Muito se comentou no país sobre a tolerância à crimes de racismo e homofobia
quando estourou o caso Mayara Petruso, reflexo da campanha de ódio durante as
eleições brasileiras em que o candidato da direita se aproximou perigosamente
da TFP e outros grupos extremistas.
Bucha de canhão, Mayara poderia servir de exemplo. Não eram poucos os que
exigiam sua prisão, enquanto alguns poucos contemporizavam, outros consideravam
que nada resolvia e a mídia - alinhada ao candidato da direita - a defendia
abertamente.
Os argumentos, enfim, iam desde os que defendiam a punição da garota - e a
punição de toda e qualquer ofensa racista e xenófoba - e dos que defendem o
modelo americano de plena liberdade individual, de falar o que quiser e deixar
que a sociedade regule o que é ou não aceitável.
Proibir a livre manifestação tendo por base conceitos abstratos do que é ou
não preconceito foi questionado por isto abrir brechas para a censura e para a
criminalização de opiniões, por outro lado, como garantir o controle sobre
incitações ao ódio?
O caso mais recente do Deputado Federal Jair Bolsonaro e suas
declarações racistas e homofóbicas no programa CQC e ao mesmo tempo as
declarações no mesmo tom do também Deputado Federal e pastor Marco Feliciano,
no Twitter, reacenderam o debate.
Mídia lá e aqui
Nos EUA a Klu Klux Klan (KKK) é tolerada e é residual -ainda que não
exatamente sua ideologia, incorporada pelo Tea Party e por uma significativa
parcela da população (basta observar as políticas anti-imigração em curso em
vários estados americanos, especialmente no Arizona) -, além disto podemos
dizer que nos EUA os vários lados, as várias opiniões, tem acesso à mídia, tem
a possibilidade de divulgar suas idéias com um mínimo de igualdade, o que,
mesmo assim, não garante que crimes de ódio não aconteçam.
Nos EUA temos redes alinhadas aos Democratas, aos Republicanos e, em
geral, outros grupos podem comprar espaço e terem a liberdade de propagar seus
ideais.
A mídia é uma grande questão. No Brasil a mídia é dominada por um grupo de
famílias de elite - com interesses bem distantes das do povo - e por igrejas
evangélicas e ramos da igreja católica, logo, a mídia é usada ativamente para
perpetuar o preconceito, a homofobia, o machismo e as idéias exclusivas dos
grupos que detém os meios... Enquanto aqueles com pensamento diametralmente
oposto são escondidos e tem limitado acesso.
A liberdade de expressão que existe no Brasil confunde-se com a
Liberdade de Empresa. A liberdade que as empresas, e apenas elas, tem de se
manifestar. Chamar tal aberração de liberdade de imprensa é o escárnio máximo.
A internet abre espaço para a quebra deste monopólio, mas seu alcance, enquanto
veículo de massas, ainda é restrito.
Liberdade de expressão?
Devemos, em nome da liberdade de expressão, tolerar a homofobia em igrejas?
Devemos tolerar a pressão que leva dezenas, quiçá centenas de jovens gays ao
suicídio pelo preconceito que sofrem da sociedade, ou é necessário combater o
preconceito?
Qual seria o limite entre a censura e a punição justa, ou melhor, qual o
limite entre expressar uma opinião e ser preconceituoso? Está nas palavras de
quem se expressa ou no receptor, em quem é vítima?
Muitos podem dizer que é muito fácil se fazer de vítima, e é verdade, mas
também é igualmente fácil desmerecer a vítima e considerar que a ofensa sofrida
não foi assim tão grave.
Qual a diferença entre um grupo de amigos contando piadas de gays e um padre
pregando que gays devem ir pro inferno? A intenção? A recepção dos atores
envolvidos? Ou a idéia de que um grupo de amigos contando piada é inofensivo,
mas um padre, como líder, prega para uma audiência que encarará suas palavras
como verdade e as repetirá e perpetuará? Estaria no alcance, então?
