segunda-feira, 16 de março de 2015

A esquerda perdida e as lições dos protestos do dia 15/Domingo

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Sou o primeiro a admitir que errei ao prever protestos pequenos no domingo contra Dilma. Baseado no histórico de setores da direita de não juntarem nem 1% do que previam, acreditei que o poder de mobilização deles seria pequeno uma vez mais. De fato, continuo achando que o poder de mobilização desses grupos é, em si, pequeno, mas o poder da indignação parece ter sido mais que suficiente.

Como já ficou claro por outros textos, não tenho a menor simpatia pelo protesto do domingo - como não tenho pelo dos petistas dia 13 -, mas nem por isso considero nenhum deles menos legítimo.

Dito isto, é preciso analisar friamente a realidade.

O protesto do dia 15

O protesto do dia 15 é difuso. Como Junho, possui uma base ideológica, mas se espalhou para muito além dessa base, agregando dezenas de reivindicações por vezes contraditórias. Golpistas? Muitos. Fascistas? Mais ainda. Nazistas? Também. Mas reduzir manifestações realmente imensas por todo país - ouso dizer que maiores que a mobilização do PT de dois dias antes, mas bem menor que os protestos em Junho - a estes termos não é apenas wishful thinking, é estúpido.

É óbvio que o protesto do dia 15 é conservador, mas podemos dizer que o do dia 13 era progressista? Não. Mas dentro desse conservadorismo há centenas, quiçá milhares de espectros e variantes.

Exigir a saída de Dilma, em si, está longe de ser golpe. Não importa quanto ódio isto carregue ou quanto ódio foi necessário para chegar nesse ponto. Não, não era uma manifestação só da "elite branca", nem só "da direita", este tipo de generalização comumente feita pelo PT é despolitizante, é burra e apenas esconde a superfície de algo muito mais profundo.

Há real insatisfação com o PT, mesmo entre muitos que se beneficiaram de muitos de seus programas.

O petismo morrendo?
 
Porém, após 12 anos o modelo petista acabou esgotado. Oras, mesmo Dilma reconheceu tácita e explicitamente ao anunciar que os meios usados até então para controlar a economia haviam se esgotado e ao alterar significativamente a política econômica, apostando por austeridade e cortes (de gastos, de investimentos, de direitos).
Aulas de inglês, por favor! Mais educação, Dilma!;-)
O petismo - que é incapaz de entender que não é uma religião, pese ter seus religiosos - foi incapaz até hoje de entender que dar o pão num dia não escraviza o indivíduo, não o obriga a, no dia seguinte, sem o pão, a seguir o (a) líder.

Em outras palavras, ser beneficiário dos programas sociais do governo ou mesmo ter, de uma forma ou de outra, se beneficiado do petismo, ascendido socialmente (mesmo que de maneira cosmética, como tem se provado em muitos casos, ou através de pesado endividamento) não significa apoio automático ou eterno. O petismo não consegue lidar com o que considera ingratidão. Se faz de ferido e, como um cão acuado, ataca por instinto.

Uma pessoa comentou comigo no Twitter que era óbvio que o protesto do dia 15 seria maior que do dia 13 porque o primeiro era num domingo, quando as pessoas não trabalham... Oras, então porque a CUT marcou protesto para a sexta e não para o sábado? Era para ter esta desculpa esfarrapada na manga caso não pudesse pagar gente suficiente e alugar ônibus suficiente para levar pessoas para seus protestos?

E, no fim, não percebe que apenas cria uma brecha ainda maior, jogando mais combustível (que está caro, aliás) na fogueira da "venezuelização" do país.


Não, o PT não é o único culpado, pese ser, talvez, o maior. 

Setores da direita souberam aproveitar o sentimento de frustração e fazer a bolha estourar. A questão é que muitos desses movimentos não conquistaram corações e mentes de quem está na rua, mas tão somente conseguiram canalizar a insatisfação com a ajuda da incapacidade do PT de dialogar e reconhecer seus erros.

A superioridade com que petistas tratam qualquer um que discorde, como se fossem apenas uma "massa cheirosa" se aliou à uma recém-(re)descoberta da capacidade da direita de canalizar a despolitização revoltada.
Sim, tem uma suástica à esquerda da faixa maior.
O petismo perdeu o chão

Outro dos artifícios mais comuns do petismo em sua capacidade de enxergar a realidade é a de atacar a mídia. Ela seria golpista. Não posso negar a afirmação, sem dúvida a mídia é parte importante no processo de crise social, tem incitado protestos contra o governo e se mostrado muitas vezes oposição (para ser um importante aliado na hora de justificar cortes e políticas neoliberais ou mesmo repressão), mas a reação petista é apenas a de atacar a mídia com slogans ultrapassados e "tuitadas" enquanto acham a Record comandada pela IURD o máximo da revolução e sem em momento algum questionar o óbvio: QUEM financia a mídia? Oras, em geral o PT através do governo federal.

Ou seja, as "armas" do petismo para a crise são desqualificar a oposição de todas as formas e apontar o dedo para a mídia que eles próprios financiam. Não há como sair da crise assim, pelo contrário.

