terça-feira, 27 de maio de 2014

A Europa caminha para a (extrema)direita, entenderemos os sinais no Brasil?

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"Não é nenhuma surpresa estarem usando o resultado das eleições europeias para defender o voto na Dilma como "menos pior". Perto das eleições, qualquer coisa que acontece no universo se torna argumento para nos unirmos contra o avanço da direita. Mas durante 4 anos isso nunca foi um problema, quando a direita avançou contra a legalização do aborto e das drogas, os direitos LGBT, os direitos indígenas, em alianças pra lá de "necessárias". Agora, o "avanço da direita" virou um grande problema mundial. Pelo visto, só as eleições importam e é só no período eleitoral que esses governistas sentem dor. No resto do tempo, não estão nem aí, quase em deboche. Então é aí que vocês têm que sentir mesmo. Não contem comigo pra essa campanha." Bruno Cava
Escrevi ha algum tempo:
"O fascismo está crescendo no Brasil, e a culpa não é só de Sheherazades e Bolsonaros da vida, ou de Felicianos e pastores neopentecostais. É culpa de um sistema educacional péssimo (não-emancipatório) e de um governo incapaz de se libertar da agenda conservadora dos aliados que escolheu. Incapaz não, simplesmente não tem interesse.

E quando eu falo "governo" não me refiro apenas ao PT, e sim aos sucessivos governos brasileiros, ainda que nunca vi um governo tão feliz em ser refém da agenda conservadora quanto o PT."
Mas iria além.

Não apenas o fascismo cresce no Brasil, mas pegando o gancho do Bruno Cava, cresce na Europa, com a extrema-direita conseguindo votações históricas nas eleições europeias da última semana POR CAUSA da ineficiência da esquerda em ser esquerda, em governar como esquerda e em propor alternativas ao capitalismo selvagem vigente.

Não falo sequer em fórmulas para destruir o capitalismo, não sou tão inocente, mas maneiras para se diferenciar a direita e respirar. Oras, a Islândia até onde eu sei não é um país socialista, por mais que adote muito deste modelo. É um país capitalista, mas soube peitar a "troika" e se recusou a fazer seu povo sofrer para beneficiar banqueiros e elites.

E é exatamente isso que a "esquerda" europeia não aprendeu a fazer. Ou simplesmente não quer. Oras, como vão viver os líderes desta esquerda uma vez "aposentados" da política se não tiverem garantidos cargos em grandes empresas?

PSOE espanhol, Labour inglês, PS francês, socialistas e trabalhistas alemães e italianos e por aí vai, no poder governam como a direita e mesmo para a direita.

Aqui no Estado Espanhol, onde vivo atualmente, o PSOE perdeu as eleições para o PP ha alguns anos e, na prática, não se vê diferença. Na oposição o PSOE não conseguiu apresentar nada que o diferencie do PP. Ambos defendem políticas de austeridade, que podem ser traduzidas como políticas de promoção do desemprego, do achatamento de salários e da garantia de lucros para o andar de cima às custas da fome do andar de baixo.

Outra questão muito relevante é a da imigração, razão forte para o crescimento da extrema-direita. A direita francesa dita moderada, com Sarkozy, iniciou o processo de expulsão de ciganos, os eternos culpados pelas mazelas da Europa, mas o PS de Hollande, atualmente no poder, simplesmente deu continuidade a uma política racista e higienista - para além de xenófoba - contra esta população. Ao invés de propor novas políticas de integração, se viu preso à austeridade e incapaz de mudar o disco.

A "esquerda" europeia é mais do mesmo. É a direita em pele avermelhada - ou rosada. É fato, porém, que em questões sociais pontuais, como direito ao aborto e direitos LGBTs a esquerda tradicional europeia ainda se mostra um pouco mais aberta e progressista, coisa que o PT, por exemplo, não pode reivindicar, mas é insuficiente - isto dizem as urnas.

Ainda sobre a questão da imigração é fato que a esquerda não consegue entender a origem do medo da classe trabalhadora do que enxergam como uma "invasão". E é esta classe trabalhadora, historicamente de esquerda, que garantiu a vitória, por exemplo, da racista Frente Nacional francesa. Gente que há poucos anos votava contente no Mitterrand e hoje vota em Marine Le Pen cujo pai e antigo líder de seu partido defende o Ebola como "solução final".

Oras, porque a população teme a "invasão" de imigrantes? Será que é só o medo imposto pela extrema-direita ou há algo aí ou, mesmo que não haja, como lidar? Apenas descartar com um aceno de mão ou um sorriso paternalista e pseudo-acadêmico, não adianta.

De fato, com a crise, temos visto desemprego e mesmo fome pela Europa. Há sim uma imensa quantidade de imigrantes chegando e muitos sem qualquer qualificação, fugindo de guerras e de situações ainda piores e que acabam nas ruas do continente, seja como indigentes, como pedintes, como ambulantes e alguns mesmo partindo para a criminalidade (ainda que este traço seja aumentado ao absurdo pela extrema-direita). Mas onde está o problema?

Será que o problema se dá apenas na ou depois da chegada destes imigrantes? O problema é a quantidade? É a não-aceitação, por exemplo, dos valores laicos por muitos muçulmanos - o "problema" francês?

Ou talvez o problema seja a NECESSIDADE destes imigrantes saírem de suas casas e de suas terras expulsos por guerras e fomes em  muitos casos PATROCINADAS pelos governos europeus de esquerda e/ou direita?

Trata-se o suposto problema cosmético, ou mesmo apenas se faz pouco caso da percepção do problema. Mas poucos tocam na real questão: Porque existe o sentimento de "invasão" e porque esta suposta invasão acontece?

Igualados, direita e esquerda, ambos são incapazes de enxergar o real problema. Ou simplesmente não querem fazê-lo.

Mas, voltando ao Brasil, nossos problemas são outros, mas ainda assim a questão central da direitização da esquerda permanece. Ao invés de buscar respostas, ou mesmo de aplicar aquilo que sempre defendeu - revisão da dívida, imposição de políticas sociais duradouras, valorização do emprego, ampliação da seguridade social, reforma agrária, respeito aos direitos humanos, etc - a "esquerda" representada pelo PT preferiu ir à extrema-direita buscar aliados. Katia Abreu, Feliciano, Malafaia, PSC, PR e cia não governam com o PT, mas impõem suas agendas ao PT que as impõe.

Como dito por Cava no trecho copiado logo na abertura do post, "Não é nenhuma surpresa estarem usando o resultado das eleições europeias para defender o voto na Dilma como "menos pior". Não apenas esta "esquerda", ou ainda ex-querda não conseguiu entender o que se passa na Europa, como repete os erros mais toscos daquela e ainda mais. Nem mesmo em áreas sociais e de direitos humanos consegue dar um passo adiante, pois adotou a agenda dos neopentecostais.

Não, o PT não é uma opção e podemos acabar trilhando o caminho europeu, com a esquerda mais direita do que nunca, com a extrema-esquerda dividida e falando apenas para si mesma (salvo exceções como na Grécia e um certo ressurgimento na Espanha) e com a extrema-direita ganhando força.

Oras, o que é Sheherazade com imenso ibope, Malafaia ganhando força, Bolsonaro pintando e bordando, Katia Abreu como eminência parda e mesmo o ridículo e residual PSC lançando candidato desconhecido a presidente e podendo abocanhar mais de 5% dos votos?

O processo de direitização ou mesmo fascistização do país está em curso e o PT é grande parte do problema, não a solução. A solução passa pelas ruas, pelos movimentos sociais organizados e horizontais, pela necessidade de reconstruir a esquerda a partir da base.


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