domingo, 31 de março de 2013

Alerta de laicidade nacional ameaçada: Malafaia e a eleição na Assembleia de Deus

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Guest-post de Maurício Oliveira:

Eleição ao cargo mais alto das Assembleias de Deus no país pode aprofundar a onda conservadora e representar uma real ameaça à laicidade do estado e dar ainda mais visibilidade e poder a pastores como Silas Malafaia e Marco Feliciano

O que já era ruim no universo religioso brasileiro pode ficar ainda pior... bem pior. Na semana que vem, nos dias 8 a 12 de abril de 2013, em Brasília, haverá eleição para escolha do novo presidente da CGADB (Convenção Geral da Assembleia de Deus do Brasil). Está nas mãos de pastores assembleianos de todo país escolher, entre um punhado de candidatos, aquele que ocupará a presidência da Convenção das Assembleias de Deus do Brasil para administrar a maior denominação evangélica do país.

Caberá ao famoso escolhido trazer a Assembleia de Deus do Brasil ao século 21 para que ela reflita (inclusive na própria cúpula da denominação) a realidade de nossa sociedade, inclusive aceitando e respeitando a face humana dos brasileiros em todas as suas diferenças: culturais, econômicas, étnicas e principalmente de orientação sexual e de gênero. O outro caminho a ser escolhido pelo futuro presidente da CGADB também pode ser o que vai afundar a Assembleia de Deus num conservadorismo ainda maior do que aquele já impõe sobre grande parte de seus membros, inclusive com efeitos perniciosos na política e até na vida de todos nós, brasileiros. O deputado Marco Feliciano que o diga.

Para quem não sabe a CGADB é a convenção que coordena e submete a sua autoridade cerca de 90% das igrejas Assembleias de Deus no Brasil, que é de longe a maior denominação evangélica do país, considerando que 22% dos brasileiros (44 milhões) se consideram evangélicos. A Assembleia de Deus está presente no país há mais de 100 anos e é controlada em território nacional por sua maior e mais importante convenção, a CGADB, uma espécie de CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) dos assembleianos.

A CGADB administra atualmente enormes parques gráficos como a famosa CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus), além de jornais, revistas, emissoras de tevê e rádios, e claro todo o conteúdo ideológico disseminado por todos esses meios. Além disso é detentora de seminários para pastores, cursos, escolas, faculdades e hospitais. É ela também quem autoriza suas filiais, as Convenções Estaduais, a consagrar oficialmente os pastores da Assembleia de Deus.

A influência da CGADB também se faz sentir em nossas vidas - e o pior, mesmo que não desejemos - através da política municipal, estadual e nacional, uma vez que a grande maioria dos membros da bancada evangélica no Congresso é formada por pastores ou membros da Assembleia de Deus (inclusive os detestados Marco Feliciano, João Campos, Silas Câmara e mais uns 30). Se em sua cidade não houver pelo menos 1 (um) vereador da Assembleia de Deus, considere-se um cidadão sortudo, pois sua cidade é exceção no país e contente-se por não ter que ver na câmara de vereadores (ou Assembleia Legislativa estadual) um político que certamente possui as mais conservadoras e fiéis credenciais da direita política.

Nos últimos 25 anos (repito, 25 anos) a Assembleia de Deus do Brasil tem sido presidida pelo mesmo pastor José Wellington Bezerra da Costa. Apesar de relativamente desconhecido fora do universo evangélico pentecostal diante de outras figuras mais pitorescas da Assembleia de Deus como Silas Malafaia ou o próprio Marco Feliciano, José Wellington, pelo menos oficialmente, é uma espécie de "papa" da denominação.

O poder de um presidente da CGADB é enorme sobre a vida e o modus operandi de todo o conjunto de igrejas da denominação espalhadas pelo país. Engana-se quem acha que essa cruzada nacional que políticos e alguns pastores promovem contra os gays e uma sociedade mais liberal ocorre por se tratar de uma condenação “segundo a visão bíblica”. NÃO, NÃO É! Pois se assim fosse todas as denominações evangélicas do Brasil e do mundo teriam praticamente a mesma interpretação conservadora a respeito do assunto orientação sexual, aborto, uso de contraceptivos, ensino e a cultura secular, e o gênero e seus papéis. E tais questões estão muito longe de ser uma unanimidade no meio evangélico.

A maior evidência disso vem de grande parte das mais importantes denominações evangélicas nos Estados Unidos (berço e origem das igrejas evangélicas brasileiras, inclusive da Assembleia de Deus) que atualmente não só acolhem os gays, as famílias homoafetivas, mas também admite-se que pastores (e pastoras) e bispos sejam abertamente gays.

Em grande parte o preconceito e a discriminação que aterrorizam gays e menospreza o potencial das mulheres no Brasil possui em seu DNA cultural uma interpretação fundamentalista gerada ao longo de décadas pela Assembleia de Deus no Brasil (que aprendeu com a escola fundamentalista americana). Onde alguns versículos isolados da bíblia são pinçados a pedido de uma cúpula de pastores conservadores dedicados ao "ensinamento bíblico" dentro da própria CGADB e que os interpreta como sendo AINDA aplicáveis em nossos dias.

Em outras palavras, tal interpretação permitiria que AINDA houvesse escravidão de negros por serem “descendentes amaldiçoados de Noé”, que crianças merecem apanhar de seus pais com a vara “da correção” porque a bíblia AINDA assim determina. Explicado, portanto, porque projetos de leis que envolvem tais temas, entre outros biblicamente interpretáveis, não andam no nosso Congresso Nacional (tal como nos EUA). 