Responsabilidade e Ódio de Classe
A questão talvez passe pela responsabilidade ou pela responsabilização, por
ser responsável pelas palavras, enfim. Passa pelo alcance, pela recepção da
platéia, pelo local e, acima de tudo, pela intenção.
E geral a esquerda é a primeira a levantar a questão do
"preconceito ou ódio de classe" em escritos marxistas. poderia ser
considerado como preconceito efetivamente?
De antemão deve-se ter em mente que o ódio de classe é anterior à ideologia,
que tão somente o expôs, ou melhor, deu um nome ao que já era uma realidade, e
que esta vem exatamente para tentar sanar as distorções. Melhor dizendo, existe
um ódio de classe, perpetuado pela burguesia que explora o proletário e este se
levanta contra esta exploração e encontra nos escritos marxistas apenas a
tradução.
Podemos falar em preconceito contra o preconceito. Ainda que, sejamos
honestos, playboy reclamando que sofre ódio de classe porque alguém o chamou de
burguês ou porque defende a luta de classes seria uma novidade.
Estamos aqui falando não de preconceito de uma classe inferior - como noção
de sua inferioridade -se rebelando contra a que lhe oprime, bem diferente da
pregação de ódio e do preconceito irracional de grupos contra outros sem que
haja nenhuma relação efetiva entre eles.
Por exemplo, é compreensível que um proletário se sinta agredido por seu
patrão e busque reagir, mas qual a justificativa de um padre atacar um gay,
tirar sua humanidade e condená-lo? Qual o sentido em colocar os problemas do
país nas costas da população de um determinado local e pregar seu extermínio? O
preconceito está intimamente ligado à ignorância e ao fanatismo.
Preconceito positivo ou liberar geral?
Estaríamos, aqui, falando e um "preconceito positivo", aquele
usado contra outro preconceito anterior, a legítima defesa contra um
preconceito ainda mais nocivo?
No fim, a discussão se divide entre os que
querem liberar geral, que separar ao ato de xingar com a ação em si e os que
consideram tudo a mesma coisa, ou seja, os que defendem o direito dos
homofóbicos serem homofóbicos, desde que não façam nada (violento, por
exemplo), e os que acreditam que as palavras em si pressupõem crime, na medida
em que perpetuam o estereótipo, o preconceito e incitam à ação (violenta).
Por violência não falo apenas da física, mas a humilhação,
a violência psicológica, o impedimento, o cerceamento e por aí vai.
Como tratar da responsabilização do discurso?
Sem problemas dizer, numa igreja ou templo, que
gays são pecaminosos, que devem ir pro inferno, mas o errado é quando algum
destes "fieis", influenciado pelas palavras de seus líderes parte
para a ação, para mandar o gay logo pro inferno? Mas, se não houvesse a
incitação, o ódio perpetuado pelas palavras, teria acontecido o crime?
Raponsabilizamos apenas quem cometeu o ato
violento ou quem o incitou, através das palavras? Ou melhor, esperamos até que
haja a ação violenta para reagir? Esperamos que algum paulista afogue um
nordestino para punir a Mayara?
A permissão da livre intolerância pode não dar em
nada, pode simplesmente acabar pregando contra os que perpetuam o ódio, mas em
alguns casos pode virar o nazismo, pode virar a intolerância contra muçulmanos
que vemos na Europa, pode virar a expulsão de ciganos, como na França...
Até que ponto devemos tolerar os intolerantes, ou
melhor, como definir exatamente o que é intolerância?
Blog de comentários sobre política, relações internacionais, direitos humanos, nacionalismo basco e divagações em geral... Nome descaradamente baseado no The Angry Arab
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Tolerar racistas? Homofóbicos? Divagações sobre uma difícil questão
2011-04-20T13:17:00-03:00
Raphael Tsavkko Garcia
Brasil|Homofobia|intolerância|Política|Racismo|Safadeza|
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