quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Quanto vale um Palestino?

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A mídia tradicional tem se concentrado quase que exclusivamente nas consequências diretas para Israel da soltura do soldado Gilad Shalit, mantido em cativeiro pelo Hamas há 6 anos, mas pouco se tem comentado sobre o significado em si do acordo acertado entre Benjamin Neatanyahu (Primeiro-Ministro de Israel) e Ismail Hanya (espécie de Primeiro-Ministro de Gaza, controlado pelo Hamas).

Gilad Shalit, usado ha anos como moeda de troca, conseguiu "voltar para casa" em um acordo que previu a soltura de 1.027 presos políticos palestinos. Uma vida por mais de mil palestinas, o que de um lado demonstra o comprometimento de Israel em garantir a vida de todo e qualquer um de seus cidadãos (uma ótima propaganda para Israel frente à uma opinião pública cada vez mais arredia e descontente) e, de outro, demonstra com crueldade ímpar o quanto Israel respeita e tem como relevante uma vida palestina, ou mil vidas.

O momento para a troca não poderia ser mais propício para os propósitos israelenses. Se isto, porém, terá algum efeito junto à comunidade internacional permanece uma icógnita. A intenção de Neatanyahu, que criou desafetos na mesma proporção em que atraiu apoios à sua decisão, é a de tentar dar um tempo na discussão sobre os assentamentos ilegais patrocinados pelo Estado Israelense tanto em Jerusalém Oriental quanto nos territórios ocupados da Cisjordânia (controlados pela Fatah) e focar em sua suposta benevolência e capacidade de negociação e, assim, tentar frear ou ao menos dificultar uma censura internacional e o reconhecimento do Estado Palestino na ONU.

Quanto ao reconhecimento na ONU, principal "problema" que Neatanyahu quer evitar, sua tentativa, com a negociação, é a de enfraquecer a Fatah - principal impulsionadora da proposta de reconhecimento - através do fortalecimento do Hamas, ainda que apenas um fortalecimento aparente, pois o bloqueio contra Gaza e os ataques contra o território não devem ser suspensos tão cedo, apesar do Hamas afirmar que a suspensão do bloqueio seja parte do acordo.

O Hamas, por seu lado, buscou mais do que demonstrar força e declarar-se vitorioso. Dentro os 1.027 presos libertados, muitos eram da Fatah e de outros grupos que o Hamas não tem como amigos ou aliados, ou seja, o grupo realizou uma verdadeira campanha de auto-promoção ao demonstrar que é capaz de pensar no coletivo palestino, mais do que apenas em seus próprios interesses.

A suposta falta de egoísmo do Hamas coloca um problema nas mãos da Fatah, pois demonstra que seu grupo antagônico tem a capacidade não apenas de dialogar, mas também de realizar concessões políticas significativas.

Israel tenta, desta forma, mostrar que está disposta e aberta ao diálogo, e que uma decisão unilateral palestina (o reconhecimento) e o aceite por parte da comunidade internacional poderiam colocar em perigo iniciativas semelhantes.

O acordo, para uns, foi visto como duro. Israel teria cedido demais, ou melhor, teria cedido presos demais. Mas a verdade é que nada garnate que estes e outros não sejam novamente presos em poucas semanas ou meses. Comum na vida de todo palestino são os meses e até anos que passa em cadeias israelenses, normalmente sem qualquer acusação formal e muito menos julgamento.

É difícil prever quais serão as consequências imediatas para Israel e para a Palestina, hoje dividida. A certeza, porém, é a do fortalecimento do Hamas, mas é incerto o quanto isto poderá servir para influenciar as posições da Fatah, em especial sua proposta de reconhecimento do Estado Palestino. Israel, por sua vez, demonstra que, quando pressionada, pode acabar negociando mesmo com seus piores inimigos. O que isto representa só o tempo dirá.

Publicado originalmente na Brasil de Fato
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