sexta-feira, 8 de abril de 2011

O Massacre de Realengo e a falência do jornalismo brasileiro

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Em meio a tragédia que se abateu sobre a escola Escola Municipal Tasso da Silveira no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro, caos informativo e notícias desencontradas.

As manchetes dos principais veículos de imprensa destoavam. Não se sabia o número de vítimas e houve ainda grande especulação até mesmo sobre a motivação do assassino, enquanto as redes de TV e jornais buscavam os melhores ângulos para mostrar de forma mais crua a tragédia. Sangue, choro e desespero foram mostrados incansavelmente pela grande mídia, cada uma tentando ir mais além, numa competição que beira a desumanidade.

Em pleno dia do jornalista, o que vimos foram estes dando palpites, chutes, repassando a notícia sem qualquer apuração, pior, sem nenhuma responsabilidade.

A comparação feita por muitos com Columbine, escola dos EUA onde 15 pessoas foram mortas em 1999 (incluindo os dois responsáveis pelo massacre), funciona como paralelo não só pelo evento de similar mortandade, mas também pela cobertura midiática inconsequente. Nos EUA os culpados foram logo encontrados: Jogos violentos de videogame e Marilyn Manson.

Os dois rapazes responsáveis pelos massacres jogavam Counter Strike e ouviam o cantor. Estava resolvido.

Tudo sem grandes questionamentos sobre a sociedade em si, sobre o modelo de ensino e mesmo sobre o irrestrito porte de armas. Nos EUA as chacinas se repetem e, da mesma forma, pouco é questionado sobre os reais motivos, sobre a estrutura da sociedade e sobre algo que hoje finalmente vem sendo tratado como um problema generalizado, o bullying.

Diz a Frô:
Infelizmente, a violência contra as crianças e adolescentes não é rara no país. Existem diferentes formas de violência, adolescentes, meninos, negros são os mais vitimados. Uma pequena busca aqui no Blog mostrará alguns vídeos de policiais atirando em adolescente em Manaus, policiais espancando adolescente em Feira de Santana e tantas outras formas de se propagar a violência.
Prática comum e que muitos pensavam restrita aos EUA, começou a ser olhada mais profundamente no Brasil depois de vários casos de violência nos colégios do país. Mas a prática foi tomada como um fim em si mesma, não como o reflexo de uma sociedade doente.

Acertou Alex Haubrich, do Jornalismo B:
Além disso, os debates fundamentais não serão feitos: de que forma a lógica da Educação brasileira estimula e dá base para que situações assim ocorram? Como se dá e como se pode evitar a violência nas escolas? De que forma a valorização dos professores a o aperfeiçoamento das escolas podem modificar essa lógica? Sim, porque esse não é um caso isolado, é apenas o mais chocante das diárias manifestações nas escolas da violência social como um todo. Mais: por que tantas armas nas mãos das pessoas? Por que fábricas de armas patrocinam campanhas eleitorais? De que forma a própria mídia estimula a resolução violenta e individual dos conflitos sociais?
Em Realengo, o atentado provocou 11 vítimas fatais (nove meninas, um menino – com idades entre 12 e 14 anos – além do atirador) e outras 13 pessoas ficaram feridas, mas até se chegar a este número a mídia teorizou 17 mortos, 13 mortos, cada site de veículo noticioso chutava o número que melhor lhes parecia. O número de feridos variava igualmente, passando dos 20 para alguns veículos. A velocidade da internet atropelou o jornalismo. Na tentativa de serem mais rápidos que a concorrência, jogavam notícias nos portais sem qualquer confirmação.

Quanto mais sensacionalista a cobertura, melhor. E sucessivas "teses" foram levantadas pela mídia, cada uma sendo desmentida com o passar do dia. O mote era o da novelização da tragédia, a cada minuto, um novo capítulo.

Na TV, assumiram que o assassino, chamado Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, era ateu. No Uol e na Folha de São Paulo, informam que, segundo sua irmã, ele seria muçulmano (apesar de, em sua carta de suicídio, se mostrar claramente cristão). Durante toda a manhã estava aberta a temporada de construção de estereótipos.

A grande mídia deu amplo destaque também ao fato dele ser supostamente portador de HIV, como se, com isso, tivessem encontrado o motivo para o massacre, mesmo antes de ter conhecimento sobre o conteúdo da carta que ele havia deixado e que só a polícia tinha noção do conteúdo.

O Mello acertou em cheio:
Emissoras de rádio e TV e portais de grandes grupos da mídia partem para uma cobertura sensacionalista do fato (fato), entrevistando pais e mães (de preferência estas) desesperados (fato) para conquistarem audiência (fato) e aumentarem market share (meta).

O povo (essa entidade que sempre joga o verbo para a terceira pessoa, pois nunca nos inclui) gosta disso (fato?). Pelo menos é o que alegam responsáveis pela cobertura. "Se não dermos, a concorrência dá", argumentam.

Mas a exposição sensacionalista de um fato, sua transformação em espetáculo midiático, pode estimular a reprodução dos fatos, como ocorre nos Estados Unidos (fato).

A mídia vai encarar a suposição como uma possibilidade de mercado (fato) que talvez aumente market share (meta).

Outros vão morrer (fato), mas a grande mídia se importa com tudo, exceto os fatos (fato).

Nas primeiras horas após o ataque cada veículo informava a seu bel prazer sobre se Wellington seria ex-aluno, pai de aluno ou apenas um transeunte transtornado. A sensação era a de que chutavam, esperando ter a sorte de acertar e dar o furo. Um verdadeiro show de sensacionalismo e desrespeito, coroado pelas tentativas de jornalista de espremer o máximo de drama das vítimas, de pais e crianças que estiveram presentes ou próximos.

Novamente a Frô:
Há uma imensa especulação na mídia televisiva e impressa sobre o perfil do atirador: desde que se tratava de um ‘extremista islâmico’, de que era ‘filho adotivo’, ‘viciado em internet’, jovem de ‘poucos amigos’,  ’portador do HIV’…
Esse é um momento perigoso, onde empresas jornalísticas em busca de audiência exploram como podem esta imensa tragédia: islamismo, adoção, internet e portadores de HIV tornam-se explicações fáceis para nossas mentes bestificadas diante do absurdo que é crianças serem mortas dentro da escola.
Nas redes sociais, o Estado de São Paulo convidava seus leitores a assistir a um vídeo com familiares das vítimas em desespero. Na Record, jornalista forçando ao ponto de fazer uma criança chorar e dizer que achou que ia morrer. Em geral, cada rede de TV buscava as melhores entrevistas com vítimas e testemunhas, o choro delas era apenas um bônus.

Ao invés do mínimo de respeito pelas vítimas, o jornalismo brasileiro deu um show de irresponsabilidade.

Sobrou até para a internet. Se religião, fundamentalismo e terrorismo islâmico soariam pesado demais para o público tupiniquim (já basta terem importado dos EUA o paralelo com Columbine), a solução foi culpar a internet, pois o responsável pelo massacre supostamente era uma pessoa isolada e que passava muitas horas na internet.

Assim que descobrirem sua banda ou cantor favoritos, a mídia terá outro alvo, outro assunto para analisar profundamente em todos os horários possíveis.
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