Cheguei por volta das 3 da tarde no Churrascão da Gente Diferenciada. Enquanto caminhava pela Maria Antônia até o local notei a quantidade imensa de carros em pleno sábado e logo imaginei "o protesto deve estar pegando fogo".
Organizado pela internet, o evento atraiu uma quantidade impressionante de pessoas para protestar pelo metrô e contra a elite preconceituosa de Higienópolis que, mesmo frente à tamanha mobilização, permaneceu firme e forte em seu preconceito.
Um mar de gente, de todos os tipos, cores, gêneros prontos para, com muito bom humor, protestar contra o racismo e o preconceito.
De longe avistava-se uma fumaça preta persistente em meio à quantidade surpreendente de pessoas - era a catraca de ônibus que havia sido queimada pelos presentes para protestar, também, contra o preço abusivo do ônibus e do metrô -, além da presença maciça de veículos de meios de comunicação, prontos a noticiar e, claro, falsear o número de presentes.
A PM informou serem 600 os manifestantes, a Folha teve a cara de pau de dizer 300. Mas eram (ou éramos) mais de mil. Seguramente mais de 3 mil ou até 5 mil passaram pelo protesto, comeram um churrasquinho, tomaram uma cerveja diferenciada e se divertiram e cantaram durante as mais de 5 horas de protesto.
Presença maciça de jornalistas e presença de um "jornalista" do humorístico favorito da elite racista brasileira (de onde saiu Danilo "eu não gosto de judeus" Gentilli e Rafinha "estupro mulher feia" Bastos) que foi prontamente vaiado e xingado pela maioria dos presentes, ainda na frente do Shopping Higienópolis. Será que as imagens e principalmente o áudio irão ao ar no programa, ou irão editar o possível para fingir que o "jornalista" foi bem recebido?
O churrasco propriamente dito teve início ainda na frente do Shopping, quando chegou a churrasqueira diferenciada, o carvão produzido com trabalho escravo de pobre, a picanha (filé miau disfarçado) e a linguiça (provavelmente de cachorro). Faltava o álcool para acender o fogo, mas os presentes logo trataram de gritar para quem nos olhava dos prédios em frente pedindo pelo Red Label e pelo Blue Label. Mas tivemos de nos contentar com cachaça mesmo.
Perguntado por um policial sobre quem liderava a manifestação, o tuiteiro Gerson Carneiro prontamente respondeu: "O povo".
E era verdade. Um churrasco autogestionário, autônomo, sem qualquer presença de políticos profissionais e/ou oportunistas ou mesmo bandeiras políticas. Um evento extremamente politizado, mas ao mesmo tempo livre de políticos. Um verdadeiro exemplo de que ainda resta esperança para São Paulo, de que o povo ainda pode e sabe se organizar, protestar e fazer uma bela festa de forma completamente autônoma e livre.
Apesar da ausência de políticos, FHC, Serra, Alckmin e Kassab foram lembrados com carinho.
Aceso o fogo, começamos a caminhada pela Av. Angélica até o cruzamento com a Rua Sergipe (local onde deveria ficar o metrô), com a churrasqueira sendo carregada por bravos diferenciados que, claro, cantavam todo o tempo músicas jamais ouvidas anteriormente no bairro pela elite racista local.
Uma curta caminhada na qual muitos moradores viravam a cara ou faziam caretas enquanto quem estava nos ônibus e nos pontos aplaudia, cantava e fotografava. Uma demonstração ímpar da luta de classes que tomou conta do bairro.
Já no cruzamento da Sergipe com Angélica, bem perto da casa de FHC (que foi homenageado diversas vezes pelo público presente, sempre pronto a mandá-lo pra algum lugar exótico ou querendo ajudá-lo ao pedir um metrô em seu quintal para facilitar sua locomoção), uma imensa concentração.
Chegaram logo mais 3 churrasqueiras, mais carne e muita cerveja e outras bebidas diferenciadas, enquanto o público cantava muito samba e pagode, para horror da elite pura da região.
O churrasco alimentou os presentes e vários mendigos e trabalhadores que passavam pela região. Logo arranjou-se um espaço para o truco no meio da rua e o samba rolava solto, cantado pelos milhares de diferenciados que lotaram o cruzamento. O churrasco, aliás, era abanado com capas de LP's do Ultraje e Beto Barbosa.
Senti falta do fiscal do ECAD pra nos cobrar por cantar Bandeira Branca, Trem das Onze e outras musicas livremente.
Não faltou o chuchu assado!
Logo, no pico de criatividade, subiram 3 varais de roupa, com calças, cuecas e mesmo lençóis que, no fim do protesto, foram doados aos sem-teto que circundavam o protesto.
Em um determinado momento, o Lino, da Falha de São Paulo foi conversar com um gari que simplesmente não entendia como e porque a elite local se recusava a aceitar o metrô. Ele não se beneficiaria diretamente pelo metrô, pois onde mora não tem esta facilidade, mas se limitava a dizer que o metrô era bom, como alguém podia ser contra?
Pois é, é incompreensível. Apenas para a elite racista faz algum sentido. Querem manter os pobres distantes, querem, como dizia um cartas deveras ácido, que suas empregadas andem a pé. Pobre tem mais é que se explodir.
O interessante é que esta elite até poderia se opor ao metrô com algum argumento válido. Poderiam dizer que o centro é uma região carente de bons mercados, e que retirar o Pão de Açucar da região (este seria demolido para a criação da estação) seria um prejuízo para todos, completando ainda com a preocupação pelo emprego dos que lá trabalham.
Mas não, a elite não consegue pensar nos outros, mas apenas em si. Não querem pobres, não querem "gente diferenciada" em sua região, em seu feudo.
Ponto negativo foi a cobertura da mídia, que diminuiu de forma vergonhosa a quantidade de presentes e mesmo a importância do evento, dizendo que poucos dos 50 mil que haviam confirmado presença no Facebook haviam comparecido. Bem, para esta mídia poderíamos apenas responder: Compare com o #ForaSarney, que atraiu não só a atenção de milhares de internautas facilmente manipuláveis e ainda com o massivo apoio da mídia golpista e mesmo assim não reuniu nem 50 pessoas em qualquer parte do Brasil.
Ao contrário de outros eventos que contaram com amplo apoio da mídia, em sua maioria preconceituosos ou golpistas, o churrascão da gente diferenciada foi um sucesso. Reuniu uma imensa quantidade de pessoas e prezou pela diversidade, com brancos e negros lado a lado, com héteros, gays e travestis cantando juntos, abraçados slogans contra a homofobia, contra Bolsonaro e pregando total respeito por todos.
Negativa ainda foi a recepção do protesto por muitos moradores do bairro, que viravam a cara ou ensaiavam protestos, mas eram intimidados pelo tamanho da oposição ali presente. Mas, felizmente, muitos moradores nos apoiaram e até participaram do protesto, mostrando que nem todos são os criminosos racistas que pensávamos antes.
A elite brasileira, racista, preconceituosa, não cansa de se mostrar, mas agora também é confrontada.
A festa foi bonita, foi plural, foi imensa, um sucesso. Não importa o que diga a mídia, o governo terá que nos ouvir.
Na sequência, alguns vídeos do protesto. Mais fotos podem ser encontradas no Flickr.