segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Não-violência enquanto tática, uma visão histórica e o caso palestino

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Quando falamos em Não-Violência, logo nos vem a mente as figuras de Gandhi e de Nelson Mandela e, para quem tem em mente a Palestina, os casos das vilas de Bil'in, Ni'lin e vizinhas na Cisjordânia.

Mas até que ponto a não-violência tem efeitos práticos e, também, até que ponto os exemplos comumente citados são realmente válidos?

Quando falamos em Mandela, nos lembramos apenas do período em que este esteve na prisão por "atividades subversivas" - sem jamais nos perguntarmos quais atividades eram estas - e do período posterior, de abertura política, negociação e, graças ao filme "Invictus", da copa do mundo de Rugby nos anos 90. Mas voltemos às "atividades subversivas" por um momento. Mandela, ao contrário do que muitos pensam, nunca foi um pacifista, mas um pragmático que foi líder do braço armado do CNA (Congresso Nacional Africano), o Umkhonto we Sizwe, ou Lança da Nação, responsável por dezenas de mortes durante o regime do Apartheid.

O que se vê é que Mandela utilizou a não-violência apenas quando sentiu que esta era a tática mais correta no período em que se encontrava, e mesmo assim, o grupo apenas suspendeu suas atividades em 1990. Mandela e o CNA erma considerados terroristas pelo governo Sul-Africano, da mesma forma que o partido nacionalista basco Batasuna (alegado braço político da ETA) e o Hamas ou até mesmo a Fatah. É fácil notar que a não-violência era apenas uma tática, mas não a base ideológica do movimento anti-Apartheid ou mesmo de Mandela.

O caso da Fatah, aliás, é emblemático, notamos que, mesmo ainda mantendo um braço armado, as Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, o grupo já não mais é considerado terrorista por EUA ou Israel, um novo inimigo foi encontrado e, no geral, o grupo foi domesticado, tendo adotado uma tática mais pacifista nos últimos tempos.

O caso de Gandhi é ainda mais interessante, pois ainda que ele fosse efetivamente pacifista e adepto da não-violência, era apenas mais um dos que lutavam pela independência do então Raj Britânico e, cabe lembrar, ele havia lutado como comandante das tropas voluntárias indianas contra os Zulus na África do Sul em 1906. Gandhi tornou-se a figura mais emblemática, a figura pública que humilhava os conquistadores ao não reagir à violência. Mas poucos conhecem Chandrasekhar Azad ou Bhagat Singh, ambos heróis indianos, mortos pelos ingleses, que pegaram em armas para lutar contra o Império conquistador e que, na Índia, são venerados como heróis e são objeto de grandiosos filmes de Bollywood, como Rang de Basanti ou The Legend of Bhagat Singh.

Para o mundo, Azad e Singh são figuras desconhecidas, mas localmente tiveram uma enorme influência e foram apenas as figuras mais destacadas a usar a violência contra o Reino Unido, assim como Ram Prasad Bismil ou Ashfaqulla Khan. Ainda é polêmica na Índia a suposta recusa de Gandhi em intervir no enforcamento de Singh, em 1931, onde ele é acusado até de conspirar com o Raj, ainda que À época Gandhi não tivesse influência sufuciente para evitar o enforcamento de Singh.

O Raj Britânico finalmente caiu em 1947, mas não graças unicamente aos esforços de Gandhi, mas muito mais pela situação do Reino Unido pós-Segunda Guerra e também pela violenta resistência enfrentada pelo Império em várias outras regiões.

Ainda falando do Reino Unido, é possível ainda diferenciar uma tática pacifista, não-violenta, de uma luta maior, caso de Bobby Sands, membro da IRA e do parlamento britânico que, preso, morreu em greve de fome em 1981, angariando um apoio nunca visto à sua causa. Sua greve de fome foi a tática encontrada para sensibilizar a opinião pública, para constranger o governo da coroa e, ultimamente, para conseguir o objetivo pessoal de libertar a Irlanda do Norte. Vale ainda considerar que a greve de fome em si não deixa de ser uma espécie de violência: Do grevista contra si mesmo, mas de forma consciente e voluntária, e do Estado opressor que não se move para evitar que esta violência continue e apenas a incentiva ao não fazer nada. A luta da IRA, vale lembrar, não teve pausa.

