NOTA PÚBLICA DE ESCLARECIMENTO
AO SENADOR PAULO PAIM E À POPULAÇÃO BRASILEIRA
A
Lei nº 7.716/89 (conhecida como lei antirracismo), originalmente punia
APENAS manifestações de preconceito decorrentes de “RAÇA OU COR”.
Posteriormente foi aprovada a Lei nº 9.459/97, que acrescentou (nos
artigos 1º e 20º) “ETNIA, RELIGIÃO E PROCEDÊNCIA NACIONAL”. São
conquistas importantes decorrentes da luta de cidadãos por visibilidade e
respeito. Entretanto, há outros grupos vulneráveis que precisam de
proteção legal. Como aceitar que se criminalize a discriminação por
religião, mas não o preconceito contra a pessoa com deficiência, por
exemplo? Logo, como aceitar a não-criminalização de outras formas de
discriminação que notoriamente assolam a sociedade?
A
Constituição da República, desde 1988 – portanto há vinte e quatro anos
e exatos cinco meses – estabelece entre os OBJETIVOS FUNDAMENTAIS da
República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a
redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do
bem de todos, sem preconceitos e discriminações de quaisquer espécies
(artigo 4º, incisos I a IV). Esta mesma Constituição também destaca que
todos são iguais perante a lei, não admitidas distinções de quaisquer
natureza, garantindo-se a todos a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade e à segurança (dentre muitos outros), bem como
determina a obrigatoriedade da criminalização do racismo e de quaisquer
discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (artigo
5º, 'caput' e incisos XLI e XLII).
Em
razão disso, a Senadora Fátima Cleide (PT-RO), após ampla discussão,
inclusive com os setores mais conservadores, elaborou uma emenda,
aprovada pela Comissão de Assuntos Sociais (Emenda nº 01 - CAS),
incluindo as demais modalidades de discriminação NA LEI EM VIGOR (Lei nº
7.716/89, c/redação dada pela Lei nº 9.459/97). Essa emenda, em
síntese, se limitou a incluir, entre as discriminações criminalizadas
por esta lei, aquelas praticadas em razão da orientação sexual, da
identidade de gênero, do gênero, do sexo, da condição de pessoa idosa e
da condição de pessoa com deficiência, fazendo-o também relativamente ao
crime de injúria qualificada constante do artigo 140, §3º, do Código
Penal. Em suma, o que o Substitutivo de Fátima Cleide fez foi
simplesmente garantir uma igual proteção pena a vítimas de tais
discriminações às vítimas de discriminações por cor, etnia, procedência
nacional e religião, garantindo àquelas a mesma punição que se atribui a
estas.
Parece,
portanto, que o Senador Paulo Paim não entendeu qual é o texto que toda
a população LGBT e demais pessoas comprometidas com a luta contra toda e
qualquer forma de discriminação têm se empenhado para que seja
aprovado. O que Paim deveria fazer, portanto, era tentar convencer seus
pares de que o PLC 122/06 não viola a liberdade de expressão por visar
apenas garantir que as discriminações por orientação sexual, por
identidade de gênero, por condição de pessoa idosa e com deficiência
sejam punidas da mesma forma que as discriminações por cor, etnia,
procedência nacional e religião. Deveria se esforçar para fazê-los ver
que liberdade de expressão não é liberdade de opressão, como disse
paradigmática faixa da última Marcha Nacional contra a Homofobia (2012).
Deveria tentar convencê-los, portanto, que somente discursos de ódio,
ofensas individuais e coletivas, discriminações e
incitações/induzimentos ao preconceito e à discriminação são objeto de
repressão pelo PLC 122/06. Um critério didático é o seguinte: "se não
pode contra negros/religiosos, também não pode contra pessoas LGBT"...
Jamais deveria simplesmente se conformar com a oposição arbitrária ao
projeto...
Não é admissível se pretender criar hierarquias entre as formas de discriminação. Nem admissível nem constitucional.
O
que se pretende é só e somente uma LEI ANTIDISCRIMINAÇÃO. Tudo o mais
são falácias e esforços no sentido de construir animosidades e
mal-entendidos: criar uma lei específica para a homofobia distinta e de
forma mais branda do que a punição constante da Lei de Racismo gerará
tal hierarquização de opressões e, com isso, não se pode concordar de
forma alguma.
