sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Sem querer, Black Bloc ajuda direita antidemocrática?

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Li com atenção ao texto do cientista político Marcio Saraiva publicado pelo Vi o Mundo e, apesar de concordar com alguns argumentos, me sinto forçado a expressar minha discordância com a tese central e alguns pontos mais.

Saraiva alencou 6 pontos ou eixos centrais em seu raciocínio, e gostaria de inicialmente comentá-los (sempre em vermelho):

1. Até agora não apresentaram nenhum projeto de poder popular. Simplesmente adotam uma violência quase romântica – pois não são guerrilheiros organizados em torno de um programa revolucionário – com paus, pedras, coquetéis, fogos de artifícios e marretas.
Os Black Blocs não são um movimento ou um grupo organizado aos moldes tradicionais de coletivos e partidos, são uma ideia, um método. São indivíduos que podem ter algum tipo de organização primitiva (normalmente via redes sociais) que se juntam durante manifestações para servir como escudo para o movimento social.

Como já escrevi antes, são uma arma defensiva útil e necessária em tempos de imensa brutalidade policial. Não à toa, foram elogiados pelos professores do Rio em greve. 

A função dos Black Blocs não é a de fazer a revolução, mas a de proteger o movimento social.E usam para este fim as "armas" que podem.

Ao meu ver não é papel dos Black Blocs se preocupar em primeiro lugar com marketing pessoal, senão que agir em defesa daqueles que vão às ruas (também é válida a discussão sobre ações ofensivas e defensivas).

Tampouco é produtiva a briga de egos entre grupos que se vêem na vanguarda e se sentem acuados frente a perda de protagonismo para os Black Blocs. Um sentimento até mesmo burro, visto que partido/movimento social é diferente de Black Bloc e não disputam o(s) mesmo(s) espaço(s).

2. As imagens de destruição, lixos queimados e rostos escondidos que os Black Bloc apresentam mais assustam a população em geral do que ganham a adesão das massas.
Depende. Se dependermos da Globo para nos informar, sem dúvida a imagem é negativa, mas a imagem dos professores em greve ou de qualquer movimento social organizado é igualmente negativa pelo prisma da grande mídia, salvo em ocasiões específicas onde apoiar um movimento social ou uma pauta possa ser do interesse da mídia no ataque a inimigos selecionados em momentos bem específicos.

O que vemos são professores agradecendo aos Black Blocs por sua proteção. São milhares de pessoas que saem às ruas vendo que os Black Blocs funcionam como uma linha de defesa - ainda que fraca - frente à violência e brutalidade policiais.

No fim das contas, "assustar" ou mesmo não ser do agrado da "população em geral" não é definidor de moralidade, utilidade ou viabilidade, pois precisamos compreender por qual prisma essa "população em geral" tem acesso à informação.

Quem está nas ruas lutando sabe do papel dos Black Blocs. 

Além disso é preciso também te em mente o papel desinformador e mesmo criminosos de quem fica em casa gritando contra o "PIG", mas fazendo coro a ele durante manifestações, criminalizando professores, Black Blocs e movimentos sociais que se insurgem contra os governos a que estes fanáticos são simpáticos.
 
3. Os Black Bloc não somente atuam na defesa dos movimentos sociais – o que é positivo – mas acabam provocando os policiais, criando o clima propício para a ação repressiva. Como eles não tem número suficiente e nem organização para enfrentar os aparatos repressivos, o saldo final é de frustração e aparente vitória da polícia que, para o senso comum, começa a se transformar em “heróis da ordem”.
Uma discussão válida é o papel defensivo versus o ofensivo dos Black Blocs (já declarei neste blog posição contrária a ações ofensivas enquanto em manifestações, ainda que não descarte o uso da violência revolucionária em casos e momentos específicos), mas JAMAIS culpar a autodefesa popular pela ação policial. E digo ação e não reação por um simples motivo: Na ampla maioria das vezes a PM começa com provocações e violência, esta respondida pelos Black blocs.

A mera presença de pessoas nas ruas é uma provocação para a PM e para o Estado. 

Em junho a presença de Black Blocs era mínima, especialmente nas primeiras manifestações - que também foram as mais violentas, como em São Paulo -, mas a repressão vinha invariavelmente.

Esta tese quase marilenachauiana de "provocação Black Bloc" não procede. Na verdade é uma falácia tremenda. A PM bate, não importa a presença de resistência organizada. 

E, mais uma vez, não compartilho da visão do autor de "vitória dos heróis da ordem", visto que o repúdio pela violência policial é sempre uma constante, MESMO com as acusações midiáticas e governistas aos Black Blocs.

