terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sobre Black Blocs e a necessidade da unidade de esquerda e mudança de tática

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Escrevi há um tempo um texto que gerou muita polêmica, a ponto de certos governistas da tropa de choque, delatores fascistas como #SubEduBoilesen, atores homofóbicos que “saem do armário” para somar ganhos políticos como #Zedia, fakes como #Stanley, dentre outros capachos que orbitam em torno dessa corja, me ameaçarem, correrem atrás dos meus dados, meu nome (como se eu algum dia tivesse escondido meu nome ou que o “Tsavkko” não é de fato meu sobrenome, mas um nome que utilizo há anos na internet, na academia e no jornalismo), meu CPF...

Falta pouco para surgirem ameaças de morte.

Aliás, já recebo quase semanalmente ameaças de neonazistas e integralistas, receber de governistas cujo modus operandi e, em muitos casos, ideologia é tão semelhante a desses grupos de ódio não surpreende.

Mas, voltando...

O texto, enfim, fala sobre o uso da violência simbólica por parte dos Black Bloc e da necessidade de se ampliar o escopo dessa violência, buscando migrar de ações foquistas/vanguardistas contra agências bancárias, ônibus e infraestrutura pública – cuja destruição acaba por ser ou inútil ou mesmo contraproducente, ainda que compreensível em termos de revolta social – para ações mais amplas e mais eficazes.

Estas ações “mais eficazes” seriam buscar atingir os algozes da população, atingir os mandantes e os capachos que cumprem as ordens de reprimir.

Seriam PM's identificados por suas vítimas, seriam os políticos responsáveis pela repressão (escrevia, na época, com foco nos protestos do Rio, logo, os alvos seriam Cabral, Paes, Dilma e sua corja de apoiadores no legislativo, mas é preciso deixar claro que não podemos nos limitar a estes. Temos o PSDB em São Paulo e pelo país afora. Temos o DEM, o PP, o PTB... Falo de TODOS os políticos diretamente responsáveis pela repressão e violência contra o povo), enfim, seriam todos os agentes públicos responsáveis pelas tentativas de assassinar manifestantes nas ruas e que até agora cegaram e feriram dezenas.

E, obviamente, eu me referia à “violência política” não apenas como ato de jogar um coquetel molotov no PM que agrediu centenas, mas em “violência” de forma ampla. No ato de jogar ovos, tortas e afins em políticos, de impedir suas falas em eventos públicos, em impedir que votem projetos contra o povo, em ocupar câmaras e assembleias, em tornar a vida destes crápulas insustentável. Suponho que não tenha me expressado bem, admito, mas "violência" é muito mais do que apenas partir pra porrada.

Mas sim, a pura e simples violência como ato de revolta também. Sempre que necessário e visto como eficaz.

E deixei claro: em momento algum falei em matar. Não vejo como positivo levar a reação ao mesmo nível da ação violenta do Estado. O que devemos é ser mais inteligentes e saber usar nossa maioria contra as armas da minoria que comanda o Estado. Não sou pacifista, nunca fui, mas sem dúvida não calculei a repercussão e o alcance de minhas palavras. E a inviabilidade destas.

E, sejamos honestos, alguém acredita que teríamos sucesso batendo de frente com a PM ou formando guerrilhas? Seria suicídio e, pior, seria algo que iria contra os anseios de toda a população.

Infelizmente, nem todos tem a capacidade de entender textos simples ou mesmo foram capazes de ler e entender os livros de Marx, Lênin e afins que disseram ter lido quando ainda eram de esquerda – e quando o PT era de esquerda. Ou apenas se aburguesaram (ou sempre foram), tendo medo da violência como arma política nas mãos de quem temem: o povo.

Esses mesmos petistas e governistas, aliás, que enchem a boca para falar que nunca usaram máscaras, oras, então deveriam começar a criminalizar os Zapatistas e o Subcomandante Marcos, ou várias guerrilhas cujos membros e/ou líderes usavam máscaras para evitar que fossem reconhecidos e suas famílias sofressem represálias.

E sabemos do que a “nossa” PM é capaz.

Mas a reação...

Mas devo dizer que, em parte, me equivoquei. Não por defender o uso da violência revolucionária e popular contra a violência do Estado, mas em relação à capacidade de resposta do Estado frente à desorganização das forças populares cooptadas ou mesmo destruídas pelo PT, PSeudoB e aliados.

Não havia previsto que a resposta do Estado seria a óbvia: a de reprimir a periferia.

A de descontar sua raiva entre os mais vulneráveis. Em maio de 2006, mais de 500 jovens foram assassinados pela PM. A ampla maioria deles nunca tinha cometido um crime sequer, nenhum foi julgado, foram todos fuzilados.

E não se enganem, a periferia não tem aliados. Nenhum de nós tem. PT e PSDB são irmãos na repressão, com o ministro da Justiça (sic) declarando sua intenção de federalizar os “crimes de vandalismo” com o objetivo de esmagar os protestos e garantir uma Copa segura e feliz para os filhos da elite.