Sabe-se
que a explicitação dos vetos ao racismo e à intolerância religiosa
decorreram de lutas pela visibilidade e erradicação de tais práticas
discriminatórias, que requereram historicamente o veto explícito na
forma das mencionadas leis, dada a insuficiência do veto universal à
discriminação, presente desde a Constituição Federal de 1988, para o
enfrentamento de tais prejuízos aos referidos grupos específicos.
Portanto, nada mais justo que incluir - na mesma perspectiva do
reconhecimento de que grupos são vulneráveis a terem seu direito à não
discriminação violado – o veto explícito à discriminação associada à
condição idosa, à pessoa com deficiência, à orientação sexual e à
identidade de gênero na nossa Lei de Racismo, que é, como diz o jurista
Roger Raupp Rios, a nossa Lei Geral Antidiscriminatória que já pune as
opressões relacionadas à cor, à etnia, à procedência nacional e à
religião. Dado que não cabe do ponto de vista constitucional
hierarquizar discriminações, visto que todas são inconstitucionais,
pretende-se, portanto, igualdade no tratamento legal a diferentes grupos
vitimados pela discriminação, fazendo justiça à igualdade do direito à
não discriminação. Cabe, portanto, inclusão explícita do veto aos grupos
referidos posto que os mesmos têm sido objeto de intensa discriminação
na sociedade brasileira.
Ocorre
que, com argumentos semelhantes aos que lutaram contra avanços como a
Lei do Divórcio, por exemplo, setores conservadores visam impedir a
promulgação da lei. Seu principal argumento é que esta feriria a
liberdade de expressão – já consagrada na Constituição Federal – quando,
de fato, desejam manter a liberdade de oprimir pessoas que discordam de
seus preceitos morais. Nesse contexto, o Sr. Relator pretende procurar,
como já foi feito anteriormente, uma "solução de consenso". Nessa
matéria, entretanto, a expressão "de consenso" tenta demonstrar uma
suposta disposição dos antagonistas ao PLC 122/2006 mas, na verdade,
condena as LGBT a uma cidadania de segunda classe, como querem esses
mesmos antagonistas, que nunca demonstraram disposição nenhuma com o
projeto (só quiseram destruí-lo, nunca melhora-lo). É curioso como se
insiste em chamar tais antagonistas ao debate, afinal, como escreveu o
criminalista Túlio Vianna em antológico artigo: “O Congresso Nacional
brasileiro não costuma convidar traficante de drogas para audiências
públicas destinadas a debater se o tráfico de drogas deve ou não ser
crime. Também não convida homicidas, ladrões ou estupradores para
dialogarem sobre a necessidade da existência de leis que punam seus
crimes. Já os homofóbicos têm cadeiras cativas em todo e qualquer debate
no Congresso que vise a criar uma lei para punir suas discriminações.
Estão sempre lá, por toda a parte; e é justamente por isso que a lei
ainda não foi aprovada [...] O Direito Penal tem, neste momento
histórico, um importante papel como instrumento de promoção de direitos.
A Lei 7.716/89 tem sido, desde sua entrada em vigor, uma poderosa
ferramenta no combate à discriminação racial. Que sirva também para
combater a homofobia [do mesmo jeito que serve para combater o
preconceito religioso]. Assim como hoje é considerado criminoso quem
discrimina o negro [bem como o evangélico e o judeu], amanhã também deve
ser quem discrimina a(o) homossexual, a(o) travesti, a mulher, a(o)
idosa(o) e a(o) deficiente físico.
Em
razão disso, nós, cidadãs e cidadãos comprometidos com a erradicação de
todas as formas de discriminação neste país, não aceitaremos nada menos
do que a LEI ANTIDISCRIMINAÇÃO, conforme elaborada pela Senadora Fátima
Cleide, em 2009.
