sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Inocente manipulação midiática: Chavez versus Uribe

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1. Introdução
Quem lê o blog ha algum tempo notou que o post anterior sobre manipulação midiática foi "resubido". O objetivo foi fazer uma espécie de abertura para demonstrar outra manipulação clara e descarada do PIG, agora na questão da reeleição de Alvaro Uribe, narco-Presidente colombiano e terrorista nas horas vagas.

Por acaso algum desavisado encontrou a palavra "ditador" ou "ditadura"em qualquer notícia sobre a aprovação da lei - pelo Senado, falta ainda a Câmara dos Deputados - que garante ao Uribe o direito de se reeleger pela segunda vez?

Uribe foi eleito em 2002, reeleito em 2006 e agora finge "não saber" se irá tentar novamente a reeleição. A mídia é tão inocente! Os deputados e senadores governistas só falam disso há meses, estão unidos para permitir a reeleição mas o comandante em chefe não sabe de nada? Contem outra, por favor, que esta não cola! Aliás, retomarei este comentário mais para a frente.

A primeira reeleição de Uribe, aliás, já foi fruto de uma mudança na constituição! Mas ninguém ousou chamá-lo de ditador.

Aliás, porque chamariam?

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2. Questões

Ficam, então, algumas questões:

Uribe pode ser tudo - e é - mas ditador? Se ele tem maioria no congresso (vamos tentar acreditar que as eleições na Colômbia são limpas) e este mesmo congresso resolveu mudar a constituição, prerrogativa sua, então onde está o problema?

--A pergunta acima foi carregada de ironia, que fique claro --

E se este mesmo congresso resolve convocar um referendo popular para permitir que o povo decida se quer ou não permitir outra reeleição, o que há de errado nisso?

não tem o povo o direito de decidir por si? O congresso não decidiu nada, apenas passou ao povo o direito de escolher, isto não é o mais moderno em democracia representativa?

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3. Uribe versus Chavez

Se você respondeu sim para todas as questões então eu então pergunto:

Porque, para a mídia, Uribe é o herói montado no cavalo branco que vai solucionar todos os problemas da Colômbia e esmagar os terroristas (sic) das FARC e ELN e, obiviamente tem o direito divino de se reeleger indefinidamente e Chavez é o capeta, o "radical" e, enfim, o ditador terrível e assustador que cometeu o crime de se reeleger mais de uma vez?

E, vejam bem, Chavez foi reeleito após aprovar referendo popular para tal! Em suma, o mecanismo usado por Uribe é semelhante (estou falando de mudanças na constituição) ao usado por Chavez, mas a midia trata um como herói e o outro como um ditador!
Uma breve pesquisa no Google evidencia a discrepância na cobertura da imprensa brasileira. Ao utilizar as palavras chave "reeleição Chávez" no buscador, são encontrados aproximadamente 1370 resultados só no ano de 2009; no mesmo período, e com as palavras chave "reeleição Uribe", são exibidos cerca de 598 - menos da metade.
Um adendo, sobre Uribe conseguir "derrotar" as FARC e etc, claro que ninguém pergunta como, se por meios lícitos e diálogo ou se valendo de repressão, brutalidade e dos narcotraficantes da extrema-direta, como os das AUC. Na prática, vale a segunda opção. Mas isto o PIG não comenta!

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4. O caso de Honduras

Outro paralelo a ser traçado, em termos de posicionamento midiático, mas este ainda mais radical, é com Honduras. Zelaya foi deposto por sua tentativa de consultar o povo sobre a possibilidade de uma reeleição.

Na verdade, em Honduras a questão foi ainda mais estranha, Zelaya ia realizar uma consulta para saber se o povo aceitaria que ele fizesse um referendo para, então poder permitir a reeleição. E, mesmo que aprovada, Zelaya sequer poderia ser este candidato!
O caso concreto do Zelaya é que a notícia de que ele colocaria no plebiscito a possibilidade do terceiro mandato, coisa que não existia, foi dada pela France Press, não sei se unicamente por ela, mas foi reproduzida acriticamente aqui no Brasil por alguns veículos de comunicação. É um padrão nacional, mas que também tem vínculos com a grande mídia internacional.
A mídia nem esperou para chamar Zelaya de Ditador, apoiaram logo sua retirada forçada do poder, um golpe de Estado clássico.