Já sobre os Crimes de Maio nenhuma palavra sobre a sua federalização. E exatamente esses crimes que me levam à conclusão atual. E, no fim, tivemos a morte de um cinegrafista. Uma morte infeliz, lamentável e cujos responsáveis merecem ser punidos. Mas não nos esqueçamos, a PM começou atirando. E isto importa. A violência da PM é sempre o estopim para a resposta. Por pior que seja a resposta.

Não temos a capacidade de enfrentar a PM, não temos a capacidade de enfrentar a violência do Estado, ao menos não com as suas armas. E nem devemos querer fazê-lo, já que as vítimas sempre são as mais vulneráveis e, em geral, são as do nosso lado.

Continuo achando válido o uso da violência simbólica, mas é preciso, antes, conseguirmos uma tática conjunta entre a esquerda, partidos, movimentos e mesmo adeptos do Black Bloc. Ações vanguardistas descoladas das massas são contraproducentes se levadas adiante em um cenário de ampla repressão policial. Não é inteligente.

Sou capaz de admitir meu erro e justificar: assim como muitos, a impotência diante da brutalidade apenas faz crescer nossa raiva. Faz-nos não calcular o alcance das ações (nossas e de outros).

Mudar...

Precisamos reconhecer o papel dos Black Blocs na defesa de movimentos, mas temos de exigir que seja só isso, uma tática de autodefesa. E que ela tenha o mínimo de organização, o mínimo de coordenação, mas se estivermos falando de grupos em si descoordenados. Os Black Blocs não são responsáveis pela violência reativa do Estado, mas são sim usado como desculpa para esta. A PM desconta sua raiva onde a mídia não vai, onde a classe média não se importa e onde o genocídio da população negra já é uma triste realidade.

Recai sobre eles a violência do asfalto.

Não é possível que o asfalto reaja sem antes ter em mente o papel da periferia, sem ter em mente a necessidade de uma coordenação. Mas, infelizmente, o Estado encontra formas de criminalizar e justificar sua violência contra os mais pobres, seja fazendo vista grossa para o aparente descontrole da PM, seja arranjando desculpas, como supostas infiltrações do PCC nos protestos.

Sou ainda defensor da resposta, do uso da violência simbólica defensiva, e acredito que é preciso ampliar a ação para escrachos, para ataques a políticos (repetindo que não faço em ataques buscando matar, mas sim em dar uma mensagem, como as manifestações no Rio que tem impedido, por exemplo, palestras do secretário de segurança Beltrame), mas de forma coordenada, de forma compactuada com as forças sociais estabelecidas.

A violência da PM deve ser combatida ali, na rua, mas tendo em mente as consequências desse combate. Infelizmente, não combatemos qualquer polícia, mas a polícia da Ditadura, a polícia que mais mata e tortura, e que não é controlada sequer pelos políticos, mas tem vida própria e sua vida significa a morte de outros.

Os Black Blocs são um fenômeno social relevante, mesmo importante, mas é preciso ter em mente o alcance de suas ações e a resposta a elas. Como disse Antônio Martins (e seu texto foi em grande parte a razão para este meu texto), os Black Blocs não devem sumir ou assumir derrota, pelo contrário, devem ser incorporados ao debate junto com as forças políticas e sociais estabelecidas.

Ser incapaz de mudar de tática revelaria inteligência reduzida – como a das moscas que se batem contra o vidro, recuando a cada choque, mas insistindo no mesmo trajeto, condenado de antemão. É preciso buscar outros caminhos, e essa responsabilidade cabe a todos, solidariamente.

Para que todos sejamos capazes de escapar à cilada, ninguém pode ser humilhado. Haverá muito tempo para os debates político-ideológicos entre as várias culturas anticapitalistas e suas nuances – mas insistir neles agora seria desastroso para todos.

A violência simbólica nas manifestações precisa refluir, rapidamente.

Como os Black Blocs não estão inseridos nos debates que outros coletivos travam costumeiramente entre si, será decisiva para isso a ação de grupos que souberam manter diálogo com eles – em especial o Movimento Passe Livre (MPL), um caso notável, por ligar-se simultaneamente às duas culturas políticas de esquerda. Mas este silêncio da tática do bloco negro não pode (inclusive para que funcione) significar que foram derrotados. Ao contrário, deve abrir espaço para incorporá-los ao debate.

É preciso compreender que o problema em si não são os Black Blocs, mas sim a falta de unidade da esquerda, da unidade de ação, de controle e direcionamento da tática.

É preciso enxergar a política absurda de criminalização levada a cabo pela mídia e pelos fascistas ligados ao PT. Factóides com o fusca, quase um novo Rio Centro e agora a morte do jornalista - que, em mais um factóide, tentaram creditar ao Marcelo Freixo -, demonstram o poder da mídia e do governo. É preciso responder com inteligência.

É preciso agrupar as forças populares para resistir à violência do Estado, mas antes de respondermos com violência, precisamos nos preparar para as consequências. A morte do colega cinegrafista é algo intolerável, um "dano colateral" inaceitável. Frente a isto fica claro que há algo errado e não é apenas a violência do Estado, a criminalização patrocinada pelos fanáticos petistas ou qualquer outra coisa.

