas conquistas do segundo governo Lula no sentido de retomar ao Estado alguma autonomia gerencial à revelia da ortodoxia econômica, como passa, de novo, a priorizar como ente decisório o mercado, em detrimento das demandas do povo - como tão bem ilustra o fato de que os dois últimos aumentos da taxa de juros custaram aos cofres públicos quatro vezes mais que o aumento do Bolsa-Família (única medida positiva do governo até agora, não tivesse sido relativizada e tornada mero jogo de cena pelo corte no programa Minha Casa, Minha Vida).
Qualquer tipo de crítica logo esbarra no "esquerdismo". É engraçado ver petistas defendendo aliança com o Capital e criticando de esquerdismo a oposição, pois até onde eu sei ninguém de esquerda pode sonhar em se aliar com o Capital. Não se tenta discutir efetivamente, com argumentos. Como responder a quem, de início, desqualifica suas ríticas desta forma?
Dilma e o retrocesso que a direita adora ou Esquerdismo do jardim da infânciaNão se discute o mérito, mas se blinda o governo através do esvaziamento da questão. É a pura defesa do status quo, sem qualquer rompimento, ou seja, aliança pura e descarada com o capitalismo:
É preciso ter claro: o PT não se propôs em nenhum momento, nem em 2010, 2006, 2002, 1998 ou 1994, a romper com a institucionalidade burguesa, exceto em 1989, que tinha ainda um programa anticapitalista.Ou seja, onde está o partido de esquerda anticapitalista? Na verdade estamos diante de uma social-democracia torpe, já contaminada pelos retrocessos europeus e que pode propiciar a volta de uma direira ainda mais radical, pois muitas de suas bandeiras foram apropriadas por essa centro-esquerda, deixando um vazio ideológico que já foi sentido na radicalização de Serra/PSDB nas últimas eleições.
[...]
Portanto, ao apoiar um governo de um partido como o PT é preciso ter claro: ele NÃO ROMPERÁ os laços com o grande capital. Tentará sempre que possível conciliar estes interesses em luta, procurará ampliar os espaços de participação política, mas muito se frustrará quem acha quem será totalmente distinto de um governo burguês comum.
Restou também para esta "esquerda" europeizada no pior sentido a defesa de um programa mínimo de aliança com a direita, a entrega de bandeiras outrora suas e a defesa de um centro que não questiona:
Quem milita na esquerda não pode vir com um papo de “traição”, pois ou não leu o programa ou, pior. leu e não o entendeu. Fatalmente cairá no esquerdismo tardio, típico do jardim de infância. Alguns fundam outros partidos (PSOL, PSTU), que sem política global viram seitas ou grupamentos de tendências em lutas permanentes.Para aqueles que se recusaram a trair as antigas bandeiras, resta ser acusado de tudo.
Outra forma típica de matar a crítica é chamar aquele que critica a guinada do PT de direitista. Seja o indivíduo do PSOL, do PSTU, apartidário ou qualquer outra coisa, acaba sendo simplesmente "de direita" ou então da "esquerda que a direita gosta" quando, todos sabem, direitista é aquele que faz e defende aliança com o Capital, e não o contrário!
Esta parcela da esquerda pró-capital ligada ao PT adotou o mesmo discurso economicista que tanto combatia durante o governo FHC, dando as mesmas desculpas esfarrapadas para os cortes e ajustes ditados, sabemos todos, de fora.
A política brasileira está de cabeça para baixo.
Outro ponto que merece ser discutido, mas em outro momento, é o das alianças:
Base de apoio a governos centrais é “rede de arrasto”, vêm apoios os mais cretinos possíveis. Por exemplo, Maluf é da base, Collor, Sarney, mas a pergunta é bem objetiva: são estes que dão a dinâmica do governo??Em tese está correto, mas a realidade é outra. Sarney Kassab, Maluf e cia não passam ou passaram a apoiar a base por boa vontade ou porque simplesmente não conseguem ficar longe do poder, mas porque levarão algo em troca. Não se dá apoio, se vende apoio. A questão é, o que o governo está dando em troca deste apoio, do que está abrindo mão? Ou pior, do que está abrindo mão em nosso nome!?
Por fim, alguns repetem o mesmo discurso não de FHC, mas de Delfim Netto e da Ditadura, do eterno bolo que deve crescer para que seja, enfim, dividido. Pena que este dia nunca chega.
Há um voluntarismo e uma urgência nessas críticas que não contemplam a real necessidade de um planejamento de médio e longo prazo. Em tudo na vida é preciso fazer alguns recuos que preparam novos avanços. As pessoas estão angustiadas porque estão sensíveis com o drama da sociedade. A dívida social é gigantesca, sabemos todos. O que não se pode é transformar sua justa angústia, que é fruto de solidariedade, em açodamento, trocar os pés pelas mãos e amanhã fazer uma bobagem que venha contra aquilo que já foi feito e considerado 'avanços'.Temos de segurar as pontas, dar uma parada, fazer recuos, para então crescermos como nunca! Este discurso está atrasado pelo menos 30 anos.