quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Falsa Moralidade da Mídia (e da Sociedade) e a criação de factóides

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Uma coisa interessante para se analisar é o recorrente sintoma de falsa moralidade da sociedade, tanto da brasileira quanto da do resto do mundo e, em especial, da mídia, que faz de tudo para vender, para criar um caso, para criar um monstro.

Me recordo das acusações que pipocavam nos jornais sobre o fato de Lula gostar de beber e - dizia a mídia - ser um cachaceiro, de perder a noção quando bebia, de ser uma vergonha para o país e etc.

Tudo bem, a imagem de um presidente bêbado não é agradável nem boa para o país, mas não vejo grande diferença entre o Lula tomar um copo ou outro de cachaça e o Gordon Brown, por sua vez, tomar um uísque vez ou outra.

A diferença é que não imagino o Daily Mirror anunciando ou denunciando o Brown por cachaceiro, desregrado e beberrã. O nosso PIG, em muitos casos, assusta pela banalidade e falta de noção de suas acusações.

Até hoje procuro saber de que fonte vieram as acusações de que o presidente teria um problema com bebidas.

Aliás, o PIG dos EUA também está na jogada, afinal, as acusações mais contundentes vieram de Larry Rother, do NYT. Vale , porém, que a reação contra o artigo também foi absurdamente desproporcional por parte do governo, expulsar o jornalista seria nada mais que uma maneira de aplicar a censura.

Enfim, o ponto crítico é a confusão entre vida privada e vida pública dos presidentes, dos políticos em geral. Uma coisa é Lula beber, o que não é problema, outra é tomar um porre numa reunião diplomática. O primeiro caso não deveria importar à imprensa nem a ninguém, o segundo é caso sério. E, como se verificou, a imprensa buscou criar um factóide para impor o segund ocaso como verdade. Basta apenas verificar as fotos tiradas à época, a clara intenção de denegrir a imagem do Lula em cliques bem planejados.

Era engraçado, na época, encontrar amigos bons de copo criticando o presidente, oras, quer dizer que o presidente não pode dar suas "bicadas" numa cachaça, mas os falso-moralistas podem encher a cara cotidianamente que não tem problema?

A crítica vale para a sociedade que criticou tanto quanto para a mídia, que criou um factóide ridículo.

O mesmo raciocínio vale para o caso do ex-presidente Bill Clinton. Se ele traiu a mulher com a secretária é/era problema só dele e da esposa, uma questão familiar. Mas a mídia caiu em cima e o país chegou à loucura de propor impeachment!

Até onde vão os factóides e o denuncismo da mídia! A exposição da vida pessoal de um político, sem qualquer relação com a vida pública, comprometendo até a política nacional por algo absolutamente estúpido.

Se tivesse havido coação, se a Lewinsky tivesse sido forçada a alguma coisa - o que ela negou - aí sim teríamos um crime, algo que, finalmente, interessaria à opinião pública, à mídia, à vida política. O que Bill Clinton faz ou deixa de fazer em sua vida privada - desde que dentro da lei - é problema apenas dele e de sua família.

Imagino quantos congressistas não apoiaram a deposição de Clinton pelo seu adultério - posteriormente perdoado por sua esposa, Hillary, mas às escondidas mantinham suas próprias amantes, "pegavam" suas próprias secretárias. E quantos americanos-médios não ficaram escandalizados com o episódio e continuaram com suas amantes.

Não sei se existe um aura de infalibilidade em torno dos políticos - ao menos nos EUA isto parece existir mesmo -, estes não podem ser impuros, cometer erros que qualquer cidadão comum cometeria, ou se, na verdade, vemos apenas a hipocrisia e o falso moralismo da sociedade e, em especial, da mídia que faz de tudo por uma boa história, mesmo que inventada, fabricada ou deturpada.

Todo este périplo apenas para chegar onde eu queria, no Berlusconi.

Sim, este crápula está envolto em denúncias mil, desde ser parte da máfia, passando por ser responsável por desvios e corrupção monstruosas chegando até a recente crise de suas festas fechadas com prostitutas, drogas e transporte público em aviões do Estado.

