quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cinema e Novela como instrumentos de mudança: Carne, Osso & Amor e Revolução

Pin It
Não sou um crítico de cinema, de novelas ou de qualquer coisa do tipo. Assisto ao máximo de filmes que posso, especialmente os políticos. Mas me sinto na obrigação de recomendar um excelente documentário, que concorre ao prêmio na Competição Brasileira do É Tudo Verdade de 2011.

"Carne, Osso", produzido pela ONG Repórter Brasil - coordenada pelo Leonardo Sakamoto, que muitos devem conhecer - é um soco no estômago.
Na esteira do aumento do consumo de carne e frango no País e da exportação alcançada pelos frigoríficos brasileiros, as jornadas de seus trabalhadores vêm se tornando cada vez mais estafantes, penosas e perigosas. A exigência de um rendimento crescente nas linhas de produção obriga os funcionários a uma rotina progressivamente mais rápida, implicando a realização de diversos movimentos repetitivos por minuto, o que vêm levando a inúmeros problemas de saúde. Tendinites, dores, artroses, atrofias de nervos, problemas de juntas e de coluna integram o quadro de doenças profissionais do setor, muitas vezes responsáveis pela incapacitação de diversos empregados – alguns deles, não só para funções no mercado dos frigoríficos, mas para todo e qualquer trabalho, em faixas etárias relativamente jovens.
R: CAIO CAVECHINI | DF: LUCAS BARRETO | C: LUCAS BARRETO | SD: CARLOS JULIANO BARROS | M: CAIO CAVECHINI | Mu: ANDRÉ CAMPOS | P: MAURÍCIO HASHIZUME | PE: CARLOS JULIANO BARROS | CP: ONG REPÓRTER BRASIL | 

A descrição não consegue descrever perfeitamente o filme. Só assistindo aos depoimentos de quem passou anos trabalhando na indústria, nos frigoríficos, e perdeu o movimento dos membros, se feriu gravemente, perdeu membros e sofreu profundos danos psicológicos para compreender a situação.

Ao invés da tradicional ótica sobre o alimento em si, dos vários filmes e documentários que tratam da situação pela ótica do animal, ou melhor, pela forma que a ave, o bovino e etc são tratados na hora do abate e antes, uma visão sobre o ser humanos, sobre quem processa, prepara o alimento.

Longas horas de trabalho em ambiente inóspito, gelado, sem condições de segurança. Pressão por metas desumanas, com poucos segundos para a execução de intermináveis movimentos repetitivos, nenhum tempo sequer para ir ao banheiro, conivência de médicos das empresas... São apenas alguns pontos tratados pelo filme, cuja base é a entrevista com vítimas, ex-trabalhadores, agentes e fiscais do trabalho e juízes, tudo intercalado por imagens do interior das fábricas, do serviço desumano.

Mas além do valor como documentário, o filme tem valor artístico, com uma gravação primorosa e uma fluidez ímpar.

Segundo o Sakamoto me disse, o filme será disponibilizado na rede assim que participar de mais dois festivais - internacionais - de documentários. Recomendo que todos fiquem de olho e divulguem esta produção fantástica.

-----

Mas se não sou crítico de cinema, o que falar de novelas. A última que assisti deve ter sido ha mais de 15 anos. Não gosto da linguagem, da atuação e nem da obrigação diária, do comprometimento de estar todo dia disposto e livre para assistir.

Mas resolvi topar o desafio dar uma chance à nova novela do SBT, Amor e Revolução. E tive uma grata surpresa.

De fato, em geral algumas atuações sofríveis (especialmente entre o elenco jovem), uma linguagem que não me agrada muito, mas o tema - a Ditadura Militar - e a música (Chico, Milton, sucessos da MPB anti-Ditadura) me deixaram grudados na TV.

Se por um lado é verdade que as novela são o veículo preferencial do Capital vender seus produtos e passar sua mensagem, por outro, também podem ter uma função social (as novelas comprovadamente ajudaram a reduzir a taxa de natalidade no país durante muitos anos), e sem dúvida, mostrar a verdade sobre os "Anos de Chumbo", a tortura, os desaparecimentos e perseguições se encaixa neste quesito.

A novela não só mostrou de forma nua e crua a realidade do período, como ainda terminou o capítulo com o depoimento emocionante de Amélia Telles, presa, torturada em frente aos seus filhos, pela Ditadura.

A direita e os milicos de pijama (além do Bolsonaro) devem estar espumando de ódio. Isso é excelente!

Já as conjecturas de muitos, sobre os reais motivos para o SBT do malufista Sílvio Santos produzir uma novela de esquerda pouco importam. Se é para agradar o PT ou não (que salvou o Sílvio há algum tempo), a verdade é que desagrada a direita e resgata a nossa história, sem cortes, sem suavizar.

É disso que precisamos agora. Criar o debate, fazer o povo comentar, se indignar, questionar o porque da não-punição até hoje, da impunidade. Quem sabe - não custa sonhar - a novela crie interesse mesmo sobre a própria esquerda, sua ideologia, ideais...?

Pelo que vi, o IBOPE do primeiro capítulo foi, para os padrões do SBT, excelente. Terceiro lugar em São Paulo, segundo em Minhas e DF...

A novela, sem dúvida, pode e vai gerar debate na sociedade e pode contribuir para acelerar a criação da Comissão da Verdade e para que se abram os arquivos da Ditadura, se seguir pelo caminho que apontou no primeiro capítulo.
------