Desta forma, é com o libelo de AUTORIZAÇÃO, ORIENTAÇÃO e BÊNÇÃO do PRESIDENTE DA CGADB que tal visão "de mundo" é transmitida e disseminada em âmbito nacional, seja através das padronizadas revistas de Escolas Bíblicas Dominical (toda igreja Assembleia as compram trimestralmente de forma sagrada), jornais, livros religiosos, seja programas de TV, pregações na TV, etc. E, uma vez isso chegando aos corações e mentes, é pregado aos gritos como “verdade bíblica” nos púlpitos das grandes, médias e pequenas igrejas e congregações nos mais distantes rincões do país, e aceito como sendo a visão "oficial" da Assembleia de Deus no Brasil. Simples assim.

Acho que não é segredo de ninguém que os pastores e membros de igrejas evangélicas não são incentivados a ler (ver e ouvir) nada que não seja produzido por sua própria denominação para que não sejam "contaminados" pela "cultura do mundo". E tem sido assim nos últimos cem anos de existência desta denominação, com raras e nobres exceções de igrejas, pastores e membros que não se submetem a tal orientação estreita ditada em diretrizes pela cúpula da denominação.

Mas aí você poderia questionar que a Assembleia de Deus não é a única igreja evangélica do país! Afinal há tantas outras como a Universal do Reino de Deus, Mundial do Poder de Deus, Internacional da Graça, comunidades evangélicas as mais diversas ou essas incontáveis igrejas de porta-de-loja nos subúrbios das grandes cidades. Pois é, mas se a Assembleia de Deus não for a mãe ideológica do pentecostalismo pregado nelas, ela é a avó ou bisavó da filosofia de vida do neopentecostalismo brasileiro ultrapassando inclusive suas barreiras denominacionais.  

E ela conseguiu tal proeza de uniformidade ideológica através da poderosa CPAD que possui o maior parque gráfico religioso do país, o qual produz bíblias e literatura evangélica não só para a própria denominação, mas para quase todas as demais igrejas evangélicas do Brasil. Essa visão que é abraçada pelos antigos e novos crentes, pregada pelos púlpitos de praticamente todas as igrejas evangélicas e até mesmo cantada na voz midiática de cantoras como Ana Paula Valadão da Batista da Lagoinha, que apesar de não ser assembleiana, e diferente das demais batistas, abraça a fé neopentecostal.

As eleições da CGADB costumam ser extremamente políticas e politizadas. E não se iluda achando que isso nada tem a ver com você. Só para exemplificar, na última eleição da CGADB o Silas Malafaia era candidato à presidência da CGADB. Tendo sido vencido pelo atual presidente José Wellington (o qual sempre criticou), saiu emputecido com a derrota nas urnas e rumou carregando consigo uma dezena de seguidores para fundar a própria denominação: Assembleia de Deus Vitória em Cristo. E no alto da qual agora age como rei e papa destilando seu ódio contra gays e o mundo moderno e secular que todo o Brasil estava decido a abraçar.

O pastor Silas Malafaia desconjura a atual cúpula da CGADB, presidida por José Wellington, e também está apoiando um de seus melhores amigos, candidato à presidência da CGADB e crítico de José Wellington, o pastor Samuel Câmara, presidente da Assembleia de Deus de Belém, no Pará. Esta que é mais antiga Assembleia de Deus no Brasil (e provavelmente a maior) com cerca de 800 mil membros. A rede Boas Novas de rádio e TV (captada por parabólicas em todo país) pertence a Samuel Câmara e é administrada por sua família.

O pastor Samuel Câmara possui a candura que se encaixa perfeitamente no imaginário de um coronel nordestino. Incontáveis igrejas Assembleias de Deus nas regiões Norte e Nordeste do país lhe prestam continência, pois foi ele (e seus antepassados da dinastia de pastores da família) que criaram, administram e ainda disseminam igrejas nestas duas regiões de maior percentagem de evangélicos no Brasil. O deputado do PSD pelo Amazonas Silas Câmara é irmão do pastor Samuel Câmara. Ele é um dos principais membros da bancada evangélica no congresso e um dos maiores entraves à política que visa defender os direitos humanos e as minorias.

Ao que tudo indica essa semana será quente no cenário assembleiano e com o Samuel Câmara sendo um dos candidatos mais fortes à presidência da CGADB. Samuel Câmara desponta como um candidato ultraconservador e que pretende dinamitar de vez o conceito de Estado Laico consagrada em nossa Constituição, e pronto para investir na conversão ao evangelho da política nacional. Apesar dos apesares, José Wellington, presidente da CGADB há pelo menos 25 anos, é tido, como o que podemos dizer, de xiita moderado e procura manter, “oficialmente”, sua denominação bem longe dos holofotes da política e da mídia mundana. Afinal de contas, alguém aí já viu algum programa da Assembleia de Deus do Brasil no horário nobre da TV aberta?

Pois é... imagine agora o cenário em que a maior denominação do país, a Assembleia de Deus do Brasil, passa a ser controlada pelo pastor Samuel Câmara que é um dos melhores amigos de Silas Malafaia (e vice versa) e um dos grandes amigos do hoje bem conhecido Marco Feliciano.

Portanto, fiquemos de olho, pois o fundo do poço pode ser muito mais fundo que nós jamais imaginamos.

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Mais informações:
Site da CGADB: http://www.cgadb.com.br
Site de campanha do pastor Samuel Câmara: http://www.cgadbpratodos.com.br
Biografia de Samuel Câmara que não é a uma das mais ilibadas: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_C%C3%A2mara#Controv.C3.A9rsias
Site da CPAD: http://www.cpad.com.br
Pr Silas Malafaia e a visão que ele tem da CGADB e deitando elogios a Samuel Câmara: 
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