"Carne, Osso", produzido pela ONG Repórter Brasil - coordenada pelo Leonardo Sakamoto, que muitos devem conhecer - é um soco no estômago.
Na esteira do aumento do consumo de carne e frango no País e da exportação alcançada pelos frigoríficos brasileiros, as jornadas de seus trabalhadores vêm se tornando cada vez mais estafantes, penosas e perigosas. A exigência de um rendimento crescente nas linhas de produção obriga os funcionários a uma rotina progressivamente mais rápida, implicando a realização de diversos movimentos repetitivos por minuto, o que vêm levando a inúmeros problemas de saúde. Tendinites, dores, artroses, atrofias de nervos, problemas de juntas e de coluna integram o quadro de doenças profissionais do setor, muitas vezes responsáveis pela incapacitação de diversos empregados – alguns deles, não só para funções no mercado dos frigoríficos, mas para todo e qualquer trabalho, em faixas etárias relativamente jovens.R: CAIO CAVECHINI | DF: LUCAS BARRETO | C: LUCAS BARRETO | SD: CARLOS JULIANO BARROS | M: CAIO CAVECHINI | Mu: ANDRÉ CAMPOS | P: MAURÍCIO HASHIZUME | PE: CARLOS JULIANO BARROS | CP: ONG REPÓRTER BRASIL |
A descrição não consegue descrever perfeitamente o filme. Só assistindo aos depoimentos de quem passou anos trabalhando na indústria, nos frigoríficos, e perdeu o movimento dos membros, se feriu gravemente, perdeu membros e sofreu profundos danos psicológicos para compreender a situação.
Ao invés da tradicional ótica sobre o alimento em si, dos vários filmes e documentários que tratam da situação pela ótica do animal, ou melhor, pela forma que a ave, o bovino e etc são tratados na hora do abate e antes, uma visão sobre o ser humanos, sobre quem processa, prepara o alimento.
Longas horas de trabalho em ambiente inóspito, gelado, sem condições de segurança. Pressão por metas desumanas, com poucos segundos para a execução de intermináveis movimentos repetitivos, nenhum tempo sequer para ir ao banheiro, conivência de médicos das empresas... São apenas alguns pontos tratados pelo filme, cuja base é a entrevista com vítimas, ex-trabalhadores, agentes e fiscais do trabalho e juízes, tudo intercalado por imagens do interior das fábricas, do serviço desumano.
Mas além do valor como documentário, o filme tem valor artístico, com uma gravação primorosa e uma fluidez ímpar.
Segundo o Sakamoto me disse, o filme será disponibilizado na rede assim que participar de mais dois festivais - internacionais - de documentários. Recomendo que todos fiquem de olho e divulguem esta produção fantástica.
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Mas se não sou crítico de cinema, o que falar de novelas. A última que assisti deve ter sido ha mais de 15 anos. Não gosto da linguagem, da atuação e nem da obrigação diária, do comprometimento de estar todo dia disposto e livre para assistir.
Mas resolvi topar o desafio dar uma chance à nova novela do SBT, Amor e Revolução. E tive uma grata surpresa.
De fato, em geral algumas atuações sofríveis (especialmente entre o elenco jovem), uma linguagem que não me agrada muito, mas o tema - a Ditadura Militar - e a música (Chico, Milton, sucessos da MPB anti-Ditadura) me deixaram grudados na TV.
Se por um lado é verdade que as novela são o veículo preferencial do Capital vender seus produtos e passar sua mensagem, por outro, também podem ter uma função social (as novelas comprovadamente ajudaram a reduzir a taxa de natalidade no país durante muitos anos), e sem dúvida, mostrar a verdade sobre os "Anos de Chumbo", a tortura, os desaparecimentos e perseguições se encaixa neste quesito.
A novela não só mostrou de forma nua e crua a realidade do período, como ainda terminou o capítulo com o depoimento emocionante de Amélia Telles, presa, torturada em frente aos seus filhos, pela Ditadura.
A direita e os milicos de pijama (além do Bolsonaro) devem estar espumando de ódio. Isso é excelente!
Já as conjecturas de muitos, sobre os reais motivos para o SBT do malufista Sílvio Santos produzir uma novela de esquerda pouco importam. Se é para agradar o PT ou não (que salvou o Sílvio há algum tempo), a verdade é que desagrada a direita e resgata a nossa história, sem cortes, sem suavizar.
É disso que precisamos agora. Criar o debate, fazer o povo comentar, se indignar, questionar o porque da não-punição até hoje, da impunidade. Quem sabe - não custa sonhar - a novela crie interesse mesmo sobre a própria esquerda, sua ideologia, ideais...?
Pelo que vi, o IBOPE do primeiro capítulo foi, para os padrões do SBT, excelente. Terceiro lugar em São Paulo, segundo em Minhas e DF...
A novela, sem dúvida, pode e vai gerar debate na sociedade e pode contribuir para acelerar a criação da Comissão da Verdade e para que se abram os arquivos da Ditadura, se seguir pelo caminho que apontou no primeiro capítulo.