Mas o foco deste artigo não é Honduras, que já analisei exaustivamente em vários posts que podem ser encontrados sob a tag "Honduras" e, para um pouco mais, vale a leitura do mais novo artigo do Idelber Avelar para a Revista Fórum.

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5. Chávez em questão e Breve histórico

Para se observar melhor ainda o paralelo vejam que Chavez foi eleito em 1998 pela primeira vez, com amplo apoio político e em 1999 aprovou, por referendo popular, uma Assembléia constituinte. Ou seja, quem decidiu pela Assembléia foi o povo, através do voto e com maioria esmagadora de 70%.

Com maioria, graças ao voto popular, redige a constituição e a coloca em nova votação popular. Mais uma vez, mais de 70% de aprovação.

Em 2000, através do voto, se reelege.

Em 200 a oposição tenta retirar Chavez do poder com um referendo revogatório. Chavez vence com amplo apoio popular.

Em 2006 Chavez se reelege novamente, com maciço apoio popular.

Finalmente, no fim de 2008, o congresso aprova a reeleição indefinida de todos os cargos eleitos- e não só o do Presidente.

O que se vê, enfim, é que em todos os momentos Chavez teve amplo apoio popular e apoio do congresso, e que a oposição, em 2002, resolveu passar por cima da vontade popular e deu um golpe de Estado - de vida curta - e retirou Chavez do poder.

Vejamos se é possível compreender, Chavez sempre foi eleito, sempre teve maioria no congresso mas, enfim, é ditador. Além disso ainda sofreu um golpe e voltou nos braços do povo. Mas é um ditador.

Não percam a conta, Chavez foi eleito em 1998 e reeleito em 2000 (2 anos depois, a constituição mudou, o mandato foi "zerado") e em 2006. Ou seja, se reelegeu duas vezes e apenas aspira ao terceiro mandato. Assim como Uribe!

E todo o processo contou com uma maioria parlamentar e referendo(s)! Chavez e Uribe, enfim, agiram de forma semelhante, mas a mídia escolheu seu lado. A mídia, aliás, esqueceu de avisar que simplesmente escolheu o que lhe pareceu mais simpático, porque na prática não há qualquer diferença entre Chavez e Uribe no que tange os processos de eleição e reeleição, com a única diferença marcante sendo o fato de Chavez ter sido vítima de um golpe.

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6. Uribe em questão e Breve histórico

Ah sim, não nos esqueçamos de Alvaro Uribe, que foi eleito a primeira vez e 2002 e, em 2005 conseguiu que o congresso e a Corte Constitucional aprovassem sua reeleição, que se deu em 2006.

Vejam que, diferentemente de Chavez, Uribe não realizou qualquer consulta ou referendo, mas em momento algum foi chamado de Ditador. Contou apenas com a aprovação do legislativo e judiciário mas em momento algum se preocupou em consultar o povo.

Aliás, sobre este processo pairam até hoje denúncias de corrupção e suborno de parlamentares para aprovarem a mudança constitucional. E, cabe ainda notar, Uribe inicialmente se dizia contrário à reeleição. Chavez, por outro lado, sempre deixou claras suas intenções e, além disso, teve a decência de consultar o povo.

Neste meio tempo Uribe ainda passou por vários escândalos, como o de alianças com paramilitares, com narcotraficantes, corrupção, invasão do território Equatoriano e etc.

Como se vê, um verdadeiro democrata!

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7. ConclusãoO que se vê, enfim, é o posicionamento claramente ideológico e ideologizado da Mídia que, das duas uma, ou raramente dá publicidade ao fato - e quando o faz é sem qualquer crítica -, ou então se declara francamente favorável, feliz e satisfeita com a reeleição de Uribe.

Em ambos os casos é visível a falta de memória (memória seletiva?) e o mal-caratismo em louvar o acontecimento que contém mais do que esporádicos paralelos com os processos eleitorais e legislativos que levaram Chávez à se reeleger nos anos anteriores.

