quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

PCC versus o Estado: Uma guerra de soma zero

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Perto de 200 pessoas, entre uma ampla maioria de civis, foram mortas em menos de um mês de violência extrema na periferia de São Paulo e na região metropolitana - em uma onda de violência que começa a se espalhar pelo interior.

No ano, foram 90 os policiais mortos em serviço ou durante folga.

Como pano de fundo a queda de braço, mais uma vez, entre PCC e governo do estado, onde as vítimas costumam ser preferencialmente os que nada tem a ver com a superlotação nas prisões, o tráfico de drogas ou as relações perigosas de elementos do governo e a facção.

Esta onda de violência lembra a que tivemos em maio de 2006, que resultou na morte de 41 policiais que "responderam" assassinando 564 pessoas, praticamente todas negras e pobres. A PM admitiu ter matado "apenas" 108 em 10 dias. A maioria dos chamados Crimes de Maio não foram, até hoje, solucionados e nenhum dos responsáveis foi preso. Por sua vez, os familiares das vítimas, em especial as Mães de Maio, lutam por justiça desde então e tem motivos de sobra para temer os recentes ataques.

São mais de 700 pessoas assassinadas em dois surtos de violência, uma guerra que envolve policiais corruptos, um grupo criminoso com grande força local e uma infinidade de civis pegos no fogo cruzado. Sobre o PCC, sua origem e os crimes de maio de 2006, Débora Silva, fundadora das Mães de Maio, disse em entrevista ao Correio da Cidadania:

"De forma orquestrada, ele [Alckmin] e o secretário de segurança disseram que o PCC não existia. Como não existia, se foi o poder público que o criou, à base de sua corrupção? Porque o PCC foi criado de dentro dos presídios pra fora, não de fora pra dentro. Se fosse de fora, não iríamos atribuir os crimes de maio à corrupção de Estado. E foi através dessa corrupção que os crimes de maio surgiram, graças a um monstro que o Estado criou e que contra ele se rebelou um dia."

A mídia, por sua vez, adota o discurso oficial de negar a existência ou a força do PCC, ao mesmo tempo em que não debate a situação carcerária do país, a falida guerra contra as drogas que causa apenas vítimas e pinta um quadro de pobres policiais sendo mortos e "reagindo" à violência. Não se descarta, e isto é discutido mesmo nos meios policiais, que as vitimas policiais não sejam exatamente inocentes, mas queima de arquivo e lião para outros ficarem calados sobre suas relações com o grupo criminoso. Do outro lado, civis são massacrados por bandidos e PM's de forma indiscriminada.

As causas para os recentes casos de violência são vários, mas é impossível deixar de esbarrar em alguns pontos fundamentais, como a própria origem da Polícia Militar e da Rota, instrumentos de repressão criados e usados para "domesticar" as classes pobres, instrumentos de tortura estatal usada de forma indiscriminada contra negros, pobres e pessoas que foram abandonadas pela sociedade. Esta força policial vem sendo usada constantemente na repressão às drogas, na política burra de proibir ao invés de incentivar o consumo consciente e legal.

O PCC nasce como uma resposta a isto e também contra um sistema carcerário que ao invés de recuperar, aprofunda a barreira social e as feridas abertas na sociedade. Neste caldo indigesto ainda convivem policiais corruptos, muitos deles vivendo nas favelas e nas áreas mais pobres, exercendo esta "dupla função" de serem repressores daqueles que, no fim, são parte de sua própria classe.

Não é fácil saber ou identificar o real inimigo. Na dúvida, o estado comanda ações repressivas que vitimam exclusivamente os mais pobres ao passo que os que se sentem excluídos revidam de forma violenta - e não é possível esquecer, também, da ação de grupos de extermínio composta por policiais que ajudam a azedar ainda mais a situação. No meio, fica a população, perdida, com medo e acuada. Uma parcela fazendo coro ao estado e exigindo mais repressão e a imensa maioria, presa no fogo cruzado.

Em uma situação de exclusão e de ausência do Estado - não enquanto repressor, mas enquanto promotor de políticas sociais -, o caminho fica livre para o surgimento de facções que se beneficiam dessa ausência e do rancor causado, e também o surgimento de milícias, algo que vem sendo importado do Rio de Janeiro e que ajuda também a entender a atual escalada de violência no estado de São Paulo.

A solução para o atual conflito não é simples, pois passa pela própria estrutura do Estado e de suas forças repressivas, por suas políticas no trato das drogas e na exclusão social de outras tantas políticas higienistas. É a forma pela qual o Estado lida não apenas com seus problemas, mas quando lida com sua população como se esta fosse o problema.

A exclúi, criminaliza, trata como bandido baseado em sua cor de pele e classe. Acedita ser justo e simples remover populações inteiras a fim de contentar os patrocinadores do Estado - empreiteiras e afins - através de incêndios criminosos em favelas e da expulsão pelo medo e pela força de áreas degradadas para outras piores.

Uma solução ao menos inicial para os problemas enfrentados não só por São Paulo, ams pelo Rio e utros estados passaria pela federalização dos crimes contra os direitos humanos, milícias e crimes cometidos por facções criminosas - e especialmente dos crimes cometidos pela polícia contra a população -, mas o que se vê é a total ausência de interesse por parte do governo federal de se incluir no processo.

Publicado originalmente na edição impressa do Jornalismo B nº 49 da 2ª quinzena de novembro.
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