Mesmo junto à grande mídia, há crítica à ação policial, mesmo que esta divida espaço com a crítica à autodefesa popular.
 
4. A visão antipolítica dos Black Bloc pode favorecer um clima fascista que generaliza todos os políticos eleitos e todos os partidos políticos como “instrumentos do capital”. Com essa generalização simplista, cria-se um clima favorável para ideias do tipo “fim do Congresso Nacional” e regimes de força, bem ao contrário do anarquismo clássico que prega uma ideologia de fim do Estado e autogoverno popular.
Autodefesa popular não pode jamais ser vista como "antipolítica", assim como o repúdio por parte de alguns elementos que formam as linhas Black Blocs dos partidos tradicionais, não é antipolítica. O Anarquismo professado pela provável maioria dos que formam esta linha autodefensiva não é, jamais, antipolítico. 

O autor confunde o repúdio às instituições carcomidas do Estado e críticas localizadas à atuação partidária (em especial do PT, PMDB e PSDB, todos que se declaram falsamente de esquerda) com uma crítica generalizada à política. Nada poderia ser mais incorreto e distante da realidade.

É inegável, porém, que grupos se apropriem deste discurso e o transformem naquilo que teme o autor, num discurso esvaziado e de tons fascistas, mas estes grupos não estão nas ruas (estiveram em algum momento em junho, mas já voltaram para suas casas, para seus grupelhos de galinhas verdes e similares), não representam a maioria daqueles que saem para a luta.

Um grupo não pode ser responsabilizado pela apropriação que outro faz de suas teses, ideias e pensamentos (e ações), assim como o pensamento Black Bloc não pode ser responsabilizado pelo fascismo que uns buscam impor à ideologia.

5. Incentivar ações contra a polícia e focar nisso é não perceber que os aparatos repressivos são do Estado. O Estado é repressor, policiais são usados para isso. A despeito da mediocridade do argumento de que “estamos apenas cumprindo ordens”, ele encerra algo de verdadeiro. A PM não é o alvo, e sim o Estado, seus gestores.
Concordo com o autor da precariedade da ação Black Bloc e que não é a PM o alvo prioritário, mas não vejo como isto eliminaria a PM de ser um dos alvos. A PM é a linha de defesa do Estado contra seu próprio povo e é, então, alvo legítimo - e de certa forma um dos únicos palpáveis.

Ademais, em uma manifestação, os Black Blocs visam defender o povo do Estado, representado ali pela PM, que ataca e mata o povo.

Mas como escrevi antes, acredito na ampliação das ações, não apenas Black Bloc, mas organizadas contra o Estado e seus asseclas. 

6. Sem um projeto ético-político objetivo que dê um sentido mais amplo para suas ações, os Black Bloc acabam se resumindo em movimento jovem de indignação, revolta e ódio, sem nenhum processamento político possível. Afinal, queimar lixos não contribui para nenhuma revolução, em sentido marxista.
Cabe aos movimentos organizados, aos partidos e movimentos sociais compreender a tática Black Bloc e, ao invés de subirem em pedestais ideológicos e lamberem as feridas da vanguarda perdida, buscar abrir um canal de diálogo com aqueles mais afeitos a isto, criando táticas conjuntas e buscando aprimorar a autodefesa popular.

O que temos hoje são Black Blocs numa ponta, e partidos/movimentos em outra, empedernidos, incapazes do diálogo e da compreensão. Oras, temos uma infinidade de grupos e tendências de esquerda que sequer conseguem sentar numa mesa e dialogar, que o diga quando surge algo mais radicalizado e absolutamente fora de suas órbitas de controle (ou mesmo compreensão).

A SEPE, sindicato dos professores em greve no Rio, foi a única organização capaz de compreender até o momento o que são e como agem os Black Blocs. A SEPE abriu diálogo, homenageou e foi defendida pelos Black Blocs.

PSOL e PSTU preferem permanecer na posição de falsa-vanguarda, enquanto o PT, parte do Estado repressor e aliado de primeira grandeza dos políticos responsáveis pela repressão no Rio, permanece na pura e boçal criminalização (não só dos Black Blocs, mas de todo o movimento social e grevista).

Por mais que "queimar lixos" não contribua para nenhuma revolução, é um primeiro passo para a radicalização do movimento social. Mais produtivo buscar dialogar e entender que simplesmente criminalizar.
 
É nesse ponto que as ações violentas dos Black Bloc, mesmo sem o desejarem, acabam ajudando o governo Cabral e Eduardo Paes a se colocarem como os “arautos da ordem” e defensores do povo contra o “vandalismo dos mascarados”.
Pelos índices de popularidade de ambos e pela reação popular às suas medidas a tática não tem sido bem sucedida.
 
