terça-feira, 15 de março de 2011

Líbia, intervenção e a ideologia dos direitos humanos

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Assunto atual e da maior relevância em todas as discussões sobre os conflitos ou revoluções no Oriente Médio é a da possível intervenção militar e no-fly zone na Líbia. De um lado aqueles que acusam as manobras pela intervenção uma tentativa dos EUA assegurarem o escoamento de petróleo do país e de novamente azeitarem sua indústria bélica, do outro, aqueles com intenções humanitárias, que defendem uma intervenção sem pensar nas consequências a longo prazo.

De certa maneira ambos os lados estão corretos. Sim, estamos diante de um avanço significativo das tropas do ditador Khadafi, mas sabemos que uma intervenção dos EUA jamais será feita por respeito aos direitos humanos e pela democracia e sim pela chance de conquistar.

O foco dos questionamentos, ao meu ver, está totalmente errado.

Nem adianta chorar pelos direitos humanos alheios, esperando que uma intervenção - que causará milhares de mortes e poderá destruir a infra-estrutura do país e deixar cicatrizes profundas - e muito menos adianta espernear dizendo que o melhor é deixar que os Líbios resolvam seus problemas, como se a comunidade internacional não tivesse qualquer responsabilidade pela situação (a mesma comunidade que enxotou a Líbia do cenário internacional e depois a recebeu de braços abertos de olho no petróleo e dinheiro líbios, nada mais hipócrita).

Sobre este ponto, o professor Reginaldo Nasser foi certeiro:
Na verdade, a chamada comunidade internacional não é uma comunidade: são os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, tal.  O Mubarak foi aceito por eles há muito tempo e o Gadaffi adotaram recentemente, desde 2003.  Essa reintrodução do Gadaffi na comunidade internacional foi feita num acordo muito bom para as duas partes. As reservas de petróleo da Líbia tornaram-se cada vez mais exploradas, pela Shell, BP, Exxon, etc. O Gadaffi declarou que estava suspendendo toda e qualquer forma de produção de armas de destruição em massa, que é uma obsessão dos Estados Unidos. O Huffington Post mostrou o lobby pró-Líbia dentro do Congresso americano, um lobby que já existia antes da suspensão. Um lobby que envolve petróleo, indústria de armas e universidades.
Do lado dos defensores dos Direitos Humanos acima de tudo temos a defesa da intervenção a qualquer custo, como se ela fosse a tábua de salvação da Líbia e do lado dos não-intervencionistas o longo prazo de uma ação dos EUA seria muito pior quantitativa e qualitativamente para a Líbia e para toda a região.

Diz Daniel Lopes, do Amálgama:
Rebeldes batendo em retirada de Ras Lanuf também pedem para a ONU impôr a zona de exclusão aérea. E a Liga Árabe, que se reuniu neste final de semana no Cairo, aderiu à ideia. Por fim, confiram as esperanças das mulheres de Benghazi, nesse vídeo da Al Jazeera. O que aconteceria com essas pessoas se os bandidos de Kadafi chegassem até a cidade?
De fato, os líbios pedem ajuda. Mas é preciso ter em mente: Que ajuda? O bombardeio da infra-estrutura líbia ajudaria, em longo prazo, o povo, ou apenas os tornaria reféns de investimentos estrangeiros e das potências ocidentais? Trocariam um ditador por outro?

Mas, ao mesmo tempo, como discordar de Antônio Costa?

O maior risco – que não tem paralelo na situação europeia de 1848 – é o de uma intervenção direta dos Estados Unidos. É uma loucura, mas crises de abstinência provocam loucuras e o país não se mostra disposto a se livrar de sua dependência do petróleo, nem sequer a admitir ser ela um problema. E é perfeitamente possível, dados o histórico do Iraque e a movimentação de navios e marines em torno da Líbia, que indica, no mínimo, que o dedo no gatilho está coçando. Seguramente seria desastrosa, graças à absoluta incapacidade dos EUA de entender o ponto de vista dos países muçulmanos e atuar de maneira politicamente consequente no longo prazo, seja no Afeganistão, seja no Iraque, no Paquistão, na Líbia ou na Arábia Saudita.
E também temos líbios que rechaçam a intervenção.

Mas, o discurso sobre a intervenção está deslocado. A questão em si não é discutir se haverá intervenção, mas QUAL intervenção. está claro que aqueles que vão contra a invasão dos EUA vão contra a ação deste único país, investido ou não de poder pela ONU, de se apoderar do petróleo Líbio.

O problema não está na intervenção, que a cada dia se prova mais necessária, mas em quem liderará ou mesmo em quem agirá sozinho em uma possível investida armada contra Khadafi.

O discurso ideologizado desta forma não serve a ninguém, apenas aos EUA que se impõem como salvadores frente à crise humanitária que se desenha, enquanto seus detratores não apresentam propostas viáveis, como uma ação coletiva das Nações Unidas com comando compartilhado.

Artigo completo no Amálgama.
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