Esta
mesma posição já havia sido objeto de consenso em 28 de Julho de 2011,
na sede da APEOESP na capital paulista, após um intenso, rico e
democrático debate, realizado em Plenária do Movimento LGBT de São Paulo
em que estiveram presentes as seguintes organizações: ILGA; ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS –
ABGLT; ARTICULAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS – ARTGAY; FRENTE PAULISTA CONTRA A
HOMOFOBIA; FÓRUM PAULISTA LGBT; CONEXÃO PAULISTA LGBT; APEOESP;
ASSESSORIA DA SENADORA MARTA SUPLICY – PT; ASSOCIAÇÃO DA PARADA DO
ORGULHO GLBT DE SP; ABCDS; ATO ANTI-HOMOFOBIA; CENTRO DE MÍDIA
INDEPENDENTE; CIRANDA DA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE; COLETIVO DE FEMINISTAS
LÉSBICAS; COLETIVO LGBT 28 DE JUNHOCOLETIVO LGBT DA CUT/SP;
COORDENADORIA DE ATENÇÃO ÀS POLÍTICAS DA DIVERSIDADE SEXUAL DO MUNICÍPIO
DE SP - CADS; COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS PARA A DIVERSIDADE SEXUAL DO
ESTADO DE SÃO PAULO; DIRETÓRIO CENTRAL DE ESTUDANTES DA USP; FRENTE
ANTI-FASCISTA; HOMOFOBIA JÁ ERA; GADVS – GRUPO DE ADVOGADOS PELA
DIVERSIDADE SEXUAL; GRUPO DE ESTUDOS PELA DIVERSIDADE SEXUAL DA USP;
GRUPO DE PAIS DE HOMOSSEXUAIS; GRUPO ROSA VERMELHA; IDENTIDADE – GRUPO
DE LUTA PELA DIVERSIDADE SEXUAL; IGREJA DA COMUNIDADE METROPOLITANA;
INSTITUTO EDSON NÉRIS; MARCHA DA MACONHA; MARCHA MUNDIAL DE MULHERES;
NÃO HOMOFOBIA; ONG CASVI; ONG REVIDA; SETORIAL LGBT CSP-CONLUTAS;
SINDICATO DOS TREINADORES DO BRASIL; DIVERSIDADE TUCANA - PSDB;
MILITANTES LGBT DO PSOL; MILITANTES LGBT DO PT; SECRETATIA LGBT DO PSTU.
Brasil, 05 de março de 2013.
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti –
Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino.
Advogado militante em Direito da Diversidade Sexual e Direito
Homoafetivo. Membro do GADvS - Grupo de Advogados pela Diversidade
Sexual.
Rita de Cássia Colaço Rodrigues
– Doutora em História Social e Mestre em Política Social pela UFF;
Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela UFRJ; ativista social
autônoma em direitos humanos; responsável pelos blogs Comer de Matula e
Memória / História MHB / LGBT; colunista do portal Brasília em Pauta;
delegada Sindical; integrante do Comitê Carioca da Comissão Especial da
Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro – CEDs-Rio.
Thiago G. Viana –
Advogado, Presidente do Conselho Jurídico da Liga Humanista Secular do
Brasil - LiHS, Pós-graduando em Ciências Penais pela Universidade
Anhanguera-Uniderp/LFG, Presidente da Comissão de Direitos da
Diversidade Sexual, Membro da Comissão de Estudos Constitucionais,
Institucionais e Acompanhamento Legislativo e da Comissão de Jovens
Advogados, todas da OAB/MA.
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia
– Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela UFMG; Professor
Adjunto na Universidade Federal de Ouro Preto e na Faculdade de Direito
do Sul de Minas; Advogado.
Tatiana Lionço – Ativista da Cia. Revolucionária Triângulo Rosa, Doutora em Psicologia pela UnB.
Anahí Guedes de Mello – Cientista Social e ativista dos movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência e LGBT.
Ubirajara Caputo – Ativista independente.
Davi Godoy – Museólogo pela UPM, Militante Independente e responsável pelo Blog ATOS420.
João Bôsco Hora Góis – Professor da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do CNPq. Pós-Doutorado em Sociologia.
Marcelo Gerald – Militante independente, representante dos sites Eleições Hoje e PLC122.
Jandira Queiroz –
Ativista lésbica feminista, pesquisadora social, assessora da Relatoria
para o Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca
Brasil.