Não somente isso. A tática – sem estratégia – dos Black Bloc fornecem as imagens e os argumentos que as forças mais reacionárias da direita precisam para legitimar a repressão estúpida e brutal contra os movimentos de greve e protestos dos estudantes e das classes trabalhadoras.
Entramos em um looping, onde os Black Blocs surgem contra a violência estatal, mas são usados pelo Estado para legitimar a violência anterior e posterior. Como resolver?
 
A conta final disso tudo é que a grande mídia burguesa retira o foco na vitória dos profissionais da educação que mobilizaram 50 mil pessoas no Rio de Janeiro, em plena segunda-feira, com frio e chuva, para protestarem contra a reforma educacional privatista da dupla Paes/Costin.
Não apenas a "mídia burguesa", mas aqueles ligados ao partido que financiam esta mídia. Discurso afinado.
 
Tal reforma autoritária foi imposta, com a subserviência da Câmara de Vereadores, sem diálogo autêntico com o Sindicato (SEPE) e nem com a Comissão de Educação da Câmara presidida pelo vereador Reimont (PT) que abandonou a base governista.
Falta de diálogo anterior sequer à implantação dos Black Blocs no país. Nada mudou.

Ao contrário, a grande mídia burguesa valoriza as imagens de quebra-quebra, espalha o medo entre os cariocas e apelam, como na época da ditadura militar (1964-1985), para a “necessária ação contra o vandalismo” e o “terrorismo”.
Com apoio total da militância online petista.

Conclusão disso. Os profissionais da educação – que estão dando um exemplo de mobilização, resistência e luta contra seus opressores que desejam enterrar a educação pública, gratuita e de qualidade – acabam ficando ofuscados pelas ações violentas dos Black Bloc.
Há alguma verdade nisso, mas da mesma forma viria a violência policial contra os professores que AO MENOS encontram alguma proteção nos Black Blocs, como eles próprios reconheceram.

O grande erro do autor é colocar toda a culpa do diversionismo da mídia nos Black Blocs, acreditando que sem eles seria diferente. Não seria. Os professores apanhariam da mesma forma (e até mais), os jornais iriam culpar o movimento social da mesma forma pela violência que sofreram. Oras, a mídia está escolada em defender brutalidade policial quando manifestantes param o trânsito!

A mídia não discute os erros desse plano nefasto do prefeito Eduardo Paes, mas jogam luzes no “vandalismo”, escondendo da população as reais matrizes da atual crise.
A mídia jamais discutiu ou discutiria qualquer plano nefasto de Paes ou Cabral.
 
Por isso mesmo, a despeito das boas intenções dos jovens militantes do Black Bloc, eles ajudam a mídia burguesa e os aparatos repressivos a se legitimarem na opinião pública, dão fôlego para Cabral e Eduardo Paes, alimentam o medo no senso comum e desmobilizam diversos profissionais da educação que temem participar das próximas passeatas.
Houvesse uma unidade entre as esquerdas no sentido de dar um direcionamento à violência Black Bloc e a passar por cima da grande mídia, a coisa seria diferente. Por outro lado a informação da desmobilização de professores não procede, pelo contrário, a cada manifestação o movimento cresce. 

A violência policial é uma constante, os professores sabem, e os Black Blocs não a ampliam, mas tão somente a tornam mais midiática.

São essas as consequências não-intencionais da ação racional que a Ciência Política nos esclarece tão bem e que os Black Bloc precisam aprender, se é que desejam se tornar uma braço político eficaz do anarquismo e contribuir para o avanço das lutas populares e sindicais.
Caso contrário, os Black Bloc, mesmo sem querer isso, funcionarão como linha auxiliar da direita mais antidemocrática. Cabral, Paes, Costin, os aparatos repressivos e a grande mídia burguesa os adoram, pois legitimam seus interesses.

A única linha auxiliar da direita no Rio de Janeiro chama-se Partido dos Trabalhadores, cuja maioria de eleitos vota junto com Paes e Cabral e cuja direção está ligada carnalmente ao PMDB e, ainda, cuja militância em peso silencia ou mesmo APLAUDE ações violentas da PM contra a população.

Culpar os Black Blocs por responderem à violência que invariavelmente viria por parte do Estado é culpar a vítima pela agressão sofrida.

Sim, os Black Blocs precisam de direcionamento, precisam de maior organização, mas não podem, jamais, ser culpados pela violência do Estado.

O Estado é repressor e chegou a hora de alguém se levantar contra isto.
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