Em 1988 havia uma esquerda forte, atuante e ideológica para propor e também para barrar grandes absurdos propostos pela direita. Quem, hoje, seria essa esquerda? Não o PT.Nem o PT seria o partido de esquerda a garantir avanços e nem o PSOL, o PCB ou o PSTU tem real força para impedir uma catástrofe. A esquerda organizada é ridiculamente pequena frente à direita e o que seria a direita numa constituinte.
O PT está sempre pronto e disposto a aceitar todas as exigências de seus aliados ruralistas, evangélicos fundamentalistas, banqueiros, empreiteiras... Iremos confiar neste partido para capitanear uma reforma política? Quem irá segurar a direita não será, sem dúvida, o PT, que hoje nada a amplas braçadas para (e com) a direita.
Os eleitos para uma "constituinte exclusiva", tendo em mente a configuração política atual, as pressões, o crescimento do eleitorado fundamentalista e as alianças da ex-esquerda com a pior direita, seriam francamente conservadores. Isto basta para acabar com qualquer ânimo de quem é efetivamente de esquerda. De que importa que políticos com mandato não possam concorrer? Alguém acha que o PSC tem apenas o Feliciano na manga? Ou que o Malafaia, o Edir Macedo, os Ruralistas e outros não tem candidatos guardados para quando precisarem?
Tenho para mim que o papo da constituinte exclusiva é ou foi mais uma forma vazia do PT desviar a atenção para sua responsabilidade na imensa repressão durante Junho e meses posteriores (notadamente durante a Copa), o problema é que movimentos sociais como o MTST parecem não ter prestado bem atenção ao que acontecia e efetivamente adotaram uma bandeira praticamente suicida.
Digo com todas as letras: Uma constituinte neste momento, neste cenário de confrontação, de uma disputa artificial entre PT e PSDB que, no fim, representam o mesmo projeto, é suicídio político. Os movimentos sociais embarcam de cabeça, muito provavelmente ainda pensando que tem no PT um aliado comprometido ou ainda movidos por algum saudosismo descolado da realidade, e serão os primeiros a dançar.
Pra ser honesto, eu venho até pensando em torcer pela tal constituinte, porque talvez assim alguns movimentos consigam acordar. É verdade que muitos continuam mesmo que "criticamente" apoiando o PT, mesmo que apenas durante o segundo turno, mas parece não terem entendido ou reconhecido o inimigo (o é junto ao PSDB e à elite que ambos representam).
Em tempo, sequer há um debate sobre QUE modelo de reforma política os movimentos lutariam caso houvesse espaço em uma constituinte (o que não haverá, penso). O PT quer um modelo de listas fechadas, onde poderia enfiar Vaccarezzas e outros dejetos sem que a "militância" ou os "desavisados" pudessem fazer nada, facilitando ainda mais a guinada do partido para a direita, o que dizem os movimentos? Ou não dizem nada?
E quanto ao modelo de financiamento? O PMDB e demais satélites irão aceitar um modelo onde apenas doações de pessoas físicas, e com tento para doação, seja aceito? Ou iremos aprofundar o péssimo modelo que temos hoje, sangrando mais ainda os cofres públicos e mesmo dificultando mais ainda a fiscalização das já obscuras doações de empresas?
O movimento social já discutiu seriamente estas questões ou espera que na hora do "vamos ver" o PT jogue no lixo todos os 12 anos de seu governo e milagrosamente adote uma agenda popular? alguém realmente acredita que o PT iria em peso se opor ao financiamento e empresas enquanto é o partido no país que mais se beneficiar deste financiamento? Coloquemos então o lobo para cuidar das ovelhas, ainda que no cenário atual vejo muitas ovelhas quase implorando para se juntarem ao lobo.
O MTST e demais grupos podem colocar quantas pessoas quiserem nas ruas, mas a realidade não mudará de imediato: O país caminha a passos largos para o conservadorismo. É preciso, porém, que o MTST e demais grupos saiam às ruas e nelas fiquem, mas com agendas progressistas e próprias, com projetos de emancipação popular, com projetos de (re)construção da esquerda, mas não adotando modelos e agendas tiradas da manga para acabar de vez com qualquer resistência.
Não custa lembrar que durante a campanha muitos à esquerda comentaram, maravilhados, como o PT e Dilma tinham caminhado para a esquerda para logo quebrarem a cara com aumento de juros, de preços e tarifas e para o total e completo silêncio federal frente aos crescentes crimes homofóbicos, por exemplo, ou à lenta e tímida (para dizer o mínimo) resposta do governo à Chacina em Belém.
Precisamos de uma reforma política, mas através da pressão popular e dos movimentos sociais, não precisamos, porém, dar carta branca para um novo congresso (chamem como quiserem, mas serão os mesmos eleitos de hoje ou seus laranjas e os mesmos partidos podres e carcomidos dando as cartas) que não terá qualquer diferença para o atual, pelo contrário, poderá ou poderia ser pior.
Nós, enquanto esquerda, temos de raciocinar e compreender que fomos derrotados nas urnas, que há uma divisão social e ideológica tremenda no país e que precisamos conquistar e reconquistar, recriar e inovar antes de pensar em dar passos adiante arriscados ou mesmo francamente suicidas. É hora de nos reorganizar.
Após 12 anos os movimentos parecem cada vez mais anestesiados pela droga chamada "petismo". E eu começo até a ver que o efeito talvez só venha a passar após uma ou duas overdoses dolorosas (Junho parece não ter chegado a tanto). Por vezes me pego ligando o "foda-se", porque parece que alguns movimentos realmente querem ter de sofrer - mais do que já sofrem - ou mesmo precisam...?