quinta-feira, 8 de maio de 2014

Somos todos culpados: Sheherazade, Bolsonaro e o crescimento do fascismo no Brasil

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"Sou a primeira a achar que Sheherazade e demais propagadores de ódio devem ser processados, que Bolsonaros e Felicianos da vida são responsáveis por cada LGBT morto e torturado, e assim por diante. Mas isso não pode diminuir ou isentar a culpa disseminada da sociedade. Se há turbas prontas para seguir esses canalhas dementes, e inclusive para votar neles, este é nosso maior problema. Colocar a culpa só nos líderes é uma ótima maneira de não tratar do problema maior, de não mexer na ferida. É escolher um bode espiatório pra essa situação tão grave que vivemos, e tirar do debate público a situação maior, porque há tanto fascismo e ódio crescendo no Brasil...." Mariana Parra
Uma coisa é afirmar que a Sheherazade (e Bolsonaro, dentre outros) tem responsabilidade pelos linchamentos país afora, outra é achar que SÓ ela tem responsabilidade.

Quem incita tem culpa, mas é preciso seguidores dispostos para fazê-lo. O fascismo está na sheherazade E em quem executa seus desejos. Lembrem-se, Hitler só chegou ao poder porque milhões confiaram nele e impuseram sua agenda.

Quem lincha é tão culpado quanto quem incita.

O fascismo está crescendo no Brasil, e a culpa não é só de Sheherazades e Bolsonaros da vida, ou de Felicianos e pastores neopentecostais. É culpa de um sistema educacional péssimo (não-emancipatório) e de um governo incapaz de se libertar da agenda conservadora dos aliados que escolheu. Incapaz não, simplesmente não tem interesse.

E quando eu falo "governo" não me refiro apenas ao PT, e sim aos sucessivos governos brasileiros, ainda que nunca vi um governo tão feliz em ser refém da agenda conservadora quanto o PT.

Acredito que o fascismo esteja crescendo mais em grande parte devido ao consumismo promovido pelo atual governo, sem preocupação com politização e formação de bases sociais. Consumismo jogado na cara da população que não vê sua qualidade de vida se elevar da mesma forma que o suposto poder de compra. Direitos sociais continuam sendo uma farsa, a polícia se torna cada dia mais violenta e, senão mais violenta, mais disposta a violentar com a certeza da impunidade.

Legítimas revoltas populares contra a violência policial/estatal e contra abusos estatais (como desvio de dinheiro, obras faraônicas e absolutamente nenhuma transparência) são tratadas como tentativas de golpe e esmagadas com violência. Isso gera ódio, revolta e nem sempre encontra o melhor canal para explodir.

Em uma sociedade onde o status está em ter um tênis da moda mais do que nas realizações pessoais, e no trabalho em si( nem preciso começar a falar da farsa do "pleno emprego" brasileiro que se pauta em sub-emprego), há espaço amplo para que cresça o fascismo sob o nome de defesa da propriedade, por menor que ela seja.

Em uma sociedade onde se vê a total impunidade de líderes políticos (salvo raras exceções, como no caso dos mensaleiros) e de, por exemplo, policiais violentos e assassinos, é esperado que pedaços da população se sintam livres para agir como querem ou mesmo para agirem com as próprias mãos - com a conivência e incentivo de gente como Sheherazade.

Enfim, as condições sociais para o crescimento do fascismo no Brasil estão dadas, as lideranças midiáticas e políticas que incitam apenas jogam fogo na gasolina já espalhada. A responsabilidade não é apenas deles, mas também deles.

Os discursos de Sheherazade, Bolsonaro, Feliciano e outros legitimam as ações violentas de justiceiros, promovem a ideia de que está tudo bem fazer "justiça" com as próprias mãos e dão as bases ideológicas para que o fascismo finque raízes mais profundas na sociedade. 
Mas os autores são vítimas, em boa medida, repito, da disseminação do ódio praticado por comunicadores como Sheherazade, que ganha dinheiro clamando por justiceiros. E não por justiça. E que vai continuar fazendo isso enquanto nossa mídia for esse mar de lama atual. E vai continuar fazendo pose por aí, enquanto Valmir vai apodrecer numa cadeia pelo ato bárbaro que cometeu e seus filhos vão ficar desprotegidos. E enquanto Fabiane está morta. É por isso que lutar contra insanidades que Sheherazade vocifera não é censura. É lutar pelos direitos humanos. E impedir a barbárie.
É complicado considerar os autores de linchamentos como "vítimas", como discute o jornalista Renato Rovai. Ou mesmo qual o limite entre ser uma vítima e um algoz. Oras, será que alguém se acha no direito de assassinar pessoas apenas porque "viu na TV"? Não seria este argumento simplista e mesmo paternalista? Não seria mais útil discutir o papel da mídia e também todo mais que cerca os indivíduos e moldam seu caráter?

Nesta linha de argumentação, e lembrando que citei Hitler mais acima (e não se configura como Lei de Godwin), deveríamos desculpar toda a população alemã pelo seu apoio ao regime genocida, ou mesmo aos generais e soldados, afinal estavam apenas cumprindo ordens e seriam, então, também vítimas?

A responsabilidade é de todos nós. Sociedade, governo e mídia.

Se por um lado a mídia tem poder de influenciar, por outro é impossível apontar apenas a mídia como disseminadora de ódio e promotora do fascismo que cresce. Aliás, é impossível e fácil, pois retira da sociedade sua parcela de culpa e retira do governo sua parte da culpa. Do governo que, aliás, também não regula as comunicações e permite que expressões de ódio sejam disseminadas em concessões públicas.
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