A nossa resposta está errada ou, ao menos, desfocada.

Mesmo que a morte do cinegrafista nada tenha a ver com os Black Blocs - e tudo leva a crer que realmente não tenha - é preciso repensar a tática por uma simples razão: ela abriu espaço para a criminalização de todo o conjunto da sociedade. Não apenas de manifestantes, mas da sociedade como um todo, que pode ser enquadrada como "terrorista" por levantar a voz.

Sobre os acontecimentos recentes, um triste resumo:
Faltava um corpo. Uma pessoa morta pra servir de mártir e justificar a barbárie de Estado.

Amarildo não deu conta. Morto justamente por essa barbárie, não atendia aos interesses da "lei e ordem" contra as "forças oponentes". O menino amarrado ao poste também não. Vivo, mas sem voz, é também objeto do medo que aceita o genocídio como mecanismo de segurança.

Agora sim, agora chegou o cadáver que servirá de exemplo. E que será diariamente vilipendiado como meio de legitimar a violência de antes (com um efeito retroativo que esconde a genealogia por trás da reação popular) a de agora é a que ainda está por vir - e não será pouca.

Os discursos que se seguirão usarão dele e da compaixão pela dor da família e pela morte precoce e estúpida pra criar o medo e trazer à reboque mais repressão. O cidadão de bem, assustado, agora sim, irá se sensibilizar da fatalidade e, como é de ser nesse ciclo da fabricação do medo, estará junto da violência estatal, que defenderá por ser necessária para sua segurança contra os "terroristas".

Sim, é, terroristas. Chegou aquele dia em que o termo ganha os jornais e rádios e tvs brasileiros, inserindo o país nessa "onda global" contra o terrorismo que ignora o verdadeiro terrorismo - o de Estado - e anuncia caricaturas de inimigos, rifando a vida dos mais frágeis e usando a morte de um homem como símbolo.

O jornalista bigodudo da academia brasileira de letras usou hoje o termo ao comentar a morte do cinegrafista.

Está só começando. E não é de se surpreender. Cantamos essa bola TANTAS vezes no ano passado.

O desafio é não comprar o novo inimigo que te vendem.

Estado de exceção FIFA.

GAME: ON.
E um texto necessário do Bruno Cava como comentário final:
É lamentável que o Santiago, o cinegrafista, tenha sido seriamente ferido com um rojão e, hoje, morrido em decorrência do ferimento, deixando arrasada a família, amigos, colegas. É muito triste e eu torço, sinceramente, por todos eles nesse momento péssimo. Também considero um erro deixar um rojão imprevisível aceso no chão, mesmo no momento de maior stress.

Eu não faria, e não pode ser recomendado. Dito isto, está mais do que evidente que a grande mídia esteja arrancando tudo de perspectiva. O que está acontecendo é um clássico clima de caça às bruxas, pra tirar todo tipo de casquinha, inclusive eleitoral. Essa é a mesma grande mídia que não tarda em justificar assassinatos, chacinas, abusos e sumiços com suas senhas características: "envolvido com o tráfico", "ficha na polícia", "seguia página de protesto" etc.

Cadê os peritos da Globo na chacina da Maré de 24/6/13, ou no incêndio da casa de Gleise? Com a novidade, agora, do reforço de blogueiros e comentadores de "esquerda", que parecem comemorar diante da momentânea vitória dos grandes meios em impor a sua pauta. Passam anos criticando o PIG para ser o PIG, na mesma narrativa, apesar do estilo "humanizado".

Invertendo a relação de causa e efeito, atribuem a responsabilidade sobre a violência para o lado dos manifestantes (é exceção e raridade machucarem alguém), e não na polícia (é regra e modus operandi machucarem muitos, sob ordens superiores). Nesse raciocínio invertido, os não-violentos deveriam cessar a violência para que os violentos de sempre não possam ter mais um pretexto para ser violentos.

A violência policial é naturalizada e transformada numa constante imutável. Digamos novamente o óbvio: é realmente lamentável o que aconteceu com o cinegrafista, isso deve ser objeto de autocrítica e muita reflexão sobre meios, táticas e, sobretudo, a organização do movimento. Também é lamentável o caso de milhares de manifestantes espancados, humilhados, feridos gravemente, difamados, presos sem provas, cegados e inclusive baleados pelas forças, sob o comando dos governos, desde junho de 2013.

Isto não é desviar o assunto, nem nivelar violências, justificando-se reciprocamente. Este é o próprio assunto, e isto é justamente mostrar o painel completo de violências, todas elas lamentáveis, para se compreender a relação de causa e efeito. Quem quer nivelar violências é o próprio poder, onde a polícia reage, ou onde a polícia encontra um pretexto para ser o que ela é: a violência institucionalizada.

Desculpem, mas eu não vou entrar nos automatismos de ficar no sofá e condenar a violência enquanto violência, ignorando o cenário geral, suas causas e efeitos. Mas é bom se preparar, e continuar construindo narrativas alternativas. Porque vai aumentar o linchamento corporal, político e midiático das mobilizações democráticas no Brasil.
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