A diferença marcante, no entanto, é que Chavez submeteu todas as modificações constitucionais ao crivo popular, em referendos democráticos, enquanto Uribe tomou todas as decisões sem deixar seu palácio, nos escritórios parlamentares.

Chavéz é ditador, Uribe, mesmo copiando (e mal), não.

E porque a mídia se posiciona desta maneira?

Simples, porque Chavez é apenas um "caudillo", um esquerdista, até um comunista!

E, do outro lado, porque Uribe está alinhado com o sonho neoliberal, defende com unhas e dentes o livre mercado, interfere apenas nos negócios das FARC e ELN (corja comunista e narcotraficante) sem, porém, interferir nos negócios dos narcotraficantes da direita - seus aliados - e, acima de tudo, está alinhado com os EUA, sendo o seu braço mais visível na América do Sul, talvez o único ainda remanescente.
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Comentários
8 Comentários

8 comentários:

AF Sturt Silva disse...

Concordo com seu artigo ,acho que só faltou aspas,a não se que vc concorda com a moneclatura do pig...

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Aspas onde?

Aliás, eu sempre admirei o Chavez, apesar de discordar de algumas atitudes, ele é o melhor e maior exemplo para a AL.

Carlos disse...

Sem mencionar o fato básico que Colômbia, "Israel da América Latina", tem o pior histórico de abuso de direitos humanos NO HEMISFÉRIO (corre, sindicalistas, corre!) - portanto, livre-comércio = democracia, baby! Está no nome! "Livre" (livre para ricos terem escravos - é como se todos autores da esquerda na história propunham "anti-liberdade" em seus textos - devemos odiá-los por serem "estatistas" e de alguma forma autoritários e ao mesmo tempo odiá-los por não obedecerem tradições, por serem hippies* sujos sonhadores aveadados maconheiros bardeneiros, não respeitarem a ordem, ser "amigo de bandido" etc. Doublethink deluxe)!

*(na verdade, há um gosto neoliberal por hippies. A parte paz&amor superficial que parece programa infantil da Xuxa, e Beatles tocando no fundo de matérias do Fantástico. Único hippismo permitido - no máximo alguma celebração vaga de "ativismo", do tipo "Cansei!")

Lembre-se que durante a cobertura do massacre recente em Peru em nome do tratado de livre-comércio com os EUA, como em Honduras, se tentava até dar o benefício da dúvida as versões das autoridades (imagina se eu propusesse o mesmo se tratando do Irã ou da China - "Bem, Ahmedinejad disse que...", eu seria corretamente recebido com gargalhadas - apesar que autoritarismo Chinês vem sido melhor tratado em andamento com sua revolução hiper-capitalista e suas autoridades vem recebendo maior benefício da dúvida, só é demonizado quando se pode usar o "partido comunista"/"ditadura comunista" na exposição. Imagina se em todos os massacres restantes se mostrasse usando o termo "... na ditadura capitalista...").

Mídia na américa latina é perfeitamente descrita pela propaganda recente onde encanadores de vários países se gabam pelos encanamentos de suas vitórias no futebol (e venezuelanos levam a pior tendo apenas miss universo e então rimos da cara daqueles cretinos idiotas). Se levarmos de forma meta-linguística, é o perfeito retrato da mídia latino-americana e os perímetros permitidos da discussão na arena pública visando mobilizar o povo: capital privado de elites transnacionais imperialistas (ou seja, parlamentos/estados virtuais 'privados' que fazem referendos e ditos constantes sobre a política dos países - "parlamento" onde o povo não tem nenhum voto, então se deve adorar enquanto devemos odiar e ficar desconfiados de "estados inchados policialescos" etc) bombardeando países com demonizações da Venezuela continente (e mundo) afora através de jingoísmos futebolísticos competitivos (ao invés de integração e solidariedade - divide & conquer, no unions! A única globalização e integração permitida é a de capital e ponto final, ele é livre e vocês precisam cada vez mais passar por checkpoints, you illegals!).

Carlos disse...

