segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Venezuela: Separar o golpismo do legítimo protesto das ruas

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O direito ao protesto, a se revoltar e ir às ruas denunciar aquilo que vê de errado deve ser garantido.

Seja no Brasil, onde os governos do PT e PSDB tentam sufocar as manifestações chamando a todos de terroristas e vândalos, seja na Venezuela, onde o discurso não é muito diferente.

Mas há uma diferença fundamental entre os manifestantes de lá e daqui: A Venezuela sofreu um golpe em 2002 e vive constantemente ameaçada pelos EUA e aliados. Há um clima de golpe pairando sobre a Venezuela desde que Chávez foi eleito e a falta de habilidade de Maduro na condução do país, que tem sofrido com altíssimos índices de violência, inflação e escassez de produtos básicos, tem aberto as portas para os brios golpistas de setores da sociedade.

Mas não podemos, de início, compreendendo a situação social e econômica do país, apontar o dedo e aplaudir a repressão.

A Venezuela é um país armado, um país coalhado por tensão entre classes e absurdamente polarizado entre dois espectros políticos, tornando muito difícil o surgimento ou mesmo a manifestação de uma terceira via.

Declarar, de início, em um país em grave crise social, que estamos diante de um golpe é um erro. Mas é um erro ainda maior não ficar vigilante.

Mas uma coisa fica clara: A repressão serve apenas para incitar tanto o público interno quanto, especialmente, o externo. A mídia internacional, qual abutres, se refestela com o sangue que corre pelas ruas da Venezuela. Arregala os olhos na esperança de poderem transmitir cenas de violência e, claro, de poder transmitir em primeira mão a queda do regime.

Sabemos por experiência própria que violência gera apenas mais violência e que repressão às ruas gera apenas maiores e mais radicais manifestações. Dois lados exaltados e sem disposição para qualquer diálogo levam à fratura social. E estamos vendo acontecer de camarote. No Brasil o movimento social ainda estende a mão, pede diálogo, mas o governo responde apenas com mais e mais violência, com manipulações e criminalização.
Censura estatal

Na Venezuela o governo impede transmissões, censura meios de comunicação... Mas não podemos inocentar o outro lado, a oposição, que difunde pelas redes sociais imagens falsas de violência e pintam o governo como se fosse um carniceiro, quando a verdade é bem outra.

Não há santos na Venezuela, mas há um lado que vez fazendo o possível, mesmo com erros, para tentar livrar o país da crise. Caberia ao governo e àqueles que ainda pensam, buscar entender as ruas, e separar aqueles que legitimamente cansaram das privações, dos que se aproveitam disso para impor sua agenda.

Caberia, é verdade, aos manifestantes nas ruas denunciar as armações feitas, mesmo que supostamente com a intenção de beneficiá-los, assim como fazem os movimentos sociais no Brasil, denunciando toda e qualquer manipulação, não importando de que lado venha.

No Brasil, aliás, a manipulação vem da situação, do governo e dos governistas, buscando criminalizar as ruas. É triste constatar, mas os métodos do governo e dos governistas brasileiros são os mesmos da oposição fascista venezuelana que se apropria do legítimo clamor das ruas para impor sua agenda golpista.

E, no meio tempo, setores golpistas da oposição se aproveitam para atacar a televisão estatal venezuelana e jornalistas que não noticiam a versão enviesada da oposição - igual faz a PM no Brasil.

Não é uma tarefa fácil separar a manifestação legítima do golpismo puro, mas é necessário, sob pena de mais derramamento de sangue e nova crise generalizada. E cabe à esquerda brasileira que está nas ruas ter a cabeça fria para analisar os fatos e atos e compreender o papel de seu discurso na sua própria criminalização.

Podemos discordar de quem está nas ruas da Venezuela (e eu discordo), mas não podemos negar-lhes o direito à se manifestar e, no fim, a repressão apenas facilita que os descontentes sejam influenciados e mesmo manipulados pelos verdadeiros golpistas.

O Chavismo - ainda que sem Chávez - precisa avançar, impor mudanças, mas ao mesmo tempo precisa estar aberto a dialogar com amplos setores sociais insatisfeitos, confusos e que não podem ser simplesmente reduzidos a simples golpistas (ainda que estes existam, sejam muitos e estejam também nas ruas).
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