Raphael Tsavkko Garcia – Mestre em comunicaçao, bacharel em Relaçoes internacionais, Jornalista e autor/tradutor do Global Voices Online.
Aline Freitas – Ativista independente.
Ivone Pita
– Ativista Independente de Direitos Humanos; Colunista do portal Gay 1,
Colunista do portal Todos Iguais; Fundadora do grupo Todos contra a
homofobia, a lesbofobia e a transfobia; e das páginas Cartazes e
Tirinhas LGBT, Livro aberto - Histórias e sexualidades, Um livro de
família - amor e diversidade; Especialista em literatura brasileira;
Especialista em educação; Educadora social.
Daniela Andrade
– Ativista Independente de Direitos Humanos; Colunista so site
Transexualidade.com.br; Fundadora e Administradora da página
Transexualismo da Depressão; Membro da ANTRA – Articulação Nacional de
Travestis e Transexuais; Membro do FPTT – Fórum Paulista de Travestis e
Transexuais; Membro da ABRAT – Associação Brasileira de Transgêneros.
Janete Peixoto – Gerente do CTA Itaim Paulista.
Comissão Suprapartidária LGBT– Coletivo Militante.
Cássia Barbosa Reis – Professora-doutora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Enfermeira (Coren/MS 50.816).
Prof. Dr. Emerson Inácio –
Área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa -
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas – FFLCH - Universidade de São Paulo USP.
Marcio Caetano
– Professor-Doutor da Universidade Federal do Rio Grande – UFRG;
Pesquisador do CNPq; Integrante da Direção da Associação Brasileira de
Estudos da Homocultura, ABEH.
Isaque Criscuolo – Jornalista, ativista e blogueiro. Representa o blog O Quarto.
Luth Laporta,
orgulhosamente gay, estudante de Serviço Social, constrói a Assembléia
Nacional de Estudantes – Livre (ANEL) e é militante da Cia.
Revolucionária Triângulo Rosa.
Bruno Martins Soares – Mestrando em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Paul Beppler
– Bacharel/B.A in International Relations (BYU/USA/1988), Software
Localizer/PM em Informática (WordPerfect Corp./Microsoft
Corp./RIOLINGO/Tradutor Freelancer); Ativista independente
(GAY/LGBT/Deutschbrasilianer), Membro Honorário do Grupo Gay da Bahia
(2013).
Fátima Tardelli,
militante feminista e pelos Direitos Humanos; Editora do Subjudice.net;
Membra da Liga Humanista Secular e Editora do Bule Voador.
Maria Auxiliadora G. P. Ferreira, integrante do Grupo “Mães pela Igualdade”; Assistente Social; Militante LGBT Independente.
Júlio Marinho, Militante LGBT; Autor do Blog Nossos Tons e Colaborador do Portal Gay1.
Hailey Kaas, Ativista Transfeminista.
Luis Arruda – Militante Independente. Advogado. Ex-colaborador do All Out. Um dos administradores do Grupo Ato Anti-Homofobia.
Leda Beck – Jornalista, escritora.
Majú Giorgi,
integrante do Grupo Mães pela Igualdade; Colunista no IGay e no Todos
Iguais; Moderadora no Grupo Todos Contra a Homofobia, a Lesbofobia e a
Transfobia.
Profa Dra. Ana Cristina Nascimento Givigi.
Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia. Coordenadora do Núcleo de Gênero,
Diversidade Sexual e Educação da UFRB. Coordenadora do Núcleo Capitu
Pesquisa e Estudos em Gênero e Sexualidade.Profa Dra. Ana Cristina Nascimento Givigi.
Leandro Colling, professor-doutor da Univesidade Federal da Bahia, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura.
Manoel Antonio Ballester Zanini, militante LGBT da ONG ABCDs e Coordenador-Geral da Parada de São Paulo, de 2008 a 2010.
Alexandre Bogas Fraga
- Ativista Gay, Conselheiro Fiscal ADEH Associação em Defesa de
Direitos Humanos, Secretario Adjunto Regional Sul da ABGLT,
Administrador, Pós-Graduado em Tecnologia da Informação.