Chegamos ao ponto em que muitos querem ter o direito (sic) de discordar da homossexualidade. Oras, discordar do que? Das práticas? Que práticas: O de ser um ser humano, que ama, que beija, que transa, que respira, pensa e vive?
Levando em conta que o sexo, o afeto e o amor são partes indissociáveis da vida, como você pode querer definí-las como "práticas" e negar a todo um grupo social o direito ao amor em todas as suas formas?
Homossexualidade - ou homossexualismo - pro homofóbico é algo sujo, impuro, anti-cristão e deve ser escondido. Oras, será coincidência que uma novela nunca teve um beijo gay de verdade? Ou talvez que a Globo considere o beijo gay ou a própria idéia de homossexualidade tão grotesca que se preocupa em esconder das criancinhas?
A Globo cortou cenas de alcoolismo, trote telefônico e um beijo gay entre Homer e Moe, no episódio "Todo o Mundo Morre um Dia" de "Os Simpsons", exibido na manhã da sexta-feira passada.Pois é, o "ato homossexual" do simples beijo é algo a ser censurado, escondido, pelo bem da família e das mentes frágeis infantis... Mas só até a hora da novela, quando vemos muita putaria hétero mesmo ou até a hora dos jornais, com sua violência e sensacionalismo grotesco.
A sequência teve mais de um minuto e era importante para a conclusão do capítulo. A emissora afirma que não mostrou as imagens do desenho devido à classificação indicativa do horário, que é livre.
Mas para não serem chamados de homofóbicos - o que diria o Bolsonaro? - resolveram também cortar o famoso trote telefônico e as cenas de alcoolismo, basicamente uma das razões de ser do desenho.
As pobres criancinhas poderiam começar a fazer trotes porque viram nos Simpsons ou iriam beber sem parar pela mesma razão... Engraçado, até onde eu sei passar trotes é algo que 99% das crianças acaba fazendo uma ou outra vez em suas vidas, e sem desenho pra influenciar, e não acredito que cenas de alcoolismo em um desenho sejam tão ou mais nocivas do que as propagandas de cerveja que pipocam na TV com mulheres semi-nuas....
Mas o beijo gay... Esse vai contra a família! Os terríveis defensores da heterofobia (oi?) querem destruir a família!
A família, essa organização abstrata que a mídia vende de acordo com o modelo cristão de pai, mãe e filhos, quase como no sonho americano. Não poderia ser mais distante da realidade.
O que dizer dos religiosos que aproveitam a inexistência de uma lei específica para desfilar toda sua homofobia? Não, meus amigos, pouco importa se supostamente a crença na inferioridade, impureza e etc dos gays está ou não na bíblia.
A bíblia foi usada pra justificar a escravidão de negros, a inferioridade de índios (estes nem alma tinham), foi usada pra justificar inquisição, genocídios mil... Mas racismo é punido com cadeia, preconceito contra índios ou mesmo a violência contra eles (desde que você não seja um adolescente desocupado de classe média, claro) é punida com a cadeia e nem preciso falar que a Inquisição acabou.
Mas a homofobia persiste.
E não adianta vir falar que é bíblico, logo, deve ser respeitado, ou melhor, deve ser perpetuado. Se os cristãos querem efetivamente seguir sua religião, antes de defender a morte de gays, deveriam seguir:
- nunca mais comer carne de porco (Levítico 11:7-8);
- nunca usar nenhuma roupa que tenha mais de um tipo de tecido em sua fabricação (Levítico 19:19);
- nunca aprender nada de alguma mulher, que deve estar sempre em submissão e silêncio (1 Timóteo 2:11-15);
- não se aproximar ou tocar mulheres menstruadas sob pena de permanecer ‘imundo’ (Levítico 15:19);
- defender pena de morte para adúlteros (Levítico 20:10) e seguidores de outras religiões (Deuteronômio 17:2-7) e também defender escravidão (Levítico 25:44-46);
Simples, não?
Então não me venham com esta baboseira de que a homofobia é bíblica, logo, deve ser tolerada e permitida mesmo que só dentro de templos.
Vivemos em sociedade, logo, o ódio dentro desta sociedade deve ser evitado. Não importa se deus acha bom ou ruim. O Estado é Laico, logo, não existe deus para o Estado. E, se o "crente" ainda quiser continuar, que passe a respeitar LITERALMENTE TODOS os mandamentos bíblicos e TODAS as pequenas regrinhas contidas nela, e não apenas as partes que interessam.
Mas também fala-se em "opção", a homossexualidade seria uma opção, mas me pergunto em que mundo alguém decidiria ser vítima de perseguição, vítima de violência e preconceito. Você nasce gay, você nasce branco, você nasce negro e nasce hétero.
Graças ao preconceito e a toda a mística da sociedade em que vivemos, que apenas enxerga a heterossexualidade como única característica humana, os gays por vezes parecem optar por sua sexualidade, porque são forçados a esconder, a se conformar, a enganar aos outros e a si mesmos sobre sua sexualidade.
Quando saem do armário, se libertam, dão a impressão de que "viraram" gays, de que optaram por uma vida de inferioridade social imposta.
Não é por aí.
Aliás, vale lembrar também da questão da linguagem. Não se diz Homossexualismo, o que remete a doença, mas Homossexualidade. E sim, faz diferença. Me lembro de uma época em que achei besteira quando um amigo gay me chamou a atenção por esta falha e fiz pouco caso. Errei feio. As palavras tem muito poder.
Da mesma forma, já achei que me referir a um grupo apenas no masculino é errado e não custa nada sempre fazer menção a todos e todas, e não só a todos. Parece algo besta, mas no fim altera toda a relação que temos com as pessoas e a forma como lidamos com as diferenças.
Ainda estamos engatinhando. Os crimes homofóbicos se multiplicam, a violência cresce enquanto o debate começa também a crescer. A pressão pela criminalização da pregação do ódio começa a se fazer ouvida.
Ainda há muito a fazer.
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Acompanhem a série de postagens do Global Voices sobre Homofobia, intolerância e preconceito:
Brasil: Homofobia, Religião e Política
Brasil: Panorama LGBT em Debate
Brasil: Internautas Comemoram o Reconhecimento da União Gay