quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Meia-Entrada e a FIFA: Quando a soberania e os direitos não valem nada

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A bola da vez entre ativistas e mídia é a discussão sobre a meia-entrada, que virou bode-expiatório na disputa entre governo e FIFA, ou melhor, na disputa entre nossas leis, direitos e soberania e a FIFA, que não se importa com nada disso.

Agnelo Queiroz, governador do DF foi o primeiro a ceder às pressões da FIFA. Se bem que, na verdade, cedeu de boa vontade, com sorriso no rosto, afinal, não é ele que terá direitos garantidos por lei negados.

O Ministro do Esportes ensaia aceitar, também sorrindo, diversas das imposições da FIFA e Dilma aparenta tentar resistir, mas até que ponto é jogo de cena, não posso garantir. Durona ela é, pena que tenha mostrado mais este lado contra funcionários públicos em greve.

A Folha publicou, no dia 10, uma carta minha em sua seção de leitores que, acredito, resume um pouco a ópera:
Aparentemente muitos leitores da Folha ainda não compreenderam que, gostando ou não da meia-entrada, a questão vai além. O problema principal é a soberania brasileira. Quer dizer que abrir mão de leis para agradar a uma empresa estrangeira não é problema? Não se trata de gostar ou não da lei, e sim de aceitar que uma empresa possa nos fazer abrir mão de nossa legislação para maximizar lucros.
RAPHAEL TSAVKKO GARCIA (São Paulo, SP)
E é exatamente este o ponto. Pouco importa o que A ou B acha da meia-entrada e sim o que significa sua suspensão baseada nas vontades de uma empresa estrangeira sem qualquer legitimidade para mandar o Brasil fazer nada.

Diferentemente do que dizem alguns "Comunistas Ruralistas", a comparação da situação com as recentes condenações do Brasil na Corte e Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sobre Lei da Anistia e Belo Monte respectivamente) é tosca e não resiste a uma análise mais aprofundada de um aluno de primeiro ano de Relações Internacionais.

O Brasil assinou e ratificou o Tratado de San José, que deu origem às duas CIDH's. O país é membro ativo da OEA e de ambas organizações de Direitos Humanos (inclusive com representante indicado na Comissão, o Paulo Sérgio Pinheiro), logo, não tem qualquer cabimento falar que respeitar uma decisão de organização cujos pactos foram assinados e ratificados pelo Brasil seriam uma quebra da soberania nacional, uma invasão estrangeira ou um atentado contra o país.

Já a FIFA é uma entidade privada, controlada por empresários. Isto, por si só, deveria ser explicação suficiente. Envolta em escândalos de corrupção, lavagem de dinheiro e o que mais puder ser lembrado, a FIFA representa apenas os interesses de meia dúzia de cartolas sem qualquer tipo de ligação sequer com a ampla maioria dos torcedores.

Não é preciso ser gênio para entender as diferenças. Mas é preciso ser Aldo Rebelo para passar por cima disso.

Mas, enfim, a questão da meia-entrada virou assunto do momento na intenção de desviar o foco da vulneração de direitos garantidos por lei aos brasileiros. E a coisa vai até além. Já que setores políticos não vêem problema na suspensão temporária de leis estaduais (a meia-entrada não é garantida por lei federal, mas por leis locais), foi votado o Estatuto da Juventude que, pese algumas críticas, garante a federalização do direito.

Sendo federal, a FIFA terá mais dificuldade em forçar mudanças. E o governo em justificar caso ceda. Daí nasce a imensa pressão midiática para pegar um detalhe - a meia-entrada - e demonizá-la, como forma de diminuir as pressões sobre a FIFA e facilitar que os "amigos empresários" garantam também seus lucros por aqui.

Parece estranho misturar o Estatuto da juventude, que foi bravamente defendido pela Manuela d'Ávila e pelo Jean Wyllys com a FIFA, mas são duas questões que se tocam, pois a criação de uma legislação federal coloca em risco os interesses da FIFA e já aparece aqui e ali "insatisfeitos" com um direito garantido e apenas "federalizado" dos estudantes, comentando como é absurdo garantir eia para vagabundos e etc.

A própria Manuela, aliás, também notou como os assuntos relacionados à meia-entrada - FIFA e Estatuto - se relacionam.

Sobre a meia-entrada em si, devo dizer que sou favorável à sua existência, mas como defensor do Estado forte que sou, vou além, defendo total gratuidade de transporte público para jovens e trabalhadores e gratuidade para todo espetáculo financiado com dinheiro público, via incentivos ou não.

Enquanto isto, acredito que o governo devesse fiscalizar e proibir lucros abusivos e absurdos e controlar os preços de ingressos par shows, por exemplo, evitando que, para se recuperar do pseudo-prejuízo da meia-entrada, os canalhas empresários lucrem colocando os preços da "inteira" nas alturas.

Não apenas os lucros dos bancos devem ser limitados, mas também de aproveitadores travestidos de empresários do entretenimento.

Devemos pensar na meia-entrada como direito, mas, dentro disto, criar maneiras de garantir que nenhum lado seja prejudicado. Um evento foi totalmente financiado com dinheiro estatal? Qual o sentido, então de cobrar, para pagarmos duas vezes? Um vento teve financiamento parcial do Estado? Então pensemos em meia-entrada. Não há financiamento estatal, meia-entrada e talvez contrapartida governamental e por aí vai.

Acabei meio sem querer dando a idéia à Manuela de uma consulta pública sobre formas de reglamentar a questão da meia-entrada, garantindo ao máximo os direitos dos estudantes, dos artistas e etc. Vamos ver o que sai daí!

Não sou contra pensar em pensar formas de melhorar o sistema e garantir que todos os lados se beneficiem, mas JAMAIS aceitarei que se eliminem direitos garantidos por nós, estudantes.

Mas, entrementes, como sabemos que de um lado o governo (qualquer governo neste ponto) é frouxo demais para se mexer, e os preços continuarão abusivos, defendo a meia-entrada, pois sua extinção não garantirá que os preços caiam. Acreditar que os preços podem cair neste país é como acreditar no bicho-papão (se bem que o Aldo deve achar que tem um debaixo da sua cama, com camisa do Greenpeace e boné da USAID).

Enfim, resumindo, esse papo de meia-entrada é forma de mascarar o real problema de vulneração de direitos dos brasileiros e brasileiras e desculpa para a FIFA se aproveitar e lucrar como nunca.
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O Idec lançou uma campanha contra as imposições da FIFA. Assinem a petição e curtam a página no Facebook!
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