quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O que é preciso para transformar em herói a um assassino e torturador?

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O que é preciso para transformar em herói a um assassino e torturador? O que é preciso para que um criminoso se torne santo? O que é preciso para se apagar a memória?

Baste que a nefasta figura morra.

E que a mídia resolva tomar as dores e louvá-lo, pelo seu maravilhoso trabalho na eliminação da praga comunista do país, ou melhor, que convenientemente apaguem a verdadeira história do delegado que de um lado "encontrava" Mengele e do outro mandava matar militantes de esquerda e que controlava um dos piores carniceiros da ditadura, Fleury.

Romeu Tuma já foi tarde, mas infelizmente não pagou em vida por seus crimes. E são incontáveis.

Diferentemente do Sakamoto, eu não respeito o sofrimento de sua família. Eles podem chorar, mas seu "sofrimento" me parece escárnio.
Respeito o sofrimento de sua família. Mas todos – políticos, jornalistas, cientistas sociais – os que foram críticos a ele em vida não podem se atirar na estúpida condescendência para com os mortos, seja atrás de sua herança eleitoral, seja em nome de uma demagogia barata ou do apaziguamento tupiniquim. Não nos esqueçamos que ele dirigiu o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) durante a ditadura, instituição que moeu gente contrária aos verde-oliva e ao “Ame-o ou Deixe-o” dos anos de chumbo. Isso só para citar um ponto de sua controversa biografia, agora incensada.
Respeito merecem as famílias de suas vítimas.

Quem deve chorar são os que perderam filhos, irmãos, pais, amigos, companheiros e companheiras, são as vítimas e seus parentes e não quem olhava nos olhos de um monstro e fingia não ver a realidade.

Quem deve chorar, ainda, são os que tiveram os corpos de seus parentes ocultados por este monstro e que até hoje não puderam enterrá-los.

A família de Romeu Tuma enterrará um corpo. E quanto aos que não poderão jamais fazê-lo pelas ações deste que, hoje, é louvado pela mídia como grande policial e senador?

A morte santifica, faz esquecer, torna heróis mesmo aos piores assassinos.

Tuma morreu sem pagar por seus crimes. Quantos mais, delegados, policiais, civis e militares, estão vivos, morrendo ou já mortos e jamais pagarão por seus crimes, pela tortura e morte de brasileiros que lutavam (ou mesmo que sequer lutav[r]am)?

Esta miserável Lei da Anistia que não só garante a liberdade aos assassinos, mas também promove o esquecimento, passa a falsa imagem de perdão, quando na verdade ninguém jamais pediu desculpas - e não faria diferença se o fizessem. Uma lei que serve apenas para confirmar o caráter de um país conivente com a violência, com a barbárie e que convive diariamente com as mesmas práticas da Ditadura, mas apenas se revolta se a vítima for da Zona Sul ou dos Jardins ou se a mídia se interessar pelo caso e alguma celebridade estiver envolvida.

Aos negrinhos da favela, aos pobres da periferia, a Rota (novamente nos lembramos do Tuma) toma conta, dá o recato. Ou talvez o Bope ou mesmo a polícia "comum". A barbárie se perpetua. Os crimes de ontem foram "perdoados", os de hoje são comuns, aceitos. Serão perdoados no futuro ou já foram internalizados pelos brasileiros.

Comentários, quase depoimentos emocionados, como os do Nassif apenas me envergonham:
O delegado Romeu Tuma foi uma das pessoas mais educadas que conheci em minha carreira profissional. Mas também um dos grandes enigmas. Sempre foi o bom policial, em contraposição ao delegado Fleury, o mau.
[...]
Depois disso, cruzamos algumas vezes em eventos. Ele sempre educado, voz mansa, tipo agradável. Mas com muitas e muitas histórias que certamente jamais registrou.
Enfim, Romeu Tuma merece apenas nosso desprezo mais profundo, as louvações à sua memória por sua vez merecem nosso repúdio e em nome das vítimas, devemos continuar lutando por seu reconhecimento, por seus direitos, pela punição dos torturadores e para que a memória dos que torturaram seja manchada e jogada no lixo da história.

Uma pena que Tuma morreu sem dor, sem pagar por seus crimes.
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