Hoje me chega a notícia de que a popularidade de Berlusconi caiu 4 pontos, o que, na verdade, não é quase nada. A minha surpresa - não só pela queda risível - recai no fato de que a mídia pouco explorou os aspectos realmente escandalosos e, especialmente, no fato da popularidade do crápula cair apenas por causa deste episódio e não por ser quem é, pelas acusações sérias de manipulação e corrupção ou mesmo pelas declarações absurdas e machistas que fez na cidade destruída de l'Áquila!

Berlusconi é um palhaço, um palhaço perigoso, um mafioso e criminoso não só conhecido mas, infelizmente reconhecido por outros meios. É o Premier, líder incontestável de um país que parece ter prazer em ter um marginal como seu governante.

Mas o falso moralismo que recai sobre a sociedade italiana e tema central deste artigo se configura na crítica e na reprovação da sociedade à orgia em si, às prostitutas levadas por Berlusconi para suas festas, exatamente o ponto mais insignificante de tudo.

Se Berlusconi gosta de orgias, gosta de prostitutas e etc é problema dele. Esta é a vida privada do homem. A crítica deve recair - para ficarmos só neste episódio, no uso de drogas e no uso de aviões da força aérea para o uso pessoal do presidente e seus amigos. Mas, na mídia, ouvimos basicamente os mesmos bordões moralistas e não duvido que o assunto nas ruas de Roma sejam os mesmos, tudo isto dito por quem provavelmente adoraria participar de orgias se tivesse a chance, que morrem de inveja das prostitutas do Berlusconi e dele próprio por seu poder.

A imprensa vem chegando ao absurdo de publicar diálogos quase-eróticos de Berlusconi, acessores e prostitutas, algo que beira o nonsense completo ou um filme B de pornochanchada moderna.

Aliás, voltando ao país, é este moralismo torpe e burro (talvez nem tanto neste caso, logo depois a decisão se mostrou acertada) foi o mesmo que impediu FHC de se eleger prefeito de São Paulo contra o Jânio Quadros, em 1985. Por ser Ateu a sociedade o boicotou, uma eleição ganha foi rapidamente perdida. Alguma dúvida de que muitos que resolveram não votar no FHC raramente sequer pensavam em religião ou Deus? Votaram contra apenas por um resquício de moralismo, a idéia de que Ateus são errados, criminosos, impuros, coisa do capeta e outras besteiras.

Enfim, chego à conclusão de que o povo (não todo, obviamente, mas parte significativa) gosta mesmo é de circo. Sente uma imensa inveja do poder, dos poderosos e não duvido que, "chegando lá", fariam igual. Esta mesma inveja, este falso-moralismo e em alguns casos a crença real na bondade e infalibilidade dos políticos, acaba rapidamente quando estes cometem atos mundanos, se mostram homens (e mulheres) comuns, apenas eleitos, mas não diferentes.

À mídia, cabe o papel de interpretar estes anseios burros da sociedade e ir até à beira do ilegal (às vezes passando para o lado de lá) para denunciar, criar os factóides, fabricar notícias e escândalos ou aumentá-las, deturpá-las até não mais poder.

Ainda é cabível notar a alarmante confusão entre vida pública e vida privada, a diferença entre o que se faz na privacidade do lar, como homem, e os atos e ações públicas, como governante, líder, homem público.

Uma confusão perigosa, descabida e aproveitada pela mídia que, como abutres, divulgam fatos da vida pessoal dos indivíduos como se estivéssemos num big brother eterno enquanto, do outro lado, a "sociedade" se refestela reclamando das mesmas coisas que fazem ou gostariam de fazer mas, por qualquer motivo (banal), preferem apenas reclamar dos erros dos outros.

Enfim, cabe apenas ressaltar que, a barreira entre a vida pública e a privada, salvo o vigilantismo constante da mídia, termina ou vale ser burlada apenas quando um crime, um deslize, é cometido na esfera privada e traga consequências à pública, à sociedade, ao Estado.

A falsa moralidade criada e sustentada seja pela mídia ou pela sociedade amante do espetáculo, chega por vezes à beira da loucura, descambando em denuncismo torpe, crises institucionais fabricadas e o total nonsense.
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