segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Eleições em São Paulo: Balanços da derrota de Serra e do futuro governo Haddad

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Haddad foi eleito prefeito de São Paulo com pouco mais de 56% dos votos.

Serra, porém, conseguiu ultrapassar os 40% dos votos, o que não é desprezível, ainda que a carreira de Serra tenha chegado a uma encruzilhada (felizmente, e espero que termine) e é preciso ter em mente que mais de 30% do eleitorado escolheu não confiar nem em Haddad e nem em Serra, somando abstenções, nulos e brancos.

Não é um dado desprezível e nem uma parcela da população a se deixar de lado. Vale notar que a abstenção do primeiro ao segundo turno subiu cerca de 3%, não é pouco.

Votos em São Paulo:
  • 6.896.290
  • 6.096.488 (88,40%)
  • 299.224 (4,34%)
  • 500.578 (7,26%)
  • 1.722.880 (19,99%)
Eu, particularmente, faço parte desta parcela que desconfia de ambos. Anulei. Comemorei e comemoro a derrota de Serra, necessária, mas não vejo com bons olhos a vitória de Haddad, um político indicado por Lula sem qualquer tipo de consulta ou "poréns". É homem do Lula, como a Dilma é figura dele e segue suas ordens.

Obviamente espero que Haddad possa ter personalidade e ser diferente de Dilma que, estruturalmente, faz um governo tucano.

Legitimidade

Haddad, é preciso sempre lembrar, venceu, mas não tem a legitimidade que talvez alguns petistas pensem.

Foi eleito não por suas forças, não pelos desígnios divinos de Lula - que em São Paulo tem força bastante reduzida em comparação ao Nordeste (e mesmo lá Lula sofreu grandes derrotas, como em Recife e Fortaleza) -, mas por um conjunto de fatores que vão desde o repúdio ao Russomanno, candidato sem eleitorado definido, aliado das forças mais retrógradas e teocráticas - forças que causam horror mesmo em setores eleitores do Serra - até também o repúdio ao próprio Serra, com rejeição tocando o teto.

Serra foi ao Rio buscar Malafaia, e perdeu. Investiu na homofobia - bandeira de Dilma no governo federal - contrariando até mesmo sua história e a do PSDB, que nunca foram, ao menos em São Paulo, retrógrados a este ponto ou neste assunto. Dois dos vídeos do Kit Anti Homofobia abortado por Dilma já faziam parte de material escolar promovido por Serra.

No começo da eleição, Haddad era um ilustre desconhecido, mesmo entre o eleitorado tradicional petista, logo, Russomanno, um ex-apresentador de TV conhecido e que surfou no discurso pró-consumidor, bastante em alta graças, ironicamente, ao Lula e ao PT, que transformaram a população mais pobre em consumidores (da pior forma possível, pois consumir não é ruim, mas também não é o fim último de tudo, não é a cidadania plena, é apenas uma etapa), conseguiu conquistar uma boa parte do eleitorado tradicional petista que não conhecia o candidato do PT. Conquistou ainda um eleitorado que repudiava o Serra e que não tinha candidato.

Começa a subida

Russomanno, com o tempo, viu seu eleitorado minguar e muitos acabaram aderindo ao Haddad ou mesmo acabaram no imenso bolo da abstenção, nulos e brancos. Haddad, por sua vez, cresceu quase que por inércia, navegando no número expressivo de eleitores tradicionais do PT e vitaminado - e isto foi decisivo - pela rejeição ao Serra (e não aos tucanos em si).

Ainda assim, a vitória de Haddad no segundo turno não veio com a folga esperada, mostrando que mesmo a rejeição serrista não fez com que um candidato fabricado há menos de um ano tivesse facilidades.

A crescente violência contra a população mais pobre, intervenções no Centro, como o Nova Luz, aumento da violência, piora no trânsito e a popularidade ínfima de Kassab, creditado como cria de Serra, contribuíram para a derrocada serrista que, aliás, sequer tinha apoio total dentro de seu próprio partido e mesmo o aliado Kassab se bandeava para os lados do PT.

Não foi Haddad que venceu, foi o Serra quem perdeu. E Haddad se tornou, de certa maneira, palatável à certos conservadores paulistas, que preferiram a escolha "menos pior" que o Serra.

Alianças com Maluf e outros conservadores são prova disso, por mais que, talvez, na soma, Maluf tenha perdido mais que Haddad ganhado.

Deus Lula

Acredito ser necessária uma nota quanto aos desígnios divinos do "deus Lula", como Marta Suplicy já o havia chamado. Lula não tem, localmente, a força nacional que elegeu Dilma. Em São Paulo são poucos os programas federais que conseguem a propaganda que os programas do PSDB. É uma cidade (e um estado) avessos ao governo federal e que deixam isso claro.

Se mesmo no nordeste, onde mesmo eu, um crítico do lulismo, sou forçado a ver mudanças significativas (para o melhor e para o pior), o Lula acumulou derrotas - Salvador, Fortaleza, Recife - para aliados (no caso das duas últimas cidades) e para um ferrenho opositor de um partido que cada vez mais se torna irrelevante (em Salvador), então como esperar que o poder do "deus Lula" funcione perfeitamente em São Paulo?