Comentaram comigo no Twitter que o PT sempre teve "feeling" pra protesto, pra entender as ruas... Sem dúvida, no passado. Hoje não mais. Junho deixou claro que o PT esqueceu o que era militar, esqueceu o que era ir pras ruas com o perigo de apanhar da polícia, oras, o PT ofereceu até Força Nacional para brutalizar as ruas!

Não, o PT perdeu seu feeling, se burocratizou, colocou coleira nos movimentos sociais que aceitaram ser cooptados e passaram a agir sob seu comando, com alguns poucos ensaios de rebeldia, mas em geral agindo sempre como mandava a direção, achatando a base, despolitizando a base. O preço está sendo pago agora e pode ser um preço alto.
Sim, o protesto é difuso.
Prognósticos imediatos: Ódio e revolta

É difícil saber o que sairá dos protestos de domingo. Não apenas as pautas são difusas, como não propõem nada. Em Junho havia um conjunto de pautas objetivas em torno do Passe Livre, do fim da violência contra as ruas, da defesa dos direitos humanos e etc, mas e o Domingo?
Comparem a média de idade das pessoas nos protestos pelo impeachment, nos protestos pró-governo e nos protestos contra a tarifa (que iniciaram as jornadas de junho).
Fica evidente que a juventude, que fez explodir as ruas em junho, não é mais maioria esmagadora nas ruas.
Isso porque os protestos do dia 13 e 15 não são nada mais que uma reação conservadora ao choque que a política institucional sofreu em junho.
Há ódio e revolta contra Dilma (não cabe a mim dizer se correto ou incorreto), há um "fora Dilma" ensaiado, mas o que se propõe? Se a ideia é tumultuar o congresso, criar um fato para dificultar a vida do PT, oras, a realidade é esta, não era preciso nenhum protesto. Se a tese é derrubar a Dilma, bem, convençam o PMDB, depende dele e duvido que na atual situação queiram assumir a bucha.

Enfim, há revolta, há despolitização (mas não reduzamos a isso), há ódio... Mas não há pautas efetivas. Não há a bandeira da reforma política, nem de uma completa reformulação do congresso, sequer há revolta efetiva contra o congresso. O alvo é o PT que pese ter imensa responsabilidade na crise atual, não é nem de longe o único culpado.



Mas e agora?

Não sei. Com toda honestidade eu não faço ideia do passo a ser dado (ao menos pelo PT).

O governo petista acabou. Safatle chegou a comentar em artigo que a Nova República havia acabado junto, o companheiro Marcelo Castañeda disse no Facebook que os protestos de sexta e domingo encerravam o ciclo de Junho. Mas a única certeza é que algo precisa mudar.

O fato é que o PT está nas cordas e querer continuar brigando como se isso fosse resolver simplesmente não funciona. Ridicularizar protesto contrário, "xingar muito no twitter" ou mesmo manter a soberba são a receita perfeita para se dar mal. 

O PT está pagando por ter adotado a agenda do PSDB. Está pagando por ter se aliado e dado forças aos evangélicos fundamentalistas, por ter feito um governo que abusou diariamente dos direitos humanos dando voz e espaço para o preconceito e o fundamentalismo (mesmo vocalizado pela própria presidente e sua declaração de que não faria "propaganda de opção sexual") e especialmente por ter cooptado e desmobilizado movimentos sociais os usando como correia de transmissão de suas políticas em geral contrárias aos interesses destes mesmos movimentos.

O problema é que o PT paga, mas nós pagamos também.

Não acredito que Dilma sofrerá um impeachment mais pelo PMDB dificilmente querer assumi o filho do que por boa vontade - e também é mais proveitoso sugar o quanto puderem de um governo vencido e desacreditado -, mas é fato que o governo foi derrotado e acabou antes de começar. Apenas sobrevive aos trancos e barrancos.
Vamos fingir que acreditamos na manifestação do dia 13?
Então vamos lá: qual resposta do governo às (poucas) cobranças e às (tímidas) críticas feitas pelos movimentos aliados?
Nenhuma. Já pra de hoje, a resposta veio antes até do fim dos protestos.
Ridícula essa 'esquerda' que lambe botas de quem nem lhes dá atenção. Afinal, quem não se valoriza, não tem significância mesmo...
O papel da esquerda

Fica a lição e a tarefa para a esquerda que não quer superar o PT: SUPEREM. E rápido. Proponham algo novo, proponham alternativas, busquem se aproximar das ruas e dos movimentos e criar algo novo. Passou da hora da esquerda desmamar. O PT NÃO fará autocrítica, não irá magicamente abrir mão de 12 anos de direitização, aceitem de uma vez por todas.

As ruas ainda podem ser conquistadas, ainda há espaço para mediações. Ou ao menos eu espero que haja. O ódio está crescendo, mas talvez ainda não seja tarde. Mas assusta, sem dúvida é assustador ver cartazes exigindo golpe, volta dos militares ou com suásticas. É assustador ver o nível da despolitização de muitos ou da politização radicalizada e fascista de outros.
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