quarta-feira, 20 de abril de 2011

Tolerar racistas? Homofóbicos? Divagações sobre uma difícil questão

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Muito se comentou no país sobre a tolerância à crimes de racismo e homofobia quando estourou o caso Mayara Petruso, reflexo da campanha de ódio durante as eleições brasileiras em que o candidato da direita se aproximou perigosamente da TFP e outros grupos extremistas.

Bucha de canhão, Mayara poderia servir de exemplo. Não eram poucos os que exigiam sua prisão, enquanto alguns poucos contemporizavam, outros consideravam que nada resolvia e a mídia - alinhada ao candidato da direita - a defendia abertamente.

Os argumentos, enfim, iam desde os que defendiam a punição da garota - e a punição de toda e qualquer ofensa racista e xenófoba - e dos que defendem o modelo americano de plena liberdade individual, de falar o que quiser e deixar que a sociedade regule o que é ou não aceitável.

Proibir a livre manifestação tendo por base conceitos abstratos do que é ou não preconceito foi questionado por isto abrir brechas para a censura e para a criminalização de opiniões, por outro lado, como garantir o controle sobre incitações ao ódio?

O caso mais recente do Deputado Federal Jair Bolsonaro e suas declarações racistas e homofóbicas no programa CQC e ao mesmo tempo as declarações no mesmo tom do também Deputado Federal e pastor Marco Feliciano, no Twitter, reacenderam o debate.

Mídia lá e aqui

Nos EUA a Klu Klux Klan (KKK) é tolerada e é residual -ainda que não exatamente sua ideologia, incorporada pelo Tea Party e por uma significativa parcela da população (basta observar as políticas anti-imigração em curso em vários estados americanos, especialmente no Arizona) -, além disto podemos dizer que nos EUA os vários lados, as várias opiniões, tem acesso à mídia, tem a possibilidade de divulgar suas idéias com um mínimo de igualdade, o que, mesmo assim, não garante que crimes de ódio não aconteçam.

 Nos EUA temos redes alinhadas aos Democratas, aos Republicanos e, em geral, outros grupos podem comprar espaço e terem a liberdade de propagar seus ideais.

A mídia é uma grande questão. No Brasil a mídia é dominada por um grupo de famílias de elite - com interesses bem distantes das do povo - e por igrejas evangélicas e ramos da igreja católica, logo, a mídia é usada ativamente para perpetuar o preconceito, a homofobia, o machismo e as idéias exclusivas dos grupos que detém os meios... Enquanto aqueles com pensamento diametralmente oposto são escondidos e tem limitado acesso.

 A liberdade de expressão que existe no Brasil confunde-se com a Liberdade de Empresa. A liberdade que as empresas, e apenas elas, tem de se manifestar. Chamar tal aberração de liberdade de imprensa é o escárnio máximo. A internet abre espaço para a quebra deste monopólio, mas seu alcance, enquanto veículo de massas, ainda é restrito.

Liberdade de expressão?

Devemos, em nome da liberdade de expressão, tolerar a homofobia em igrejas? Devemos tolerar a pressão que leva dezenas, quiçá centenas de jovens gays ao suicídio pelo preconceito que sofrem da sociedade, ou é necessário combater o preconceito?

Qual seria o limite entre a censura e a punição justa, ou melhor, qual o limite entre expressar uma opinião e ser preconceituoso? Está nas palavras de quem se expressa ou no receptor, em quem é vítima?
Muitos podem dizer que é muito fácil se fazer de vítima, e é verdade, mas também é igualmente fácil desmerecer a vítima e considerar que a ofensa sofrida não foi assim tão grave.

Qual a diferença entre um grupo de amigos contando piadas de gays e um padre pregando que gays devem ir pro inferno? A intenção? A recepção dos atores envolvidos? Ou a idéia de que um grupo de amigos contando piada é inofensivo, mas um padre, como líder, prega para uma audiência que encarará suas palavras como verdade e as repetirá e perpetuará? Estaria no alcance, então?

Responsabilidade e Ódio de Classe

A questão talvez passe pela responsabilidade ou pela responsabilização, por ser responsável pelas palavras, enfim. Passa pelo alcance, pela recepção da platéia, pelo local e, acima de tudo, pela intenção.
 E geral a esquerda é a primeira a levantar a questão do "preconceito ou ódio de classe" em escritos marxistas. poderia ser considerado como preconceito efetivamente?

De antemão deve-se ter em mente que o ódio de classe é anterior à ideologia, que tão somente o expôs, ou melhor, deu um nome ao que já era uma realidade, e que esta vem exatamente para tentar sanar as distorções. Melhor dizendo, existe um ódio de classe, perpetuado pela burguesia que explora o proletário e este se levanta contra esta exploração e encontra nos escritos marxistas apenas a tradução.

Podemos falar em preconceito contra o preconceito. Ainda que, sejamos honestos, playboy reclamando que sofre ódio de classe porque alguém o chamou de burguês ou porque defende a luta de classes seria uma novidade.

Estamos aqui falando não de preconceito de uma classe inferior - como noção de sua inferioridade -se rebelando contra a que lhe oprime, bem diferente da pregação de ódio e do preconceito irracional de grupos contra outros sem que haja nenhuma relação efetiva entre eles.

Por exemplo, é compreensível que um proletário se sinta agredido por seu patrão e busque reagir, mas qual a justificativa de um padre atacar um gay, tirar sua humanidade e condená-lo? Qual o sentido em colocar os problemas do país nas costas da população de um determinado local e pregar seu extermínio? O preconceito está intimamente ligado à ignorância e ao fanatismo.

Preconceito positivo ou liberar geral?

Estaríamos, aqui, falando e um "preconceito positivo", aquele usado contra outro preconceito anterior, a legítima defesa contra um preconceito ainda mais nocivo?

No fim,  a discussão se divide entre os que querem liberar geral, que separar ao ato de xingar com a ação em si e os que consideram tudo a mesma coisa, ou seja, os que defendem o direito dos homofóbicos serem homofóbicos, desde que não façam nada (violento, por exemplo), e os que acreditam que as palavras em si pressupõem crime, na medida em que perpetuam o estereótipo, o preconceito e incitam à ação (violenta).
Por violência não falo apenas da física, mas a humilhação, a violência psicológica, o impedimento, o cerceamento e por aí vai.

Como tratar da responsabilização do discurso?

Sem problemas dizer, numa igreja ou templo, que gays são pecaminosos, que devem ir pro inferno, mas o errado é quando algum destes "fieis", influenciado pelas palavras de seus líderes parte para a ação, para mandar o gay logo pro inferno? Mas, se não houvesse a incitação, o ódio perpetuado pelas palavras, teria acontecido o crime?

Raponsabilizamos apenas quem cometeu o ato violento ou quem o incitou, através das palavras? Ou melhor, esperamos até que haja a ação violenta para reagir? Esperamos que algum paulista afogue um nordestino para punir a Mayara?

A permissão da livre intolerância pode não dar em nada, pode simplesmente acabar pregando contra os que perpetuam o ódio, mas em alguns casos pode virar o nazismo, pode virar a intolerância contra muçulmanos que vemos na Europa, pode virar a expulsão de ciganos, como na França...

Até que ponto devemos tolerar os intolerantes, ou melhor, como definir exatamente o que é intolerância?
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