Esta espécie tosca e burra de "determinismo" quanto à força do lulismo, quase teológico, pode ser creditado como um dos responsáveis por certas derrotas do PT localmente, e pode causar problemas nas eleições estaduais daqui a dois anos.

Caciques regionais, estaduais e municipais, por vezes tem muito mais força que um cacique nacional, pois estão muito mais próximos da realidade local e do eleitor a todo o tempo. Cid Gomes e Eduardo Campos são a prova viva disso. Como aconteceu em Salvador, o candidato do PT, Nelson Pelegrino, teve forte apoio de Lula e Dilma, mas o péssimo governo de Jaques Wagner (do mesmo PT) ajudaram a que nem o apoio do "Deus Lula" fosse suficiente. O próprio candidato creditou sua derrota à greve dos policiais e professores, como se a culpa por estas greves não tivesse sido do próprio PT e da truculência com que trataram a questão.

Se o PT age como o DEM, como o PSDB, o povo acaba preferindo o original.

Já há, nos bastidores do PT, conversas sobre o Padilha para o governo de São Paulo. Uns dizem "mais um poste" e, neste caso, pode ser MUITO mais difícil para Lula elegê-lo, visto que Alckmin mantém popularidade alta, diferentemente de Kassab, o que pesou para Serra. 

Como disse o Chico (@elcapeto) no Twitter: "A relação do eleitorado com o PT passa muito mais por uma percepção pragmática de resultados do que por um "vestir a camisa" tipo peronista. Convoquem o povo às ruas pra protestar contra o resultado do julgamento do mensalão petista pelo STF. Boa sorte, vão precisar."

E o governo Haddad?

Mas voltando ao Haddad e a São Paulo, sabemos que ele não terá vida fácil. Precisará contentar com cargos e secretarias uma gama de aliados que vão desde o PP de Maluf ao PCdoB de Netinho, e até mesmo o PSD de Kassab (senão o próprio que irá cobrar para si um cargo até aparecer algo melhor).

Ou seja, não terá a liberdade - se é que tem esta intenção - de realizar mudança profundas dentro do que foi apregoado na campanha e que se refletiu num bom apoio de setores acadêmicos e dos movimentos sociais ao PT nestas eleições.

O financiamento pesado de construtoras à sua campanha, ou melhor, os patrocínios, cobrarão seu preço em questões de moradia, habitação e desenvolvimento urbano e é aí que entra o Nova Luz, a questão do trânsito, despejos, ocupações e incêndios em favelas.

De início, Haddad já enfrentará o dilema das nomeações para subprefeituras, hoje quase todas ocupadas por militares e militarizadas. Ele terá de resgatar a importância e prerrogativas destas funções e indicar não políticos aliados, mas pessoas das comunidades, engajadas, e que entendam e tenham capacidade e poder para alterar a realidade local sem se tornarem reféns da especulação e de interesses privados.

Haddad tem ainda o desafio de "civilizar" a GCM, braço de repressão assassina contra moradores de rua e pobres. Ele irá peitar as iniciativas criminosas de Alckmin usar sua PM para matar, ou irá se acovardar, como o governo federal fez no Pinheirinho? Tem o dever de acabar com a violência em desocupações, na verdade, tem o dever de arranjar espaços para que a população em situação de rua possa deixar sua situação de abandono. É preciso reabrir e humanizar albergues, criar emprego para esta população. Urbanizar favelas e não tacar fogo para agradar a especulação e peitar empreiteiras.

É preciso elevar - e muito - o salário dos professores municipais e melhorar a estrutura das escolas. Criar centenas de creches e não achar que uma bolsa resolve o problema - como propôs Serra no último debate. Construir hospitais é uma necessidade, assim como melhorar o atendimento dos existentes. Investir em saúde. Tentar - TENTAR - melhorar o trânsito, investindo em transporte público de qualidade. Não só aumentar duração do Bilhete Único ou torná-lo mensal, chegando até a encarecer o bilhete, mas aumentar frota, criar corredores, diversificar as modalidades de transporte publico, reduzir tarifa e mesmo chegar ao Passe Livre paulatinamente.

É preciso enterrar de vez a Nova Luz, revisar contratos e auditar dívidas, revogar imediatamente os contratos com a Abril... Tudo isso é apenas o começo, e um tímido começo para enfrentar os problemas da cidade, que são muitos, e cada vez mais pioram e se ampliam.

Eu não confio no PT ou no Haddad, mas dou, neste momento, um tímido voto de confiança, esperando, como com Dilma, não me arrepender imediatamente.

E espero que a mesma miltância que foi hoje comemorar na Paulista a vitória de Haddad, o faça também para cobrar, apesar de, infelizmente, termos exemplos negativos, de militância apoiando privatizações, remoções e chamando grevistas de vagabundos para agradar o governo federal e locais do PT.

Derrotamos o Serra, mas ainda não ganhamos nada. É preciso consolidar espaços de e à esquerda e evitar cair em fanatismos partidários.
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