Como se vê, a idéia da não-violência é uma tática, mas não um princípio, ou, ao menos, não deve ser levado como um princípio. Outros exemplos interessantes de uso da violência contra violência podem ser encontrados nos Irmãos Bielski que lutaram contra os Nazistas em Belarus (história contada no filme Defiance, de 2008), ou o levante do Gueto de Varsóvia, que, juntos, colocam em cheque a idéia de que todos os judeus da Europa aceitaram calados seus destinos e que, como pobres vítimas, merecem um território tomado de outro povo - contrariando o ideário Sionista de "um território sem povo para um povo sem território".

O que teria sido dos vietnamitas se não resistissem à invasão dos EUA?

Chegando ao Oriente Médio, podemos notar que a resistência pacífica dos habitantes das pequenas vilas de Bil'in, Nil'in ou outras resultou em ganhos efetivos, mas locais, limitados e longe de satisfatórios para toda a população. O ganho, na verdade, é moral, mais que material, o que de nada serve quando o inimigo costumeiramente dá as costas para o Direito Internacional, para a ONU e para a opinião pública mundial.

O documentário da brasileira Julia Bacha, Budrus, nos dá uma visão panorâmica e privilegiada da primeira vila Palestina a efetivamente se valer da tática de não-violência para vencer o exército israelense. O que fica claro do filme é que a vila escolheu este caminho principalmente pela completa falta de opções. De população reduzida, desprotegida e frágil, não havia qualquer alternativa senão a de protestar pacificamente e esperar pelo apoio de ativistas israelenses e internacionais - o que aconteceu.

De resultado, conseguiram mudar o traçado do Muro da Vergonha, mas, no geral, foi uma vitória tímida frente à toda  ocupação e assentamentos nos territórios palestinos. enquanto tática, funcionou, mas a não-violência dificilmente traria os mesmos resultados que a dura resistência do Hezbollah contra Israel durante a ocupação do sul do Líbano e na guerra de 2006.

Apenas para ilustrar, podemos trazer o caso basco para um rápido debate. Mesmo nos períodos de trégua da ETA, a violência estatal continuou à toda. Não importava que a tática do momento fosse a negociação e a deposição das armas, a resposta da Espanha era sempre a mesma, mostrando a inutilidade da não-violência enquanto tática no caso específico e também que a não-violência não pode ser tomada como filosofia.

O Hamas jamais teria chegado até onde chegou se não usasse um misto de filantropia islâmica, de ajuda humanitária e de respostas violentas e provocações contra Israel. Até 2004 - data do último atentado suicida perpetrado pelo Hamas -, a tática em voga era a do uso de homens-bomba contra Israel por cada Palestino morto. à época, os ataques forçaram Israel a negociar e tiveram o resultado de elevar a presença do grupo entre os Palestinos, de mostrar que a violência israelense não seria tolerada sem respostas e, acima de tudo, em fazer afundar os Acordos de Oslo de 1993 - no que foram bem sucedidos.

A não-violência é, enfim, uma tática, e com otal deve ser analisada conjunturalmente, cada caso é um caso. Usada de forma exclusiva dificilmente surtirá efeito mais do que local ou transitório. Contra a violência de um Estado, de um grupo, dificilmente apenas a não-ação, ou a greve, ou a desobediência civil irão resultar em algo totalmente satisfatório.

Até mesmo a Flotilha humanitária para Gaza, que tinha objetivos totalmente pacíficos, acabou envolta em um conflito - desigual - entre israelenses fortemente armados com fuzis, sub-metralhadoras e armaduras e ativistas "armados" com facas e bastões. Mesmo que a tática no momento fosse a da não-violência, no fim fogo foi combatido com fogo e o número de mortos poderia ter sido ainda maior a contar pela vontade israelense de dar um exemplo. Contra um inimigo violento, a primeira tática é tentar desarmá-lo, o que por si só é uma forma de violência e, não resultando em nada, deve-se buscar defender a própria vida usando as armas que se tem no momento. Nem toda situação é propícia para uma ação ao estilo Gandhi.

Os mortos no confronto, aliás, acabaram por dar uma visibilidade à causa e ao movimento em si que não seria possível sem as mortes dos ativistas. Apenas comparemos a Flotilha com o Rachel Corrie, navio que foi abordado por Israel dias depois sem qualquer violência. Quantos ouviram falar deste navio e qual foi a reação internacional? A violência desmedida de Israel foi denunciada, filmada e divulgada e horário nobre para todo o mundo e ficou provado o caráter do Estado que é responsável pelo primeiro genocídio do século XXI e mais longo até então. A resistência é um direito legítimo e toda tática deve ser empregada em seu momento certo sem que, porém, qualquer uma das táticas - seja o uso de homens-bomba ou a não violência - se sobressaia ou se torne uma ideologia e ponha, assim, tudo a perder.
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