(cont)

É curioso. Chavez surgiu e de repente América Latina passou a existir pra esse povo, dado destaques conscientemente seletivos. E eles interpretam seu próprio destaque como - assim como toda notícia - algum tipo de acontecimento trágico, coisa ruim ou fogo polêmico, "saiu da programação normal" - a propaganda meio que alimenta o próprio ódio sem perceber, é uma lógica circular na parte mais reptiliana do cérebro. Enquanto os massacres, devastação e miséria de "democracias de livre-comércio" durante décadas mal sequer recebiam algumas linhas, eram apenas algumas merdas de países bananas que não quero saber tintin por tintin - ou no máximo se mostra algum Menem que se enquadra na figura neoliberal do sucesso sofisticado - "elite branca perfumada" - de ternos gringos cinzas, brisas de cabelos prateados e economês tecnocratas.

E ñ esqueçamos do superdemocrático México. Nenhum pio de indignação seletiva (agora com Honduras, se vê como não se tem nenhum compromisso com valores de liberdade de expressão, democracia etc. É tudo concern trolling e formas de desestabilização Allende-style).

Pelo menos o raso lago de pseudo-liberalismo (o "we are the world" do capital :D) fizeram essas forças fazerem um pouquinho menos de propaganda anti-Morales (apesar de que nem tanto - se vê a Veja e é como alguém descrevendo MLK como "incompetente, bananão e jeca retrógado, o Economist devia ditar o que é melhor pro povaréu amarronzado" *passa o resto dos anos chupando o setor financeiro, FMI e o Banco Mundial*).

Doo disse...

Caramba, otimo post (pra variar... sempre leio e nunca comento...) e otima discussão.

Claro que o problema do Chavez talvez seja o fato de que ele consulta o povo... "sabe como são esses governos POPULISTAS", diria a classe merdia... (como se clinton e outros não o fossem... http://video.google.com/videoplay?docid=1122532358497501036 )

Fica a indagação da definição de ditador... porque um cara que desburocratiza seu Estado e permite que os cidadãos decidam as medidas que o Estado deve tomar em seus respectivos bairros não me parece caber na definição...

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Carlos, excelente análise, prolixa, mas muito boa, haha! Deverias ter um blog!=)

Doo, meu querido e sumido amigo, quando vamos ver seu filme?=)

Pelo menos você lê, já é um começo, hehe!

MAs é bem verdade, o termo "populista" é usado sempre e somente para Chavez e aliados porque consultam o povo e fazem o que o povo quer. Não lembro quem disse, foi algum bom intelectual, que comentou que se populismo significa levar em conta os anseios do povo, ser popular e fazer o possível e impossível para o bem estar do povo, então o populismo é inerentemente bom eeu sou populista.

É bem por aí, os liberais, capitalista,s neoliberais, enfim, toda a corja, não aceitam que as decisões escapem do pequeno grupinho de líderes escolhidos pelo deus do capital e que o povo dê as cartas. Vira coisa do demo!

Chavez, de ditador não tem nada, não dá um passo sem consultar o povo. Comete erros? Vários, é humano. Mas Ditador? Se ele é o Uribe é dos piores porque nem consultar o povo ele consultou.

Carlos disse...

hehe valeu, acabei me extendendo sem querer. O post foi bom o bastante para inspirar :)

"Não lembro quem disse, foi algum bom intelectual"

Não sei se foi, mas Chomsky diz isso bastante. Vale também nesse mesmo bonde cutucar a concepção da classe-média/alta neoliberal de que tamanha participação só pode ser de uma turba esquentada irracional, que tamanha dedicação e empenho é fascistóide etc - o povo só devia andar "naturalmente" na pequena linha do setor privado/consumista e ponto (aperta um dos quatro botões que os de cima oferece a cada x anos, ou coca ou pepsi, assiste a discussão permitida pela elite, e ponto final). Qualquer participação além de ser espectador (que geralmente vem como produto e reação a exclusão neoliberal), é uma mob, populismo, turbas irracionais de povaréu ignorante que não sabe o que é melhor para eles.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Haha, fique à contade, Carlos!

O engraçado é que quando esta "turba irracional" vota na direita, eles ñ vêem problema algum nisso. Só é problema quando perdem! Aí são irracionais, radicais e etc.

Quando a Esquerda vence no jogo da direita, esperneiam.

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